Protestos contra morte de jovem iraniana ampliam pauta e incluem pedido de derrubada do regime e de respeito aos direitos humanos

Professora de relações internacionais da Unesp comenta globalização das manifestações que pedem punições pela morte de Mahsa Amin, e alerta para possibilidade de que outros temas deixem em segundo plano reivindicações iniciais das mulheres iranianas.

Durante as últimas semanas, inúmeras mulheres no mundo mostraram apoio aos protestos no Irã cortando o cabelo e publicando nas redes sociais. Anunciados como uma revolução feminina no país conservador do Oriente Médio, os gestos são formas de protesto e solidariedade às manifestações desencadeadas pela morte de Mahsa Amini, uma mulher curda de 22 anos que entrou em coma após ser detida pela “polícia da moralidade” em 13 de setembro em Teerã, por ter supostamente infringido a lei que exige que as mulheres cubram os cabelos com um véu ou lenço.

Amini faleceu no hospital após três dias. A polícia diz que ela desmaiou em um centro de detenção após sofrer um ataque cardíaco, mas sua família alega que os policiais a agrediram com um cassetete. A força policial negou relatos de que os agentes bateram na cabeça dela com um bastão e a empurraram contra um de seus veículos.

As Gasht-e Ershad (Patrulhas de Orientação) são unidades policiais especiais encarregadas de garantir o respeito à moral islâmica e deter pessoas que consideram estar “indevidamente” vestidas. De acordo com a lei iraniana, que se baseia na interpretação da Sharia pelo país, as mulheres são obrigadas a cobrir os cabelos com um hijab (véu islâmico) e usar roupas largas para disfarçar seus corpos. Mahsa Amini supostamente havia deixado alguns fios de cabelo visíveis sob o lenço na cabeça.

Desde então, os protestos se espalharam e reuniram outras demandas, como o fim das leis compulsórias sobre o hijab, contra os líderes do Irã e todo o establishment clerical. As mulheres iranianas realizam atos simbólicos como lançar seus hijabs no ar, entoar slogans contra o governo e cortar uma mecha de cabelo em protesto.

Segundo Kimberly Digolin, professora no curso de Relações Internacionais da Unesp e pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional ligado ao Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp, a morte de Amini foi o estopim para protestos globais atuais contra a truculência da ‘polícia da moralidade’ e do governo ultraconservador no Irã.

“Essa postura do governo iraniano e da polícia da moralidade já existe há décadas e o caso de Amini foi o estopim sobre essa condição. De forma sintética, logo após a fundação da República Islâmica do Irã em 1979, diversas leis que defendiam os direitos das mulheres foram revogadas e em seguida foi criada a ‘polícia da moralidade’ que tem autonomia para prender pessoas que não estejam nos padrões do que é considerado correto no país. Inclusive, existem relatos de soldados que atuam nessas patrulhas que questionam a forma agressiva como são orientados a abordar a população, e dizem ter até metas em números de prisões”.

A professora conta que o funeral de Amini terminou servindo como um protesto público, no qual muitas mulheres arrancaram seus véus e os queimaram. Este primeiro ato serviu como estopim para outros protestos, que por fim se internacionalizaram, defendendo, além de punição aos supostos responsáveis pela morte da jovem, também a queda do regime e o respeito aos direitos humanos. Também como forma de protesto, muitas mulheres no Irã têm  optado por cortar os cabelos.  Aos poucos mulheres de vários outras países também começaram a cortar cabelos em apoio, e no Irã também há relatos de homens cortando parte dos cabelos. “O ato de cortar o cabelo é um símbolo de tristeza e raiva que dizem estar associada à uma antiga tradição persa quando da morte de uma pessoa querida. Mas neste caso é uma forma de solidariedade nacional”, diz ela.

Kimberly destaca três pontos de reflexão fundamentais nesse cenário. Primeiro, os protestos mostram que as mulheres não devem ser tratadas no papel de vítimas e têm a capacidade de reivindicar seus direitos, agir e lutar por dignidade, apesar da violência. O segundo ponto é que embora esteja havendo uma ampliação das bandeias nos protestos, é comum que em casos assim as demandas envolvendo direitos das mulheres acabem por ser relegadas a um segundo plano. Isso pode fazer com que essas pautas sejam tratadas como algo sem urgência. Por fim, ela ressalta a necessidade de que não se caia em estereótipo e preconceitos. O fato de serem protestos no Oriente gera uma ideia que seja algo regional, ou seja, que as mulheres do Ocidente têm mais inclusão social e sejam modelos. Mas ela ressalta que no Ocidente as mulheres também sofrem violações e falta de espaços em vários ambientes, inclusive político, não podendo avocar o posto de modelo. “Enfim, é um movimento que permite que as mulheres tenham suas vozes atendidas”.

Para ouvir a íntegra da entrevista, clique abaixo.

Imagem acima: Protesto contra a morte de Amini em Bucareste, Romênia. Foto: Mircea Moira.