Nobel de Paz de 2023 vai para Narges Mohammadi, ativista que defende direitos das mulheres e combate pena de morte no Irã

Comitê do Nobel declarou apoio à luta da engenheira, que atualmente cumpre sentença de dez anos de prisão por distribuir propaganda contra as políticas opressoras do governo iraniano.

Narges Mohammadi é a homenageada pelo Nobel de Paz de 2023, por “sua luta contra a opressão que mulheres sofrem no Irã e por sua luta para promover direitos humanos e liberdade para todos”, anunciou o Comitê Norueguês do Nobel, responsável por conceder a láurea. A iraniana era uma das principais cotadas para receber o prêmio, devido ao seu posicionamento contra a opressão do governo iraniano, especialmente através da figura da “polícia da moralidade”, responsável por fiscalizar as restrições impostas a mulheres no país.

Atualmente Mohammadi está detida pelo governo iraniano. Ao logo de sua trajetória, já foi detida treze vezes e sentenciada a um total de 31 anos de prisão e 154 chicotadas. A premiação ocorre em momento histórico para os movimentos ativistas pelos direitos humanos no Irã. Há cerca de um ano, em setembro de 2022, eclodiu uma onda de protestos no país impulsionados pela morte de Mahsa Amini. A jovem, de 22 anos, foi detida pela polícia da moralidade por utilizar o hijab, o véu islâmico, de maneira incorreta, deixando mechas de cabelo para fora do lenço. Apesar de, à época, a polícia afirmar que a iraniana morreu após um ataque cardíaco, familiares e testemunhas apontaram que a mulher foi agredida com um cassetete, levando um golpe violento na cabeça.

A polícia da moralidade é encarregada de garantir que a lei iraniana, baseada na interpretação da lei islâmica, seja seguida. Segundo a leitura do país, as mulheres são obrigadas a cobrir os cabelos com um hijab e usar roupas largas para cobrir seus corpos. O controle dos corpos e das formas de expressão de mulheres é acompanhado de grande violência por parte do órgão, que oprime as mulheres do país e limita sua liberdade, infringindo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da qual o Irã é signatário.

A violência estatal também se faz presente na pena de morte. O país é um dos que mais utiliza esse método de punição no mundo, segundo o Comitê do Nobel. Desde janeiro de 2022, mais de 860 prisioneiros iranianos foram punidos com a morte. Neste contexto de tensão e conflito nacional, Narges Mohammadi foi reconhecida, nas últimas duas décadas, como uma das principais ativistas pelos diretos das mulheres e contra a pena de morte. “Narges é uma defensora dos direitos humanos e uma pessoa que luta pela liberdade. Nós queremos apoiar sua luta”, destacou Berit Reiss-Andersen, a presidente do Comitê do Nobel, durante o anúncio do Nobel.

Reiss-Andersen iniciou a premiação entoando, em farsi, o lema do levante popular de 2022: “Mulheres. Vida. Liberdade”, e ressaltou que o slogan cobre os três pilares do ativismo de Mohammadi: “Mulheres”, por sua luta contra a discriminação e opressão de gênero; “Vida”, por seu apoio à luta de mulheres pelo direito de viver uma vida plena e digna, contra a perseguição, o aprisionamento, a tortura e a morte; e “Liberdade”, pela defesa da liberdade de expressão e do direito à independência.

Kimberly Digolin, pesquisadora do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional, no Núcleo de Estudos de Gênero (IARAS-GEDES) da Unesp, destaca que, apesar de o prêmio evidenciar uma realidade local – a das políticas para mulheres no Irã  – a homenagem deve lançar luz sobre uma problemática existente em todo o mundo: a dos direitos fundamentais da mulher. A pesquisadora relembra que a opressão de gênero não se limita apenas ao país islâmico. “Também podemos, e talvez devamos, interpretar esse prêmio como uma sinalização da necessidade de abordar melhor esse problema em nível global”, aponta.

O ativismo da laureada teve inicio na década de 1990, quando ainda era uma estudante de física – no futuro, viria a se graduar engenheira. Na universidade, organizava grupos de caminhadas com mulheres e clubes de envolvimento cívico. Em 2003, envolveu-se com o Centro de Defensores dos Direitos Humanos, em Teerã, uma organização fundada por outra prêmio Nobel, Shirin Ebadi. Os esforços de Mohammadi para prestar assistência a ativistas encarcerados e suas famílias culminou em sua primeira prisão, em 2011.

Com entradas e saídas da prisão ao longo da última década, seu último encarceramento teve início em janeira de 2022, quando foi detida por espalhar propaganda antigovernamental no presídio de Evin, em Teerã, para onde são encaminhadas as pessoas críticas do regime. De dentro da prisão, Mohammadi ficou sabendo da onda de protestos que tomou as ruas, após a morte de Mahsa Amini. A ativista encaminhou mensagens de apoio aos protestantes e organizou ações de solidariedade juntamente com outros colegas detidos em Evin, onde também organiza cursos semanais para mulheres encarceradas sobre seus direitos. Desde então, ela está proibida de receber chamadas e visitantes.

Apesar das restrições, Mohammadi conseguiu encaminhar um artigo de opinião para o New York Times, publicado um ano após a morte de Amini. Com o anúncio do Nobel, ela voltou a ter suas palavras divulgadas pelo jornal norte-americano: “O apoio global e o reconhecimento da minha defesa dos direitos humanos me deixam mais decidida, mais responsável, mais apaixonada e mais esperançosa. Também espero que este reconhecimento torne os iranianos que protestam pela mudança mais fortes e mais organizados. A vitória está próxima”, declarou.

Segundo estimativas das Nações Unidas, cerca de 20 mil iranianos foram presos na repressão governamental que se seguiu após o levante de setembro de 2022. Centenas de pessoas foram mortas, dentre elas pelo menos 44 crianças. Digolin defende que a premiação homenageia não apenas a ação individual, mas também a força coletiva de resistência.

“Esse é um claro reconhecimento da luta e do ativismo da Narges, mas também traz à reboque um destaque para a urgência dos debates e esforços em prol dos direitos humanos em um contexto mais amplo e mais coletivo”, diz, e destaca a importância de estender as reflexões suscitadas pela premiação para além das fronteiras do Irã. “É necessário ter cuidado para não exotizar e reduzir países islâmicos a um cenário de barbárie”, afirma. “A questão da opressão aos direitos humanos, e aos direitos das mulheres, perpassa todas as sociedades e precisa ser reconhecida como tal pra que possa ser enfrentada de modo eficaz”, diz a especialista em relações internacionais.

A cerimônia de premiação acontecerá no dia 10 de dezembro, em Oslo. O Comitê do Nobel da Paz encaminhou um pedido às autoridades iranianas para que soltem a laureada, a fim de que possa receber o prêmio pessoalmente.

O anúncio do Nobel de Economia acontecerá na próxima segunda-feira (9), marcando o fim da temporada de premiações. Ao longo da semana conhecemos o laureado de Literatura, Jon Fosse, um dos mais destacados dramaturgos e escritores da atualidade; os vencedores do prêmio de química, pela criação de pontos quânticos; o trio que levou o Nobel de Física pelo desenvolvimento de experimentos que permitiram estudar a movimentação de elétrons dentro de átomos; e os homenageados do Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina, por seus estudos envolvendo RNA mensageiro e sua interação com o sistema imunológico, o que viabilizou a criação de vacinas de maneira mais rápida em meio à pandemia.

Ilustração: Ill. Niklas Elmehed © Nobel Prize Outreach

Séries Jornal da Unesp

Este artigo pertente à série Nobel do Jornal Unesp. Conheça a trajetória científica e as pesquisas dos laureados com o prêmio Nobel nas categorias fisiologia ou medicina, física, química, economia, literatura e da paz a partir do ano de 2022.

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