Possibilidade de decisões individuais no Supremo Tribunal Federal é deletéria para a corte, diz professora de direito constitucional da Unesp

Em entrevista ao podcast Prato do Dia, Soraya Regina Gasparetto Lunardi analisa as polêmicas e rixas com outros poderes que envolveram a atuação do STF nos últimos anos, e que estão motivando diversos projetos de reforma para limitar sua atuação. “Quem jogou a corte na arena política foram os partidos e a própria Constituição de 1988”, diz.

A centralidade do Supremo Tribunal Federal (STF) na política brasileira nos últimos anos tem suscitado debates acerca de sua atuação e transparência na tomada de decisões sobre matérias constitucionais e a relação nem sempre harmônica com os outros poderes, em especial com o Poder Legislativo. Um passo importante nesse enfrentamento ocorreu na noite desta quarta-feira (dia 22), quando, com o apoio do presidente do Senador Rodrigo Pacheco e ampla margem de votos, os senadores da República aprovaram uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita as decisões individuais, ou monocráticas, dos ministros do STF.

O papel do Supremo na atualidade, os poderes que a Constituição brasileira confere a seus ministros e as críticas de que a corte maior do Poder Judiciário estaria legislando, e assim avançando sobre esferas de atuação de senadores e deputados, foram os pontos centrais da conversa no podcast Prato do Dia com a professora da Unesp Soraya Regina Gasparetto Lunardi, docente de Direito Constitucional e Direitos Fundamentais na Faculdade de Ciências e Letras do câmpus de Araraquara. Ela é especialista no estudo do controle da constitucionalidade das leis, com dezenas de trabalhos publicados sobre a matéria em país como Estados Unidos, Itália, Grécia, Bolívia, Turquia, Portugal e, claro, o Brasil.

Para Soraya Gasparetto Lunardi, a afirmativa de que o Poder Judiciário se entrelaça ao Poder Legislativo no país têm raízes históricas, na Constituição de 1988. Mais especificamente, nas quatro ações de controle concentrado de constitucionalidade: Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). “Se pegarmos a ADO, por exemplo, que é a inconstitucionalidade por omissão, o Poder Legislativo diz para o Supremo Tribunal Federal: ‘se eu me omitir, se eu não cumprir minha obrigação de legislar, você legisla em caso de omissão’”, diz. 

Além da possível interferência assegurada pela constituição, a jurista esclarece que os partidos políticos também desempenham um papel significativo de promover a atuação do STF na esfera política. Isso ocorre por meio de solicitações de intervenção relacionadas a inconstitucionalidade e omissão, geralmente atreladas a questões relativas ao direito de minorias, como a demarcação de terras indígenas e questões ambientais.

“Quem mais demanda dentro do Supremo fazendo pedidos de inconstitucionalidade, buscando questões relativas a direitos de minorias, são os próprios partidos políticos. Então, existe meio que um jogo de empurrar o Supremo também para atuar na esfera política”, analisa a professora da Unesp, complementando que com o passar dos anos os ministros foram “gostando do palco”. “O Supremo atua muito, de fato, mas tem essa questão. Quem joga a corte na arena política são os partidos políticos e o próprio legislador (referência aos poderes concedidos pela Constituição de 1988). Então, tem uma dualidade que merece ser melhor entendida”, afirma Soraya Gasparetto Lunardi.

A docente ainda relatou que durante uma palestra realizada em Portugal, pesquisadores de diferentes países se surpreenderam ao descobrirem que, durante o Carnaval de 2013, a fantasia mais vendida incluía uma máscara estampada com o rosto do ex-ministro do STF Joaquim Barbosa, que na ocasião havia acabado de liderar o julgamento do mensalão. Em outros países, é comum a prática de despersonalizar a instituição, dando ênfase ao colegiado e não a nomes individuais. A decisão tomada é assim atribuída ao órgão como um todo, o que para a professora representa uma forma eficaz de fortalecer a corte constitucional. 

“Isso é muito importante para fortalecer a instituição. Essa despersonalização assegura neutralidade e uma maior segurança jurídica a partir do momento em que o inimigo nacional (da vez) não é o Gilmar Mendes ou o Alexandre de Morais”, exemplifica, dizendo-se contrária às decisões monocráticas pela mesma razão. “Essa prática das decisões individuais favorece esse problema de você não ter uma figura de uma instituição, mas de ministros heróis e de ministros bandidos. Isso é muito deletério para a corte constitucional.”

A íntegra da entrevista com a professora de direito constitucional Soraya Gasparetto Lunardi foi gravada antes da PEC recém-aprovada pelo Senado Federal, que ainda necessita ser analisada na Câmara dos Deputados. Esta edição do Prato do Dia, uma produção da Assessoria de Comunicação e Imprensa da Unesp, está disponível na mídia abaixo, bem como na plataforma Podcast Unesp e nos tocadores de podcasts Spotify, Deezer, Google Podcasts e Amazon Music Podcasts.

Ouça abaixo o podcast Prato do Dia.