Avanço do peixe-leão no litoral brasileiro preocupa pesquisadores

Originária do oceano Indo-Pacífico, espécie invasora já é encontrada em oito estados, e deve colonizar toda a costa. Animal ameaça os ecossistemas costeiros por capacidade de alimentar-se de peixes nativos, reprodução rápida e ausência de predadores naturais.

A crescente presença na costa brasileira do peixe-leão (Pterois volitans), uma espécie invasora, tem causado preocupação junto aos pesquisadores do nosso país. Venenoso, dotado de grande capacidade para se adaptar a diferentes ambientes marinhos, ele compete com espécies nativas por alimento e habitat, revelando-se uma ameaça para a biodiversidade local. Originário do Indo-Pacífico, sua primeira aparição no Oceano Atlântico ocorreu na Flórida, Estados Unidos, na década de 1990. Ainda não se sabe exatamente como essa introdução se deu: as teorias mais aceitas envolvem a liberação de peixes de aquário no mar. Desde então, a espécie tem lentamente se espalhado pela costa americana, passando pelo Caribe e chegando à América do Sul em 2009, na costa venezuelana.

No Brasil, os relatos mais recentes de aparições de peixes-leão aconteceram em 2020. Quatro indivíduos foram encontrados em Fernando de Noronha e na costa do Amapá. Porém, por estarem a profundidades de aproximadamente 100 metros, e em baixa quantidade, sua presença não foi considerada alarmante. O cenário mudou em março de 2022, quando o primeiro indivíduo foi encontrado na costa do Ceará, a uma profundidade aproximada de 4 metros. Desde então, o peixe tem se adaptado e, atualmente, já foi localizado em 8 estados brasileiros: Amapá, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará,  Rio Grande do Norte e Pernambuco. No dia 2 de abril, foi também encontrado em praias da Paraíba.

Desde sua primeira aparição até o momento foram encontrados mais de 300 indivíduos na costa brasileira. É impossível, porém, determinar com exatidão a população existente. “Há pesquisas tentando fazer o levantamento da quantidade de indivíduos que estão na costa, mas é praticamente impossível”, afirma Vidal Haddad Júnior, docente da Faculdade de Medicina da Unesp, câmpus Botucatu.

Haddad conduz pesquisas sobre acidentes com peixes venenosos e peçonhentos há 30 anos. “Existem muitos peixes venenosos, mas havia pouco conhecimento sobre envenenamentos por peixes quando comecei a estudar esses temas”, lembra. “Havia conhecimento sobre cobras, aranhas e escorpiões, mas não sobre peixes”. Motivado por essa lacuna, Haddad se especializou no tema. Em 2015, o docente publicou um artigo no qual descreve 15 acidentes causados por peixes-leão, todos no Brasil. “Na época o animal ainda não estava presente nas costas, mas sim em aquários”, diz. Ele ressalta que as invasões biológicas são causadas por ações antrópicas, isto é, de origem humana. “O peixe não veio sozinho do Indo-Pacífico, nós o trouxemos”, diz.

O peixe é considerado uma ameaça aos ecossistemas marinhos porque, além de apresentar alta capacidade de adaptação, não possui predadores naturais e se reproduz rapidamente. “Acreditamos que ele terminará por colonizar todo o litoral brasileiro”, diz Haddad Júnior. “É um carnívoro voraz, que  pode se alimentar com quantidades equivalentes ao próprio peso em apenas um dia.” Também é uma vantagem importante o fato de que não possui um predador natural nestas águas. “A presença do peixe-leão pode alterar o ecossistema do litoral brasileiro”, avalia.

Um indicativo da capacidade de adaptação é o tamanho dos indivíduos encontrados. Segundo Marcelo Soares, pesquisador do Instituto de Ciências do Mar (Labomar), da Universidade Federal do Ceará (UFC), os primeiros animais registrados tinham por volta de 14 cm e não se reproduziam. Agora, já é possível encontrar peixes com até 35 cm, além de fêmeas ovadas. “Eles estão se reproduzindo rapidamente e crescendo, logo também estão comendo”, diz.

Ainda não se sabe, exatamente, como o peixe-leão está se adaptando ao ambiente do Atlântico Sul. Isso dificulta avaliar os riscos exatos que a espécie apresenta para os ecossistemas marinhos. Uma das incógnitas passa pela alimentação: ainda não foi possível mapear quais espécies estão sendo predadas por ele. Análises estimam em aproximadamente 20 o total de espécies de peixes nativos potencialmente vulneráveis ao peixe-leão. Essa perspectiva implica a existência de risco de funções e serviços ecossistêmicos como a conservação de espécies ou a proteção da linha de costa, o que pode desestruturar os ecossistemas.

Outra preocupação apontada por Soares é a eventual presença desses peixes em estuários. Estuários são ambientes de transição entre o rio e o mar, que abrigam ecossistemas complexos como os manguezais, conhecidos como berçários para a vida marinha. Até então, o monitoramento da difusão da espécie não havia observado sua presença nesses ambientes. “Ao contrário do Caribe, nós temos muitos estuários. Mas, também acreditamos que sua presença esteja relacionada às marés. No Caribe não há grandes marés. Já nas costas norte e nordeste do Brasil, elas chegam a variar entre 4 e 8 metros. Pela observação das espécies nativas, sabe-se que essas variações terminam por levar os animais para dentro dos estuários”, explica.

O “irmão” menos venenoso

Além de um predador voraz, o peixe-leão também possui espinhos venenosos, que causam inflamações em animais e humanos. Ele faz parte da mesma família do peixe-pedra e do peixe-escorpião, ambos os “parentes” são espécies mais venenosas, sendo que a primeira é a única espécie de peixe conhecida por matar um humano por envenenamento.

Peixe-leão. Crédito: Vidal Haddad Júnior.

O veneno do Pterois volitans é defensivo, ou seja, ele não é forte o suficiente para matar, mas sim, para espantar potenciais predadores. A substância é classificada entre os dermatonecróticos, que são capazes de causar a necrose na região em que foi inoculada, embora isso não ocorra em todos os casos. Os sintomas sempre presentes são vermelhidão, inchaço e “uma dor lancinante”, relata Haddad Júnior. O pesquisador destaca que a melhor maneira para reduzir a dor é colocar a região que foi afetada em água quente, entre 30 e 90 minutos. “Esse é um veneno vasoconstritor, ou seja, ele limita a quantidade de sangue que chega à região iniciando o processo de necrose. Ao colocar a mão, ou o pé, na água quente os vasos sanguíneos são dilatados e você restabelece a circulação no local. A dor também diminui, mas, no momento em que você tirar a mão da água, ela irá voltar”, explica.

Até o momento não há estimativa de quantos acidentes foram ocasionados por peixes-leão na costa. As populações mais vulneráveis são pescadores e mergulhadores que, ao serem atraídos pela beleza singular do peixe, tocam inadvertidamente nos seus espinhos. O primeiro registro de um acidente no Brasil ocorreu em 25 de abril no Ceará, quando um pescador pisou em um indivíduo.

Embora seja importante alertar a população sobre como proceder em casos de acidentes, Haddad Júnior diz que os maiores danos que a espécie invasora pode causar dizem respeito ao equilíbrio do meio ambiente marinho, não às pessoas. Uma das consequências deste equilíbrio pode ser, no futuro, dificuldades para que pescadores possam exercer suas atividades normalmente.

Uma vez que o peixe-leão se alimenta de espécimes nativos, ele automaticamente passa a competir por alimento com os pescadores. Só que ele tem a vantagem de ser mais eficiente na caça. Soares diz que, em longo prazo, isso pode afetar os estoques de peixe e o acesso de pescadores a espécies utilizadas para comércio e alimentação. “A presença do peixe-leão é um risco para a questão pesqueira e para a segurança alimentar das comunidades. Nós ainda estamos estudando esse risco, mas sabemos que ele é alto”, diz. Soares também lembra que, no Brasil, pescadores são comunidades socioeconomicamente vulneráveis, o que agrava o perigo da falta de peixes e, também, a falta de acesso a equipamentos de segurança durante as incursões ao mar.

Desacelerando a invasão

O principal mecanismo para o controle da invasão é a pesca e caça do peixe-leão. Com esse foco, Marcelo Soares criou uma rede congregando universidades e institutos de ensino e pesquisa das regiões Norte e Nordeste para compartilhamento de informações sobre avistamentos de indivíduos. A rede também mantém contato com ONGs, associações de pescadores e operadoras de mergulho, para difundir orientações sobre os procedimentos em caso de avistamento. Soares diz que não é mais possível pensar em expulsar a espécie da costa brasileira. O que se pode é buscar controlar a velocidade de seu avanço para evitar que ele chegue a regiões mais vulneráveis, como é o caso da Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais, em Pernambuco. Caso um peixe-leão seja capturado é necessário contactar o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade e as autoridades locais.

Soares diz que para lidar com o avanço da espécie é necessário um trabalho coordenado entre governos, universidades, ONGs e demais instituições associadas ao meio ambiente. Mas, embora a rede que ele articulou esteja ativa, os envolvidos enfrentam limitações devido à falta de recursos, o que impede tanto a pesquisa como a realização de campanhas de educação ambiental e saúde junto às comunidades. Ele também chama atenção para a falta de encaminhamentos centralizados por parte do Governo Federal, o que impede a adoção de ações mais efetivas em nível nacional. “Estamos enfrentando uma questão muito séria. É necessário um trabalho forte de educação e conscientização que, a priori, deveria ser articulado pelo Ibama, pelo Ministério do Meio Ambiente e pelo Ministério da Pesca e Aquicultura, junto aos municípios, estados e universidades. Isso não ocorre”, diz.

Foto acima: Vidal Haddad Júnior.