Marcos Ottaviano: uma guitarra a serviço da arte e da educação

Saudado como um dos grandes talentos no Blues brasileiro, e elogiado por expoentes do gênero como B.B. King e Magic Slim, instrumentista também ganhou reconhecimento por sua atuação na formação de novos músicos.

Era 8 de janeiro de 2002, e a segunda terça-feira do ano transcorria em ritmo de férias. Uma tempestade de verão despencou durante a tarde na cidade de São Paulo. O calor se manteve, mas o céu noturno limpo que se abriu favorecia mais uma apresentação do trio “Blue Jeans” no Bourbon Street Music Club, emblemática casa de shows da capital paulista. Durante a passagem de som, o proprietário do estabelecimento disse ao grupo que uma estrela do rock mundial poderia aparecer por ali. Entre risos e piadas, os músicos desconversaram. Já no decorrer do primeiro set do show, uma voz ecoava no mezanino reservado: “Yeah! Yeah! Yeah”. As pessoas da plateia olhavam para cima, procurando enxergar se era verdade que uma “pedra” que já rolou e ainda rola pelos principais palcos do mundo estava por ali. Sim! Ron Wood, guitarrista dos Rolling Stones, vocalizava sua apreciação do som e admirava o estilo de um dos principais guitarristas de blues em terras tupiniquins: Marcos Ottaviano.

“Foi incrível. A cada solo que eu fazia ele vibrava, e eu não entendia ao certo o que estava ocorrendo. A plateia olhava mais para cima do que para o palco. Durante o intervalo entre os sets, ele desceu ao nosso camarim e disse que queria fazer uma jam session com a gente. O Júnior (membro da banda) sempre brincalhão ainda falou: Hoje não! O Ron caiu na risada, se enturmou e na sequência entrou no palco com a gente. Elogiou a banda, me elogiou e me chamou de professor. “Professor, talvez você possa me dar algumas aulas?” Tocamos “Hide Away”, do Freddie King, e “Miss You”, dos Stones. Ron foi muito generoso. Ele queria tocar mais, mas a produção dele decidiu ir embora. Esse acontecimento foi divulgado em em vários veículos na mídia onde nunca tínhamos aparecido antes. E viajamos para vários lugares novos apenas porque o  cara falou ‘Pô essa banda é legal!”, conta Ottaviano.

Essa é uma das diversas histórias que enfeitam trajetória artística do músico, guitarrista, produtor musical e professor Marcos Ottaviano. Natural de São Paulo, Ottaviano cresceu numa família musical, com familiares que tocavam instrumentos, mas não eram necessariamente profissionais. “Outro dia me peguei pensando sobre isso. Lembrei de uns tios por parte de mãe que eram do interior e tocavam viola na praça, na cidade de Jambeiro, no Vale do Paraíba. Em especial, meu tio Lupércio, ali com uma violinha tocando e eu garoto, ouvindo. E aqui de São Paulo, pela parte do meu pai, tive  os meus avós italianos. Minha avó tocava no órgão na igreja e meu avô também. Lembro dele tocando o hino da Itália na gaita. Dentro de casa, a minha irmã Mary foi a primeira que aprendeu a tocar violão e me ensinou os primeiros acordes. Aí, com uns 14 anos, comecei a tocar guitarra”, recorda.

Sua trajetória profissional teve início no começo da década de 1990, como um dos fundadores da banda Companhia Paulista de Blues. Após dois anos, passou a integrar a banda de Celso Blues Boy. Em 1993, Ottaviano entrou para a banda Blue Jeans, onde permaneceu durante treze anos. O grupo até hoje é considerado um dos melhores trios de Blues do país. Em 2003, a banda lançou o CD Come Back Home. O disco conseguiu emplacar sete músicas no Top 10 da Bandit Blues Radio, a maior rádio norte-americana de Blues da Internet, estabelecendo um recorde na história da emissora.

 No ano seguinte, Blue Jeans abriu os shows de B.B. King em São Paulo. Convidados a subir ao palco pelo “Rei do Blues” ao fim da sua apresentação, B.B. declarou: “Minha missão está cumprida, porque há no mundo uma banda como a Blue Jeans, representando tão bem o blues”, declarou então o guitarrista, um dos expoentes do gênero. Na celebração dos vinte anos de carreira, em 2007, a banda lançou um DVD com participação da lenda Magic Slim, bluesman de Chicago que veio ao Brasil especialmente para esta gravação.

Em 2000 lançou seu primeiro disco solo, November 12 Sessions. O álbum, produzido por Alexandre Fontanetti, apresenta composições próprias e releituras de clássicos do Blues. Em 2010, lançou o álbum Marcos Ottaviano e Kiko Moura Project, que arrancou elogios do precursor da Bossa Nova, Roberto Menescal.

Em 2010, lançou o livro “Guitarra Blues, do Tradicional ao Moderno”, fruto de um amplo estudo realizado pelo guitarrista ao longo de 25 anos. O livro está na sua 3ª edição e já vendeu mais de 4.000 exemplares. E foi saudado pelo próprio Menescal. “Ouvindo Marcos tocar, percebo que cada nota conta uma história. Com a oportunidade de conhecer um pouco mais desse estilo, por meio desse livro, acho que vou ‘bluesear’ um pouco a minha bossa nova”, escreveu o célebre músico e compositor carioca. 

A inserção no universo da didática aconteceu pela necessidade de abrir novas frentes de trabalho, além dos shows. Entretanto, a satisfação em lecionar e o acúmulo de suas pesquisas e estudos sobre a guitarra valeram a Ottaviano a reputação como um dos principais professores do instrumento no país.  “Tudo começou quando eu fui substituir o grande guitarrista Kiko Moura no Conservatório Musical Souza Lima. Ele era meu mestre, mas teve que viajar e apareceu essa oportunidade. Após um mês, quando ele voltou, me disse que os alunos tinham adorado. Então me empolguei e montei um currículo ali mesmo. Depois vieram as aulas particulares e não parei mais “, conta.

No começo, Ottaviano montou uma apostila com solos e estilos dos seus ídolos do Blues, sempre mesclando com material próprio e trabalhando para apresentar um trabalho original. Durante uma década, escreveu muitas lições para compor seu próprio material. Para conseguir chegar num formato de apostilas originais, com conteúdo didático e, ao mesmo tempo, musical, empregou mais a borracha do que o lápis, escrevendo muitos solos, licks e cadências. Também procurou garantir que o curso fosse bastante prático, tendo os assuntos teóricos abordados dentro de cada lição. Com muito critério, dividiu o curso em quatro módulos, indo do Blues tradicional ao moderno – daí o nome “Guitarra Blues: do Tradicional ao Moderno”, o qual já conta com dois volumes.

“Conduzir esses estudos e dar aulas de guitarra é muito prazeroso. Na minha estrada na música, essa tarefa é uma das que tenho mais carinho em realizar. É muito bom ver seus alunos aprendendo, evoluindo e quebrando tudo seja profissionalmente ou como hobby. Só de ver as pessoas felizes com o meu material, não tem preço”, destaca Ottaviano.

Ao longo de sua carreira, abriu shows para nomes como Buddy Guy e o já mencionado B.B. King, e dividiu o palco com Big Time Sarah, John Pizzarelli, Peter Tork  e Bobby Keys, entre outros. Produziu e tocou no terceiro disco do cantor e compositor Marcio Tucunduva, intitulado Tempestade, que foi mixado pelo engenheiro de som e produtor Chris Shaw, quatro vezes vencedor do Grammy.     

 Marcos Ottaviano é um músico e professor diferenciado, cujo a sabedoria e a técnica com a guitarra vão bem além dos palcos e das salas de aula. Sua postura como ser humano e profissional visam a felicidade do próximo e a formação de cidadãos. Empunho do seu instrumento e suas obras, ele utiliza sua guitarra a serviço da arte e educação.

            Confira abaixo a entrevista completa no Podcast MPB Unesp.

Imagem acima: foto de Gustavo Arrais.