Docentes de Botucatu e São José do Rio Preto integram novo INCT destinado ao monitoramento genômico de vírus para identificação de possíveis ameaças à saúde humana

Iniciativa surgiu a partir da experiência no enfrentamento da pandemia de covid-19. Batizado de INCT-One, projeto reúne pesquisadores de quatro estados brasileiros e da Alemanha, Reino Unido e EUA. Investimento de MCTI, Capes, CNPq e Fapergs será de R$ 5,3 milhões até 2028. Unesp já atua na vigilância genômica de vírus e opera laboratório que é referência em biossegurança no país.

Os anos de alerta global causados pela pandemia da Covid-19 deixaram evidente a importância de exercer vigilância sobre os agentes virais, a fim de poder prever, ou pelo menos se preparar melhor, para o momento em que um vírus passa a representar alguma ameaça à vida humana. Com esse foco, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), anunciou no final de 2023 a disponibilização de financiamento para um Instituto Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (INCT) em Vigilância Genômica de Vírus e Saúde Única, projeto que terá a participação da Unesp.

Os INCTs têm como característica principal a formação de projetos de pesquisa de longo prazo em redes de cooperação científica para o desenvolvimento de trabalhos de alto impacto, com formação qualificada de recursos humanos para a área estudada. Em geral, por tratarem de temáticas complexas, pesquisadores e bolsistas de um INCT se estruturam em subprojetos descentralizados em diferentes laboratórios e centros integrantes de uma grande rede de pesquisa. O INCT em Vigilância Genômica de Vírus e Saúde Única, batizado de INCT-One, já nasce com a proposta de alguns focos específicos, incluindo arboviroses (viroses transmitidas por mosquitos) e influenzas, mas o objetivo é adotar a perspectiva mais ampla possível para monitorar simultaneamente diversos agentes virais.

Sob a coordenação central do professor Fernando Spilki, pró-reitor de Pesquisa, Pós-Graduação e Extensão da Universidade Feevale, do Rio Grande do Sul, o INCT-One reúne grupos de pesquisa brasileiros e estrangeiros em torno da vigilância de agentes virais em humanos e animais, viabilizando uma colaboração entre cientistas de universidades de quatro estados brasileiros (Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo) e de instituições da Alemanha, dos Estados Unidos e do Reino Unido. A previsão é que a rede em torno deste INCT atue, ao menos, durante os próximos cinco anos. 

Desde a pandemia do SARS-CoV-2, o avanço de agentes virais é acompanhado pela comunidade científica internacional com especial atenção. É o caso, por exemplo, da H5N1, popularmente chamada de gripe aviária, que causa alguma apreensão pela possibilidade de que possa tornar-se uma ameaça aos humanos. “Nós temos o interesse de estudar, monitorar e caracterizar, do ponto de vista genético, vírus presentes em animais silvestres, com enfoque especial naqueles com potencial para serem transmitidos para a espécie humana”, diz Spilki. 

E a influenza aviária já é objeto de atenção especial por parte do Ministério da Agricultura e Pecuária – o Brasil é classificado como país livre de influenza aviária em aves de produção comercial. Segundo um painel disponível ao público no site do ministério, desde o primeiro semestre de 2023, foram notificadas no país 151 investigações com resultado laboratorial positivo para o vírus, em um universo de 2.574 investigações (algumas ainda em andamento). Quase a totalidade dos casos positivos se refere a aves silvestres.

Unesp abriga laboratório NB-3

No Laboratório de Estudos Genômicos localizado no câmpus da Unesp de São José do Rio Preto, a professora Paula Rahal, uma das pesquisadoras envolvidas na rede do INCT-One, atesta que o monitoramento de casos de gripe aviária já faz parte do seu dia a dia, e deve continuar bastante relevante para as atividades do novo INCT. O laboratório coordenado pela docente da Unesp é um dos poucos no Brasil credenciados no nível de biossegurança 3, ou NB-3. Eles destinam-se ao trabalho com patógenos de risco biológico da classe 3, a mais alta contenção biológica laboratorial existente atualmente no país, e analisa amostras vindas de diversos estados brasileiros, em especial das regiões Sul e Sudeste. 

“Biólogos e veterinários que fazem o monitoramento da costa [litorânea] verificam o estado de saúde das aves durante a migração. Eles encaminham amostras para nós para que possamos analisar, diagnosticar e acompanhar a presença do vírus”, diz Paula Rahal. “Daí a importância de dispormos de um laboratório de nível de segurança 3, pois nele conseguimos isolar os vírus em circulação e proceder à caracterização e ao sequenciamento dos seus genomas completos. Dessa forma, é possível identificar eventuais mutações”, explica a pesquisadora. 

Lista de prioridades será dinâmica

De acordo com Spilki, no momento os arbovírus estão em maior destaque na “lista de prioridades” de vírus a serem estudados, já que afligem a saúde humana. Doenças como dengue, febre amarela, chikungunya e zika são arboviroses bastante conhecidas e que já afetam a vida humana em áreas urbanas com alta densidade populacional.

Docente do Instituto de Biociências do câmpus de Botucatu da Unesp, líder de um grupo de pesquisa residente no Instituto de Biotecnologia (Ibtec) da Unesp e vice-coordenador do INCT-One no estado de São Paulo, João Pessoa Araújo Junior destaca a importância do estudo aprofundado dos arbovírus dentro do programa. 

“É importante verificar o quanto os vírus da dengue, zika e febre amarela estão evoluindo, e se podem adquirir novos hospedeiros e novas formas patogênicas. É preciso também monitorar também a chegada de novos vírus ao Brasil, como o vírus do oeste do Nilo”, diz.

O trabalho de vigilância de agentes virais costuma ser conduzido de duas formas distintas, e por vezes complementares: a vigilância ativa e a decorrente. Na primeira, são coletadas amostras de sangue de animais silvestres saudáveis e busca-se nelas a presença de vírus que serão isolados, e assim se monitora a eventual presença de doenças. A outra via é a análise de agentes infecciosos de animais e humanos que sabidamente estejam doentes, a fim de entender de que tipo de vírus se trata e qual pode ser a sua evolução. 

Spilki diz que a proposta é que a “lista de prioridades” adotada pelo INCT-One seja dinâmica, passível de alterações conforme surjam novas descobertas ou surtos de doenças, para que se possa ampliar ou redirecionar os esforços de vigilância conforme a necessidade. “Se encontrarmos algo que seja desconhecido e que tenha um potencial de agravo, precisamos ir a fundo e investigar para tirar todas as dúvidas”, diz. “É óbvio que vírus que estão no dia a dia e que são agravos importantes em saúde pública, como o HIV, ou os papilomavírus (ambos infecções sexualmente transmissíveis), também entram na nossa agenda, porque temos equipes e laboratórios equipados para trabalhar nisso”, diz.

Preparação fez a diferença em 2009

O investimento previsto para o INCT-One prevê financiamento para treinar novos pesquisadores na utilização da infraestrutura de pesquisa que estará disponível na rede internacional recém-formada. Araújo Júnior, que possui experiência em vigilância de agentes virais como o HIV e o vírus da Hepatite C, ressalta a importância de formar novos cientistas para atuar na vigilância viral. O docente lembra que o monitoramento de vírus agiliza e potencializa o combate a doenças, uma vez que os pesquisadores adquirem conhecimentos prévios do que poderão enfrentar. 

“Quando houve a pandemia de gripe de 2009, nossa resposta foi rápida em termos de diagnóstico, principalmente no estado de São Paulo, porque tivemos o investimento em rede de vigilância genômica, que capacitou os laboratórios entre 1998 e 2004. Quando [a pandemia] chegou em 2009, os laboratórios estavam preparados com equipamentos e pessoal treinado”, diz.

Uma das principais vantagens no estabelecimento de uma rede internacional de colaboração científica como a formada no INCT-One é justamente a facilitação para a troca de informações e de recursos entre os cientistas, criando condições mais favoráveis de trabalho em comparação com pesquisas realizadas de forma apartada.

Juntos, MCTI, CNPq, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) destinarão, ao longo dos próximos anos, R$ 5,3 milhões para o novo INCT. “O repasse de verba é essencial para manter o funcionamento de um laboratório NB-3 como o nosso, responsável por isolar, identificar e notificar novos tipos de vírus”, diz Paula Rahal. “A vigilância genômica de vírus exige um grande aprendizado. Espero que essas atividades não cessem em 2028, porque há necessidade delas. Novas epidemias vão surgir, é preciso que esse trabalho seja contínuo”, diz.

Imagem acima: Deposit Photos