O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou nesta segunda-feira os dados do Censo Demográfico 2022 relativos à população indígena do país. O levantamento revelou um aumento de 89% em relação aos dados do Censo 2010, passando de 896.917 para 1.693.535 indivíduos. Hoje, este grupo corresponde a 0,83% da população total da nação.
Os povos indígenas passaram a ser mapeados pelo IBGE em 1991, por meio da possibilidade de autodeclaração no quesito “cor ou raça”. A partir do Censo de 2022, o IBGE ampliou a metodologia, contando com a participação das próprias lideranças das comunidades no processo de coleta de dados e passou considerar também outras localidades indígenas além daquelas situadas em terras oficialmente demarcadas.
O levantamento também apresentou outras novidades. Dentre os 5.570 municípios do país, 4.832 (86,8%) têm moradores indígenas. Aliás, a maioria da população que se identificou como indígena (63%) vive fora das 573 terras oficialmente demarcadas pela Funai. Nada menos do que 42,51% residem em dois estados apenas, Amazonas (490,9 mil) e Bahia (229,1 mil). Nos municípios da Amazônia Legal, foram contados 867.919 indivíduos, ou 51,25% do total. A localidade que abriga a maior população indígena do país é a Terra Indígena Yanomami (AM/RR), com 27.152 indivíduos, sendo seguida de perto pela Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR), com 26.176 indivíduos.
Paulo José Brando Santilli, antropólogo e professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp, câmpus Araraquara, destaca que o crescimento registrado pelo Censo está relacionado também à nova metodologia de pesquisa empregada pelo IBGE, ao mapeamento mais amplo que foi conduzido neste levantamento e à tendência de valorização da ascendência indígena por parte da população em geral.
“O IBGE relatou uma mudança de metodologia para o cômputo dessa população. Houve uma grande melhora em relação ao censo anterior, que foi bem mais limitado, tanto no campo da atuação dos técnicos como também no mapeamento e na participação dessa população nas atividades. Então, por um lado os recenseadores se estenderam para áreas indígenas mais remotas em relação aos centros de demografia do país. E houve a mudança de metodologia, pois antes não havia a pergunta direta sobre quem se considera pertencente a esse grupo. Essa pergunta agora foi estendida a áreas urbanas. Então, grande parte desse crescimento se deve ao cômputo da população indígena em áreas urbanas ou mesmo rurais, mas situadas fora das terras indígenas, que o Censo soube captar. Isso explica porque mais da metade da população indígena vive fora das terras indígenas formalmente reconhecidas e regularizadas pelo Estado”, relata Santili.
“Outro fator importante é o processo de valorização e reconhecimento da ancestralidade indígena. Durante um lono período houve uma ênfase muito grande no reconhecimento da ascendência europeia e branca por parte dos cidadãos brasileiros. É comum que saibamos quem foi o nosso avô bisavô, quem veio de Portugal, da Espanha, da Itália ou do Japão. E quando essa ascendência se refere a populações afro-brasileiras ou indígenas, ficava algo meio indeterminado, não personalizado. Essa ascendência não europeia muitas vezes estava ligada a dificuldades, como discriminação ou racismo. Hoje a identidade indígena pode servir como título de acesso a fatores como terra e serviços específicos de educação e saúde. Essa valorização também se reflete em mudanças no processo de identificação. Para além da mudança de metodologia, um número maior de brasileiros passa a se reconhecer partilhando identidades com povos indígenas “, analisa ele.
De acordo com o critério do IBGE, as localidades indígenas são formadas pelas terras indígenas oficialmente delimitadas, pelos agrupamentos indígenas e pelas demais áreas de potencial e ocupação indígena. O novo levantamento apontou 573 terras indígenas oficialmente delimitadas pela Funai em 2022. Mas a maioria da população indígena (63%) vive fora das áreas oficialmente demarcadas. Dentre as 573 terras demarcadas, 501 são diretamente comparáveis com os resultados encontrados no Censo de 2010. A diferença populacional nessas áreas foi de 16%, passando de 511.630 pessoas, em 2010, para 593.560 em 2022.
Razões para sair
Segundo o antropólogo da Unesp, boa parte dessa população que reside fora das terras indígenas mora em fazendas, retiros e estabelecimentos no campo. Mas também um número expressivo reside em cidades, num movimento relacionado aos serviços de educação. Uma parcela significativa cursas os anos escolares em terras indígenas e depois se muda em busca de novos rumos, seja para freqüentar a universidade, cursos técnicos ou mesmo para trabalhar. o fora das terras indígenas. Esse deslocamento faz com que essa população indígena esteja participando nos mais diversos níveis de atividade econômica, social e política no país hoje.
“Esses dados tem a ver tanto com a violência ainda exercida visando a expulsão de populações de terras indígenas, ou de terras não regularizadas, como também com aquelas terras indígenas constituídas fora da Amazônia que eram muito pequenas. Elas foram estabelecidas sem levar em consideração a área necessária às atividades próprias de cada um dos povos indígenas, servindo apenas como meros depósitos de gente. Esse formato impõe a saída das terras indígenas tanto de jovens quanto de adultos. Não só por questões de educação e trabalho. Muitas vezes eles se deslocam para poder produzir fora aquilo que é inviável ser produzido nos limites exíguos das terras indígenas que foram demarcadas e regularizadas no período, sobretudo do regime militar”.
Com vasta experiência em estudos sobre povos indígenas, o professor da Unesp sinaliza que há uma série de desafios a serem enfrentados pelo atual governo do presidente Lula neste campo. Entre esses problema graves estão a violência, a expropriação dos territórios, dos povos indígenas, a grilagem, a devastação das terras, uso indiscriminado de agrotóxicos e a possibilidade de exploração do petróleo na costa equatorial no território do Amapá, entre outros.
Desafios para a população indígena
“Existem contradições com que nos defrontamos constantemente nas esferas indígena e ambiental. Fala-se da mineração, da indústria petrolífera, da exploração de gás, além da política energética, de transportes e da própria política fundiária. São temas nevrálgicos na pauta atual. Ao mesmo tempo que se divulga agora uma significativa redução no índice de desmatamento na Amazônia cerca de 40% nas nesses primeiros meses de governo também aparece um crescimento da devastação do Cerrado, que é o segundo grandemente ameaçado nos últimos anos e que certamente conta com um forças políticas também presentes no Congresso Nacional, que vemos no momento em que o governo também busca o apoio parlamentar para os projetos de interesse do Executivo”.
Apesar desses grandes desafios, Santilli relata que diversas regiões como o Território Indígena Raposa Serra do Sol, onde Lula recebeu a grande parte dos votos na última eleição, é reflexo de boas iniciativas do governo em diversas cidades que agregam povos indígenas.
“A homologação da demarcação dessa área foi um dos últimos atos do governo anterior do presidente Lula. E ela trouxe uma pacificação. Além disso, é muito visível o crescimento demográfico que ocorreu a seguir. Isso se deve à liberdade e à autonomia de gestão das terras pelos próprios indígenas. Isso permitiu um crescimento e uma melhoria na qualidade de vida incomparável com os anos anteriores. Lá, uma região onde havia violência endêmica, deu-se uma pacificação, melhorando a qualidade de vida e ensejando crescimento demográfico. Acho que o reconhecimento eleitoral teve a ver com o que foi feito pelo governo. Mas se tomarmos, por exemplo, a cidade de Manaus, que aparece no Censo 2022 como a maior concentração de população indígena urbana do país, verificou-se também mais votos para Lula do que para Bolsonaro”, diz.
Confira a entrevista completa no Podcast Unesp. Link abaixo.
Foto acima: indígenas em Brasília, em 7/06/23. Crédito: Joédson Alves/Agência Brasil.