Aos poucos, estão emergindo novas informações sobre a Operação Contenção, desencadeada ontem, dia 28 de outubro, pelas polícias Civil e Militar do Rio de Janeiro para cumprir mandados de prisão e barrar o domínio territorial exercido pela facção Comando Vermelho em partes do Rio de Janeiro. Hoje, moradores dos complexos do Alemão e da Penha, onde a operação ocorreu, encontraram mais de 60 corpos em uma mata na divisa das duas regiões e os levaram para a Praça São Lucas, na Penha. Até o momento, a Polícia Civil contabiliza 119 mortes, o que faz da Operação Contenção a mais letal da história, segundo o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF). Além das mortes, a ação resultou em 81 prisões e na apreensão de 93 fuzis e mais de meia tonelada de drogas.
O total de mortos anunciados até agora (dos quais quatro eram policiais) superou as 28 mortes registradas em ação na favela do Jacarezinho, também no Rio de Janeiro, em maio de 2021, bem como os 111 detentos que pereceram em 1992 no massacre do Carandiru, em São Paulo.
Cláudio Edward dos Reis, especialista em segurança pública e vice-coordenador do Núcleo de Estudos sobre Violência e Relações de Gênero do câmpus da Unesp em Assis, chama a atenção para o significado do elevado número de mortos gerado pela intervenção das forças da lei. “Em linhas gerais, nenhuma operação policial que produza tantas mortes pode ser classificada como exitosa”, diz. “Pelo contrário, é um desastre que revela o fracasso das políticas de segurança pública, e que vitima a população mais sofrida.”
Em entrevista ao Podcast da Unesp, o docente questiona a necessidade de uma operação com estas características de enfrentamento e letalidade, sustentando que uma atuação baseada em trabalhos de inteligência, que permita às autoridades policiais sufocarem os meios pelos quais os criminosos se financiam, seria mais produtiva. E defende a colaboração entre as autoridades das esferas municipal, estadual e federal, e também dos poderes Legislativo e Judiciário.
“Por que não se promove um fórum permanente de segurança que reúna poderes públicos, a Justiça, especialistas, membros das comunidades e, principalmente, que permita a criação de políticas de segurança efetivas, sem a preocupação de se determinar quem é o “pai” da ideia? O que deve prevalecer é o bem comum”, diz.
Reis diz que as disputas entre os atores políticos afetam a eficácia de medidas de segurança pública, e o que termina por prevalecer é uma atuação do Estado ensimesmada, focada na perpetuação no poder em detrimento do interesse público. Qualquer solução, diz, precisa superar disputas partidárias. “Existe uma disputa de poder que visa, em primeiro lugar, o controle, a perpetuação. Falta um trabalho integrado que tenha como objetivo final o bem comum. A questão da segurança é uma questão complexa e não será resolvida em um único governo, ou em um mandato.”
Para o pesquisador, o cenário que emerge é o de um Rio de Janeiro “refém da violência, do crime organizado, das milícias, da violência policial, da desorganização política, da fragilidade da gestão pública e das disputas políticas”. As principais consequências são o agravamento da insegurança e a perda da confiabilidade no poder público, com uma população que, em meio às disputas, fica sem ter a quem recorrer. “O Rio, nossa pérola do turismo, está se tornando hostil, está perdendo seus encantos”, avalia.
Ouça abaixo a íntegra da entrevista.
Imagem acima: Dezenas de corpos são trazidos por moradores para a Praça São Lucas, na Penha, zona norte do Rio de Janeiro, após ação policial da Operação Contenção. Foto: Eusébio Gomes/TV Brasil
