Livro de docente da Unesp é premiado pela Academia Portuguesa da História

"O Rio De Janeiro em Língua Portuguesa", de Jean Marcel Carvalho França, foi vencedor do Prêmio Joaquim Veríssimo Serrão, que destaca melhor publicação historiográfica do ano. Obra é resultado de uma década de pesquisas e investiga documentação pouco conhecida sobre o Brasil Colônia entre os séculos 16 e 19.

O que se publicou em língua portuguesa sobre o Brasil nos três séculos que se seguiram à viagem de Pedro Álvares Cabral? Que Brasil e que brasileiros seria possível extrair desses escritos? Seria um Brasil do colono em contraponto ao do estrangeiro? Essas foram algumas das perguntas que motivaram o professor titular do Departamento de História da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais em Franca, Jean Marcel Carvalho França, a dedicar quase uma década às pesquisas.

As respostas foram reunidas em O Rio de Janeiro em Língua Portuguesa (1576-1808), publicado pela Editora Universitária da UFSCar no ano passado. O livro foi o vencedor da edição 2025 do Prêmio Professor Doutor Joaquim Veríssimo Serrão, instituído pela Fundação Engenheiro António de Almeida na Academia Portuguesa da História. A premiação anual é destinada a acadêmicos, autores de uma obra histórica considerada notável.

França explica que a conclusão mais poderosa do livro foi, de fato, constatar, por meio das publicações do período, a existência de dois Brasis, como imaginava no início das investigações. Segundo o autor, de um lado, há “um Brasil estrangeiro, propagado na Europa sobretudo em inglês e francês – mas também, em menor escala, em espanhol, em holandês, em italiano e mesmo em alemão –, que tinha contornos muito precisos e temporalmente persistentes. Tratava-se de uma terra prodigiosa e plena de potencialidades que, lamentavelmente, caiu nas mãos de um povo pouco obreiro, de sangue mais e mais misturado e de hábitos, na sua maioria, condenáveis, um povo que caminhava a passos lentos rumo à civilização, isto é, rumo a um modo europeu de se viver”, explica.

De outro, há um Brasil em língua portuguesa construído pelos colonos e para os colonos. Nesse retrato, tem-se “um país vago e impreciso, diferente daquele Brasil figurativo pintado nas páginas da literatura de viagem, bastante religioso e composto não propriamente por habitantes, mas por almas virtuosas e almas pecadoras, umas e outras carentes da assistência de uma igreja e de uma coroa católicas”, completa o pesquisador.

O docente tem uma longa relação com Portugal. Em 1999, sua tese de doutorado foi publicada pela Imprensa Nacional – Casa da Moeda. França também residiu no país e é membro da Academia Portuguesa da História.  A premiação é, portanto, um reconhecimento da trajetória profissional e pessoal do autor. “Sinto-me muitíssimo honrado por ter sido premiado justamente pela Academia Portuguesa da História, instituição da qual sou membro e pela qual tenho grande respeito e admiração. Receber dessa instituição um prêmio que leva o nome de um célebre historiador português, Joaquim Veríssimo Serrão, é um incentivo enorme para continuar pesquisando e escrevendo — o que pretendo ainda fazer por muitos anos”, afirma. A cerimônia de premiação será realizada no dia 3 de dezembro, na sede da Academia Portuguesa da História, em Lisboa.

As próximas páginas

Jean Marcel Carvalho França dedicou quase uma década a reunir a documentação que compõe o livro. Grande parte da pesquisa foi feita em Portugal, na Torre do Tombo, na Biblioteca Nacional de Portugal e na Biblioteca da Universidade de Coimbra. Mas um dos documentos mais importantes para o livro foi obtido no arquivo do Mosteiro de São Bento, no Rio de Janeiro: o manuscrito de um catálogo de biblioteca, com mais de 3 mil títulos, organizado pelo Frei Gaspar da Madre de Deus em 1766. Todo o material utilizado pode ser consultado no site do grupo Escritos sobre os Novos Mundos ou na coleção Memória Atlântica, editada pela Cultura Acadêmica, selo da Fundação Editora Unesp.

Durante a investigação, o que mais surpreendeu o pesquisador foi o volume da documentação existente e o quão pouco ela era conhecida no Brasil, inclusive entre os historiadores. O recorte adotado, o Rio de Janeiro, se deveu sobretudo à disponibilidade de material. “Das cidades brasileiras coloniais, o Rio de Janeiro, para os propósitos que tinha em mente quando comecei a escrever o livro, era o caso mais bem documentado; mas a tese geral é extensiva ao restante da Colônia”, explica França. Com a conclusão da obra, e diante do volume de escritos encontrado e de outras questões não respondidas sobre a relação entre a cultura brasileira e a ocidental, o docente decidiu escrever outros dois volumes. Um deles será dedicado ao século 19, com o título A caminho da civilização. Segundo França, a obra já está em fase de finalização. O terceiro, dedicado aos séculos 20 e 21, ainda não tem título definido. “Os seguintes não tomarão o Rio de Janeiro como palco exclusivo dos acontecimentos e lançarão mão de uma documentação de outra natureza”, afirma.

Embora seja um historiador profissional, com sua carreira transcorrida na academia, França faz questão de escrever de forma a oferecer uma história interessante e atraente também ao leitor não especialista. “Procuro sempre ter muito respeito e consideração pelos meus leitores, sejam eles quem forem, com ou sem títulos acadêmicos, por isso invisto muito na clareza e na acessibilidade dos meus livros”, diz.

Imagem acima: Divulgação/Editora UFSCar.