Desafios do combate aos arbovírus são o tema da nova edição do Prato do Dia

O infectologista Carlos Magno Fortaleza analisa os fatores responsáveis pelo crescimento de casos de moléstias como a dengue, a zika e a Chikungunya, e as iniciativas em desenvolvimento para controlá-las, que incluem centros de pesquisa, insetos transgênicos e vacinas em teste ou já em produção.

O Brasil enfrenta o crescimento dos casos de arboviroses, as doenças suscitadas a partir do contato com artrópodes, como insetos e aracnídeos. Dentre as principais moléstias que têm atingido a população do país nos últimos anos destacam-se a dengue, que até o início de março já havia somado mais de 1 milhão de casos registrados apenas em 2024, e a febre Oropouche, comum na região amazônica desde 1960 e que este ano foi encontrada pela primeira vez no Estado do Rio de Janeiro. O salto no número de casos tem suscitado preocupação entre autoridades de saúde e pesquisadores, que buscam se articular para deter essas enfermidades.

A transmissão do vírus decorre do fato de os artrópodes serem hematófagos, ou seja, se alimentarem de sangue. No conjunto de mais de 500 espécies de arbovírus conhecidas, sabe-se que cerca de 150 causam doenças nos seres humanos. Dentre as que mais têm assolado a população brasileira recentemente destacam-se a dengue, a zika, a chikungunya e a febre amarela, todas transmissíveis por meio de um mesmo vetor, o mosquito Aedes aegypti. “Certos artrópodes, como o Aedes aegypti, se especializaram no sangue humano e por isso tem um convívio cada vez mais próximo com a população”, disse o infectologista e epidemiologista Carlos Magnos Fortaleza, diretor da Faculdade de Medicina de Botucau, em entrevista ao podcast Prato do Dia, uma produção da Assessoria de Comunicação e Imprensa da Unesp.

Devido ao clima tropical do Brasil, a propagação dessas enfermidades causadas por arbovírus há décadas constitui uma questão de saúde pública. “O mosquito [Aedes aegypti] chamou a atenção no século 19, quando se percebeu que a sua presença estava associada à febre amarela. Seguiu-se um grande movimento pela sua erradicação desse mosquito e, à época, se chegou muito próximo. Tanto que ele não foi mais observado entre as décadas de 1950 e 1980 no Brasil.” explica Fortaleza. “A partir da década de 1980, temos um novo modelo de urbanização com alta produção de resíduos sólidos, que guardam água da chuva. Logo, as cidades se infestaram novamente com o Aedes aegypti, e a doença que se espalhou não era mais a febre amarela, que havia sido bem contida pela vacinação, mas sim a dengue”, diz.

A adaptação urbana do mosquito é o que torna a sua contenção mais complexa. Desde os anos 1980, cientistas e autoridades de saúde têm se unido em forças-tarefa para criar estratégias de combate ao mosquito e a outros vetores de arboviroses que possam representar ameaça à saúde humana. Após a recente criação do Instituto Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (INCT) em Vigilância Genômica de Vírus e Saúde Única, que tem participação da Unesp, cientistas ligados ao novo Instituto estipularam o estudo mais aprofundado dos arbovírus como uma das principais frentes de pesquisa no momento.

Carlos Fortaleza diz que nem as estratégias empregadas atualmente para combater o mosquito pelos governos estaduais e prefeituras, nem as propostas mais inovadoras, que incluem, por exemplo, a propagação de machos transgênicos, incapazes de produzir ovos viáveis, e a contaminação do Aedes aegypti pela bactéria wolbachia, se mostraram plenamente eficientes. “Ainda não descobrimos aquele ‘pulo do gato’ que vai fazer com que ideias engenhosas de controle populacional do Aedes aegypti  se transformem em realidade”, diz.

Há vacinas promissoras em fase de testes. “Temos duas vacinas em produção. Uma delas, a vacina da Sanofi, só é indicada para aqueles quem já tiveram dengue, pois, para as demais pessoas, há um aumento no risco de contrair o quadro mais grave. A vacina da marca Takeda não apresenta esse problema. Porém, ela apresenta uma proteção diferenciada para cada sorotipo [sanguíneo]. Então é uma vacina boa, pode diminuir os casos de dengue e causar o efeito de rebanho, mas não possui uma eficácia de 95%, como vemos na vacina para a febre amarela”, diz. Há ainda uma terceira sendo desenvolvida pelo Instituto Butantan, que abrange todos os sorotipos de forma igualitária e tem boa eficácia. Ela deverá, porém, mirar apenas a dengue, não sendo eficaz contra as demais arboviroses. “Acredito plenamente que, ao longo dos anos, vamos desenvolver estratégias de vacinologia que coloquem todos os arbovírus de relevância em uma vacina só”, diz Carlos Fortaleza.

A íntegra do Prato do Dia sobre arboviroses pode ser ouvida no player abaixo e no site Podcast Unesp, bem como nas plataformas especializadas Spotify, Deezer, Google Podcasts e Amazon Music Podcasts.