Zé Brasil: um símbolo do movimento rock, paz e amor

Referência do rock underground paulistano lançou mais de 50 obras como autor e produtor, teve parceiros como Arnaldo Baptista e Gerson Conrad e foi até personagem de documentário sobre pioneiro festival hippie de Iacanga, nos anos 1970.

Dono de um registro de mais de cinco décadas de serviços prestados à música independente feita no país, o cantor, compositor, produtor e multi-instrumentista Zé Brasil consolidou-se como referência de um estilo de arte e de música que gira ao redor da trindade rock, paz e amor.

Natural de São Paulo, Zé Brasil, ou José Luiz Alves Barreto segundo a certidão de nascimento,  tinha, pelo seu lado paterno, parentes que eram excelentes instrumentistas e amantes da música clássica. Entretanto, ao ser “picado” pelo “bichinho” do rock and roll, sua vida mudou radicalmente.

“A minha família paterna é toda de músicos. Gente que toca violino, violoncelo, órgão, piano, canto etc. Desde criança convivia com saraus nas casas dos meus avós, lá na cidade de Aparecida, e me sinto abençoado por isso também. Em casa, ouvíamos a muita música popular: choro, samba, o início da bossa nova, e também as grandes orquestras americanas”, relembra. 

“Só que daí apareceu o rock and roll e me abduziu. O rock me levou pra Andrômeda! Na volta de Andrômeda passei por Saturno, e tudo o mais… E recuperei o meu gosto pela minha raiz mais profunda que é a viola caipira”, diz. “Em 2023, após mais de cinquenta anos de relação com esse belo instrumento, e como aprendiz de violeiro, percebi a importância das influências sobre nossas vidas”, diz. Fruto desta constatação é o álbum recém-gravado intitulado Viola Paulistana. Na obra, explorou seu conhecimento sobre compassos alternados e  rock progressivo, dando forma a uma fornada de modas de violas com características originais.

A virada profissional

Zé Brasil iniciou sua carreira profissional em 1971, cantando e tocando bateria em peças e shows nos teatros Vereda, Ruth Escobar, Oficina, TBC e Hebraica, além de participações em programas de televisão.  Mas o clima pesado da ditadura e o levou a buscar ares mais leves. Zé, então, caiu no mundo. “Fiz uma viagem sensacional para os Estados Unidos antes de começar a minha carreira como bandleader. Lá, aprendi a viver só de música mesmo. Aqui no Brasil eu tinha minha casa. Ganhava alguma coisa no teatro, mas não precisava da arte para sobreviver. Nos EUA tive que tocar em todo canto para me sustentar como músico de rua em São Francisco”, conta.

Após voltar dos EUA, no segundo semestre de 1973, conheceu Arnaldo Baptista, recém-saído de Os Mutantes, com quem criaria o grupo Space Patrol.   “Já conheci o Arnaldo depois de 1968. Mas eu era um tropicalista, e ele era amigo do Gil. Inclusive tive a oportunidade de tocar com Gil. A gente fez um som no apartamento dele, junto com Lanny Gordin e Tony Ossana. O Gil disse: ‘Poxa, a gente precisa fazer um show juntos’, mas  no dia seguinte foi preso. Mais tarde, cheguei a conviver um pouco com Os Mutantes”, conta.

Ele relata que estava em um festival de música  em São Lourenço, Minas Gerais. Arnaldo Baptista apareceu por lá ao volante do caminhão de som dos Mutantes, com todo o equipamento para fazer um show voluntário. “A Rita já havia saído do grupo. Ele estava descarregando o caminhão sozinho, então decidi ajudá-lo. O cara era louco pelo som, pela arte. Aí começamos a conversar, ele me convidou para abrir o show e a gente virou amigo” diz.

Depois desse encontro, Zé foi viver sua aventura nos EUA. Na volta, os dois se reencontraram e resolveram montar o Space Patrol. “Foi um tempo genial. A gente ensaiava diariamente na Serra da Cantareira e nos apresentamos ao vivo em dois festivais.  O primeiro no final de 1973, o outro no dia do aniversário de São Paulo em 1974, que foi um festival incrível, com muita gente e grandes bandas da época. A imprensa noticiou, tinha 25 mil pessoas em volta do Parque do Ibirapuera, foi demais”, diz.

Revelação do rock progressivo

Posteriormente ele largou a banda para ingressar em outro projeto, o conjunto Apokalypsis. “Tinha uma alma de ópera rock e uma temática ligada a ecologia, pacifismo, qualidade de vida, aquela coisa de ritmo e alimentação natural”, diz. A banda foi reconhecida como uma revelação do progressivo brasileiro em 1975, e até hoje segue na ativa.  Nesse mesmo ano, começa também uma relação de amor, arte e companheirismo com Silvia Helena, esposa, cantora, compositora, percussionista e parceira artística. “Silvia é minha musa inspiradora na arte e na vida, mãe dos meus filhos, uma pessoa de amor e inspiração desde aqueles tempos. Seguimos juntos”, enaltece.

De 1978 a 1981 viveu na Europa e apresentou-se em palcos na Inglaterra (Londres, Woolwich, Reading e Salesbury), na França (Paris, Toulouse e Cannes) e na Espanha (Barcelona). Em 1980, grava o compacto duplo Brazilian Wave em Londres. Além da Space Patrol e do Apokalypsis, envolveu-se em diversos projetos, incluindo  Maytrea & Silvelena (1976), José & Silvia (1978/1981, Europa), Delinquentes de Saturno (1981/1983), UHF (1983/1989) e 70 de Novo (2006/2018). Os parceiros destas aventuras musicais fazem um verdadeiro quem é quem do rock Brasil nos anos 1970, incluindo Gerson Conrad, do Secos & Molhados, Pedrão Baldanza, do Som Nosso de Cada Dia, Cezar de Mercês e Sergio Hinds, d’O Terço, Oswaldo Vecchione, do Made in Brazil, Roberto Lazzarini, do Terreno Baldio, e Marinho Testoni, do Casa das Máquinas. Em 2018 participou do documentário “O Barato de Iacanga” , registro posterior de um dos mais importantes eventos de música jovem na história do Brasil.

Hoje, trabalha com seu próprio selo, o Natural Records  BR, criado em Londres em 1980. Por ele, lançou os álbuns DoisMilEVinteUm, Viola Paulistana e Rock 2023, distribuídos online pela Tratore. Sua discografia, como artista e produtor fonográfico, compreende mais de 50 lançamentos, entre discos de vinil, CDs, DVD, singles, EPs e álbuns online.

“Dentre os meus trabalhos mais recentes, Viola Paulistana é a expressão musical da minha alma universal e eclética. Meu sangue vale-paraibano, de pais aparecidenses, foi timbrado desde criança nas modas de viola caipira que eu ouvia no rádio, alinhado ao rock dos anos 1950 que atropelou alegremente minha infância”, diz.

Viola Paulistana foi lançado em show eletroacústico, trazendo o melhor da produção do artista nesses mais de 50 anos. “O álbum foi produzido e gravado pelo meu selo Natural Records BR. Assim como o show, a obra conta com a participação especial de virtuosos amigos que colhi  durante todo esse tempo, destacando minha esposa, a cantora Silvia Helena. Estou muito feliz com este álbum e sigo na luta da música independente feita no país.”

Confira a entrevista completa no Podcast MPB Unesp

Imagem: divulgação.