Especialista em segurança internacional da Unesp analisa ataques do Hamas a Israel

Ofensiva do grupo islâmico, que chocou pela extensão e pela brutalidade, acontece em momento em que governos de Israel e da Arábia Saudita avançavam negociações de paz. Despreparo das forças de inteligência e de defesa do país surpreendeu observadores. Preocupação é que conflito escale e se espalhe pela região.

Nesta segunda-feira, 9 de outubro, o conflito entre Israel e o grupo islâmico Hamas chegou ao terceiro dia.  Até o momento, Israel concentrou mais de 100 mil soldados reservistas perto da Faixa de Gaza, o território palestino de onde partiu o ataque inicial de sábado. De acordo com estimativas divulgadas pela mídia internacional citando fontes dos dois lados, os ataques do Hamas e a reação israelense posterior já resultaram em mais de mil mortos. O ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, determinou cerco completo à Faixa de Gaza, o que inclui cortes no abastecimento de eletricidade, combustíveis e alimentos. Ainda nas primeiras horas desta segunda, o exército israelense afirmou à imprensa ter retomado “o controle total” das localidades afetadas no sul do país pelo Hamas. 

Um porta-voz dos militares israelenses, Jonathan Conricus, disse à rede de televisão Al Jazeera que o trabalho é garantir que, no final deste conflito, “o Hamas não  tenha mais qualquer capacidade militar para ameaçar os civis israelenses”. Já Mousa Abu Marzouk, integrante da liderança do Hamas, disse que o grupo mantém mais de cem israelenses em cativeiro. Segundo Marzouk, oficiais israelenses do alto escalão estão entre os sequestrados, e também idosos, crianças e mulheres. As autoridades de Israel dizem ainda não saber o número exato de pessoas sequestradas pelos extremistas durante o ataque.

O conflito começou na manhã de sábado, 7/10, quando o Hamas lançou uma ofensiva surpresa que incluiu o lançamento de foguetes e a infiltração de terroristas armados em  território israelense. Segundo o grupo, 5 mil foguetes foram disparados. Israel contesta o número e sustenta que foram pouco mais de 3 mil disparos.

Depois do ataque do Hamas, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, convocou uma reunião de emergência com autoridades de segurança e lançou uma operação contra o grupo palestino em Gaza. Netanyahu enfatizou que estava adotando um estado “de guerra, não uma operação militar” contra o grupo extremista islâmico, e o gabinete de segurança de Israel confirmou oficialmente “medidas militares significativas”.

O Hamas (sigla árabe para “Movimento de Resistência Islâmica”) é a maior organização islâmica em atuação na Palestina. De orientação sunita, possui um braço político que presta serviços sociais ao povo palestino, mas a organização é mais conhecida no ocidente pelo seu braço armado. O Hamas já reivindicou a posse da totalidade do território da região, incluindo a área onde está Israel e a cidade de Jerusalém, para o povo palestino.

O docente Héctor Luis Saint-Pierre, que é especialista em segurança internacional e coordenador-executivo do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp, explica que desde 1948, após ser reconhecido pela ONU como Estado, Israel disputa territórios com a população palestina, num processo que envolveu diversas guerras e conflitos e que ainda segue em curso. Hoje, o povo palestino concentrou-se em duas áreas principais, conhecidas como Faixa de Gaza e Cisjordânia.

Há um governo nacional palestino que atua com algum grau de autonomia, mas sua ação é dificultada em parte devido à ação dos grupos armados e milícias paramilitares que povoam o território e se arvoram o direito a exercer poder. O Hamas é um desses grupos, e tem entre seus princípios o não reconhecimento do direito à existência do Estado de Israel. 

“Nesse cenário, a comunidade palestina resulta em uma pressão muito grande para que as autoridades de Israel zelem pela segurança interna. Porém, atualmente observa-se uma cisão na sociedade israelense, fomentada pelo governo de extrema direita que busca alterar a estrutura normativa, almejando o controle do judiciário por meio de uma atitude autoritária. Então, há uma crise no interior de Israel”, explica o docente da Unesp.

Ele ressalta que, neste momento em que os ataques ocorreram, os palestinos também lidam com uma conjuntura desfavorável, porém ligada ao cenário externo. “A Arábia Saudita estava perto de firmar um acordo de paz com Israel. Essa possibilidade era vista com preocupação pelos palestinos por não terem sido consultados”, relata o pesquisador. “Além disso, comenta-se que, devido à ocorrência de corrupção, parte do armamento destinado à guerra na Ucrânia, pode estar sendo desviada para o mercado negro e teria chegado ao grupo islâmico”, diz.

A atuação dos serviços de informação de Israel, mundialmente conhecidos por sua eficiência, está sendo ferozmente questionada depois da intensidade e da complexidade dos ataques. O Hamas demonstrou expressivo poder bélico, infiltrando combatentes em Israel por terra e mar, além de usar mísseis e drones. “O que está em questão é como conseguiram fazer uma operação destas proporções, fazer reuniões, planejamento, infiltrar armamentos sem que  o Mossad (serviço secreto de Israel) soubesse. E nem mesmo a CIA soube.” Ele também destaca a vulnerabilidade do país aos ataques por ar, terra e mar. “Foi um problema tanto da Inteligência quanto das forçar armadas. Talvez a divisão da sociedade israelense tenha desviado a atenção dos órgãos de  inteligência. Mas se trata de uma falha geral da segurança israelense, injustificável”, diz.

Saint-Pierre destaca a possibilidade de que os ataques escalem para se tornarem um conflito aberto de amplitude regional. “É necessário um acordo diplomático com urgência. Essa situação pode desencadear efeitos prejudiciais para a paz no mundo”, diz . Para evitar tal escalada, seria fundamental envolver inclusive atores externos que apoiam os grupos diretamente envolvidos, caso dos EUA, apoiadores de Israel, e do Irã, patrocinador do Hamas. “O Irã sinalizou que não teve comprometimento na formação dos ataques, mas está à espreita. Os EUA já declararam que vão enviar armamentos para a região. Existem ‘falcões’ que estimulam a guerra e isso pode ser muito perigoso para a paz no planeta”, diz.

O professor da Unesp analisa a eclosão do conflito no Oriente Médio num contexto mundial já abalado pela guerra entre Ucrânia e Rússia. “Ambas as guerras são relevantes e possuem pontos de vistas estratégicos”, diz. Ele pondera que, neste momento, a manutenção do apoio militar dos EUA à Ucrânia está sendo bastante questionada pois afeta outros setores importantes, como a economia. “Pode-se abrir outro foco de instabilidade geopolítica no mundo”, diz.

O Brasil atualmente preside o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas. O órgão já realizou uma reunião para discutir os ataques, e defendeu a busca de uma solução diplomática e a cessação da violência. China, Rússia e Índia também já expressaram sua defesa de uma solução diplomática, com o horizonte de baixar a tensão e entabular negociações.

Saint-Pierre diz que o Ministério de Relações Exteriores do Brasil está provendo uma resposta adequada para lidar com o caso dos cidadãos brasileiros envolvidos pela guerra em Israel. “O MRE está se movimentando para resgatar os mais de mil brasileiros que estão na zona de conflito. Esperamos que isso aconteça o quanto antes. Esse processo diplomático não é algo tão simples, e pode levar algum tempo. Entretanto, já há mobilização diplomática brasileira em Israel no sentido de, por exemplo, levantar a situação das pessoas e tentar encontrar o paradeiro dos que ainda seguem desaparecidos.”

Confira abaixo a entrevista completa no Podcast Unesp.

Imagem acima: Foguete disparado dos territórios ocupados na palestina em direção a Israel em 7/10. Crédito: Fars Media Corporation/ Creative Commons