Desde quarta-feira, pelo menos, pesquisadores brasileiros queixam-se de que perderam o acesso a dezenas de revistas científicas que é usualmente proporcionado pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), órgão do Ministério da Educação, por meio do seu Portal de Periódicos. Entre os periódicos cujo conteúdo agora se encontra inacessível estão publicações de referência, associadas às principais sociedades científicas do mundo. Os cientistas brasileiros têm comentado sobre o fato entre si, queixando-se do impacto da perda de acesso a estes conteúdos sobre os seus próprios projetos de pesquisa.
Em especial, muitos pesquisadores lamentam a interrupção ao acesso às publicações produzidas pela American Physical Society (APS), American Chemical Society (ACS) e Royal Society of Chemistry (RSC) que, somadas, respondem pela publicação de mais de 150 revistas científicas, algumas delas de alto impacto.
Boa parte das principais revistas científicas disponibiliza o acesso aos seus conteúdos sob um sistema de assinaturas. Durante os períodos em que ocorrem renegociações de contratos entre as editoras das revistas científicas e as instituições que assinam o serviço, é possível que ocorram interrupções no acesso ao serviço.
No último dia 15 de fevereiro, a Sociedade Brasileira de Física (SBF) publicou uma nota em seu site manifestando preocupação com a interrupção do serviço, afirmando que “a impossibilidade do acesso compromete seriamente a qualidade das pesquisas realizadas, além de prejudicar a formação de estudantes de graduação e pós-graduação e comprometer o desenvolvimento e a produção científica do país”.
Esclarecimentos da Capes
Questionada pelo Jornal da Unesp, a Capes enviou a seguinte nota:
“A CAPES esclarece a situação da fase de contratação de cada editora e reforça que vem envidando esforços para que o processo de renovação das assinaturas das revistas científicas aconteça o mais breve possível, de modo que não ocorram prejuízos acadêmicos aos programas de pós-graduação e à comunidade científica.
A CAPES entende a relevância dos conteúdos da ACS, da RSC e da APS e almeja manter os acessos da comunidade aos acervos assinados, executando de maneira eficiente o orçamento disponibilizado para esta finalidade.
American Chemical Society (ACS)
A proposta comercial oferecida para o novo contrato com a CAPES apresentou um valor muito superior ao acordado no contrato anterior, o que aumentariam os custos em mais de 100% do valor atual. Mesmo considerando que foram incluídas novas instituições e novos periódicos, o valor ainda está acima do previsto. A CAPES compreende a posição da ACS, como uma organização americana sem fins lucrativos, e suas consequentes limitações, contudo, é necessário entender que os contratos de assinatura firmados com a CAPES devem se adequar à realidade orçamentária do Fundação e do país. Ademais, cabe à Administração Pública compreender e negociar, baseando-se no princípio da economicidade. Ressaltamos ainda que os contratos do Portal de Periódicos são firmados em moeda norte americana, ou seja, deve-se considerar possíveis variações cambiais que impactariam nas contratações.
Royal Society of Chemistry (RSC)
As tratativas com a editora estão em curso. Contudo, é importante destacar que o processo de contratação do Portal de Periódicos deve seguir procedimentos específicos por se tratar de caso de inexigibilidade de licitação. Assim, o cumprimento dos requisitos legais e técnicos, a análise minuciosa das cláusulas das propostas comerciais, bem como os ajustes na documentação exigida, que são etapas fundamentais para garantir a transparência e a segurança jurídica dos contratos, demandam tempo.
American Physical Society (APS)
As tratativas com a editora estão em andamento avançado, em fase final de aprovação da proposta comercial.”
“Um negócio como os outros”
Flávia Maria Bastos, que está a frente da Coordenadoria Geral de Bibliotecas (CGB) da Unesp, afirma já ter recebido questionamento por parte de pesquisadores da Universidade sobre a interrupção do acesso às revistas publicadas pela APS, ACS e RSC. “Os títulos destas três sociedades são muito demandados pelos pesquisadores”, diz ela.
Entre as atividades da CGB está a gestão das assinaturas de bases de dados e periódicos assinados pela Unesp e disponibilizados à comunidade unespiana. De acordo com dados levantados pela própria Coordenadoria, cerca de 90% das bases de dados disponíveis para a comunidade unespiana são assinados pela CAPES. Os demais 10% são assinados pela própria Unesp, a partir do diálogo com seus pesquisadores sobre quais conteúdos são relevantes e merecedores do investimento.””
Flávia explica que os valores das assinaturas e editoras e de bases de dados internacionais podem variar de acordo com uma série de fatores, que incluem a localização geográfica da instituição, o potencial de usuários para o conteúdo, o número de acessos e a possibilidade de acesso via VPN, entre outros pontos. “Por exemplo, uma das bases de dados que assinamos na área de Medicina considera o número de leitos hospitalares disponíveis na instituição para precificar a assinatura”, diz.
A coordenadora diz que a maioria das editoras com as quais a Capes firma os contratos de acesso são estrangeiras e estabelecem os valores em dólares ou euros, sujeitos, portanto, a flutuações no câmbio. No fluxo da negociação comercial, decorre um processo de apresentação de propostas e contrapropostas que muitas vezes devem obedecer a um orçamento restrito. Este período pode se estender por dias, e resultar na suspensão temporária do acesso.
No último ano, de acordo com o último relatório de gestão, publicado em maio de 2023, a CAPES investiu cerca de 490 milhões de reais em contratos com editoras internacionais para disponibilização de acesso às principais bases de dados do mundo. Ainda segundo o relatório, o Portal de Periódicos, plataforma da CAPES que centraliza esses conteúdos, totalizou mais de 263 milhões de acessos, disponibilizando mais de 41 mil títulos de periódicos em texto completo, que beneficiaram 437 instituições voltadas ao ensino superior e à pesquisa.
Os valores cobrados por grandes grupos editoriais para o acesso ao conteúdo e para a própria publicação dos artigos vem sendo objeto de crítica por parte da comunidade científica internacional, em especial para instituições e pesquisadores localizados nos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos, que costumam contar com menos recursos e sofrem com impacto do câmbio, fazendo com que o custo para se publicar em uma revista de alto impacto possa alcançar algumas dezenas de milhares de dólares..
Nos últimos anos, surgiu um novo elemento na negociação com as editoras: a opção de publicação com garantia de acesso aberto a todos os interessados. No entanto, as empresas costumam cobrar mais caro para oferecer essa opção no contrato. Se por um lado os grupos editoriais abrem mão de receita na leitura dos artigos, ganham uma receita nova ao cobrar do pesquisador ou instituição pela publicação no formato aberto. “É preciso deixar claro que o acesso aberto não significa que é um acesso gratuito. Dentro das instituições públicas de ensino superior, os valores acadêmicos, como o compartilhamento do conhecimento, estão muito arraigados. Mas, fora dos muros da universidade, este negócio funciona como qualquer outro”, diz Flavia.
Imagem acima: Deposit photos