Programa de saúde bucal infantil da Unesp em parceria com prefeituras já beneficiou mais de 70 cidades de SP e do Brasil

Baseado nas diretrizes da Estratégia Saúde da Família e nos princípios do SUS, projeto Sorriso Feliz proporciona formação a educadores e pais para iniciarem cuidados com dentes e gengiva desde o berçário

No ano passado, mesmo sob as restrições impostas pela pandemia de covid-19, os educadores dos 14 Centros de Convivência Infantil (CCIs) mantidos pela Unesp nos câmpus universitários foram chamados para participar de encontros online sobre a importância de se iniciar os cuidados com a saúde bucal desde o berço, um tipo de sensibilização realizada também com os pais das crianças matriculadas na maioria dos CCIs da Unesp. Por trás da iniciativa, está uma preocupação crescente com uma área negligenciada pela maioria da população: a saúde bucal na primeiríssima infância, que compreende as crianças de 0 a 3 anos.

Foi por meio desta fresta que nasceu, no âmbito da Faculdade de Odontologia do câmpus de Araçatuba (FOA), o Sorriso Feliz, projeto educacional de saúde bucal destinado à primeiríssima e à primeira infância. Baseado nas diretrizes da Estratégia Saúde da Família e nos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), o projeto nasceu há uma década, consolidou metodologia própria e acumulou experiências exitosas de extensão universitária em diversas cidades brasileiras. Em 2021, com o apoio da Reitoria, começou a ser estruturado para apoiar, nos municípios paulistas, políticas públicas também voltadas à primeiríssima infância.

Além da formação de profissionais da área de educação infantil, e também de sensibilizar os pais para a necessidade de engajamento da família nas questões relacionados à higiene da boca da criança, durante a pandemia foram distribuídos cerca de 130 mil kits de saúde bucal em escolas de educação infantil, ação financiada por uma empresa parceira. “Diante da situação de pandemia, quando todo mundo achava que o projeto seria interrompido, adaptamos a metodologia ao modelo virtual e construímos uma rede de solidariedade entre nossa faculdade, os CCIs e escolas de diversos municípios. Tivemos uma ação criativa e com sensibilidade para a inclusão de crianças e educadores das redes que estão participando”, destaca o professor Wilson Galhego Garcia, da FOA-Unesp, idealizador do Sorriso Feliz. “É importante destacar que esta é uma política de inclusão voltada a populações. Ou seja, não se trata de um atendimento individual, de paciente a paciente na cadeira, como é feito comumente na odontologia. Fazemos algo simples, que atende ao coletivo e é facilmente replicável”, diz o docente.

Um exemplo do que diz o idealizador do projeto ocorreu no segundo semestre do ano passado em Araçatuba, cidade-mãe do Sorriso Feliz. Foi realizada uma experiência-piloto em parceria com a prefeitura local (projeto “Seu melhor Sorriso”), na qual a metodologia do projeto foi aplicada para o diagnóstico local dos problemas de saúde bucal infantil, identificando casos prioritários para atendimento na rede pública de saúde. Foram realizadas 689 avaliações odontológicas de crianças, com idades que variaram de 4 meses a 5 anos e 11 meses, matriculadas em cinco escolas de educação infantil de um bairro populoso de Araçatuba, todas referenciadas para a mesma Unidade Básica de Saúde (UBS).

A equipe na linha de frente do projeto, formada por quatro dentistas da rede pública municipal e 20 estudantes de graduação da FOA-Unesp, foi orientada pela Secretaria de Estado da Saúde quanto aos critérios para o lançamento dos casos avaliados no sistema de classificação de risco e organização da demanda, que segue as diretrizes da política estadual de saúde bucal da pasta. Os resultados finais apontaram que 4 em 10 crianças avaliadas  (41,7% do total) tinham sinais de cárie, seja em estágio inicial ou mais avançado. A meta definida pelo projeto é reduzir o índice de cárie para 10% até 2025.

“A cárie considerada foi desde a mancha branca (estágio inicial), que pode ser revertida se a criança passar a escovar os dentes”, afirma a professora Alessandra Marcondes Aranega, da FOA-Unesp, uma das responsáveis na Unesp pelo projeto-piloto, cujo relatório final deve ser entregue neste mês. “As experiências na primeira infância têm efeitos duradouros. Assim como moedinhas depositadas em um cofrinho para o futuro, escovar os dentes na infância é investir em um crescimento com boa saúde bucal e geral, a fim de que haja adequado desenvolvimento infantil”, diz Alessandra.

Com base nas experiências extraídas das incursões de docentes e alunos da Unesp nas cidades parceiras do projeto, o Sorriso Feliz trabalha na conscientização de que o uso de gaze ou fralda enrolada no dedo indicador, embebida em água filtrada, além de auxiliar na criação de hábito de limpeza da boca, adapta a criança para a introdução de técnicas de escovação. “Essa limpeza assistida na boca da criança desde o berçário, antes mesmo de erupcionar o primeiro dente decíduo, vai ajudar na educação da criança e na incorporação da higienização da boca como um hábito. Daí a importância do envolvimento dos educadores e da família”, diz a docente.

Atendimento de criança por graduandos da Unesp no âmbito do projeto Sorriso Feliz

Inspiração vem de experiências no Brasil e no exterior
Desde o início de suas atividades, o Sorriso Feliz já atendeu escolas e creches de 67 cidades de São Paulo, além de experiências no Piauí (através do Projeto Rondon) e de participações no Distrito Federal, Roraima e Rio Grande do Norte. Foi graças a esse alcance que o projeto chegou ao conhecimento do professor Valdir Paixão, hoje assessor de gabinete do reitor Pasqual Barretti e um dos responsáveis por fazer a ponte do projeto com os 14 Centros de Convivência Infantil (CCIs) da Unesp.

“Meu primeiro contato com o Sorriso Feliz foi em 2020, quando eu era secretário municipal de educação em Botucatu. O professor Wilson (Galhego) e a professora Alessandra Aranega entraram em contato comigo para tratar da possibilidade de implantá-lo nas escolas de educação infantil da cidade. Mobilizamos professores, secretários e diretores municipais de educação de toda a região e tivemos uma primeira reunião. Este contato inicial foi tão bem-sucedido que a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), que tem um polo em Botucatu, abraçou a ideia e articulou para que mobilizássemos toda a região”, relembra Valdir.

A inspiração do professor Wilson Galhego para o projeto surgiu por meio de experiências pessoais anteriores, no Brasil e no exterior, estudando a aplicação de programas voltados à saúde pública no Canadá, na Europa e na África. Ao longo de sua trajetória, o docente teve contato com Zilda Arns, fundadora da Pastoral da Criança, e Barbara Starfield, pediatra americana cuja pesquisa é referência para a Estratégia Saúde da Família, que norteou as diretrizes do Sorriso Feliz.

As primeiras ações do projeto ocorreram em 2012, na disciplina de “Projetos Especiais” do curso de Odontologia da FOA. O Sorriso Feliz foi implantado em creches e escolas da região de Araçatuba, em um universo de cerca de 20 cidades nos primeiros anos. A possibilidade de aplicação multicêntrica é viável pelo fato de não ser necessário um acompanhamento contínuo: crianças, pais e professores de cada localidade são matriciados para dar continuidade ao processo no dia a dia, tanto na escola quanto em casa. Depois de um período a distância, com canais para contato sempre abertos, há o retorno de professores e estudantes unespianos para avaliar os resultados do projeto.

“Entre janeiro e fevereiro de 2019, estivemos em Nossa Senhora de Nazaré, no Piauí. Fomos selecionados pelo Projeto Rondon, que é realizado pelo Ministério da Defesa, pois nossa proposta se encaixava nas características de ter um foco educativo, instrutivo e preventivo em saúde pública coletiva”, conta o pós-graduando Luy de Abreu Costa, ex-aluno do professor Wilson Galhego que participou do projeto durante sua graduação em odontologia e hoje está no Programa de Pós-Graduação em Clínica Integrada da FOA.

“Após capacitarmos dentistas, professores, agentes comunitários e secretários de saúde e educação, passamos para a abordagem com as crianças, que ocorreram através de palestras e atividades práticas para ensinarmos a escovação dos dentes, além da higienização bucal de recém-nascidos. É importante ressaltar que levamos kits de higiene bucal para todas as crianças. Então elas participavam das ‘aulas’ com material adequado. Os resultados foram muito proveitosos: até hoje eles continuam reproduzindo o que ensinamos. Os profissionais dizem que as crianças adoram e que esses hábitos se tornaram naturais na rotina delas, o que era exatamente nosso objetivo”, diz Luy.

Expansão orgânica

Por meio da iniciativa dos próprios alunos da FOA, em virtude da grande interiorização da Unesp, a expansão do Sorriso Feliz ocorreu de forma orgânica no estado de São Paulo. O caso da graduanda em Odontologia Beatriz Sartori ilustra esta dinâmica. “Conheci o Sorriso Feliz na disciplina do professor Wilson, fiquei interessada e pensei em levar o projeto para a minha cidade, Dracena. Apresentamos a ideia ao prefeito, às secretárias de saúde e de educação e ao coordenador de saúde bucal do município, que aprovaram e apoiaram a implantação”, conta. “Distribuímos 4.100 kits às crianças da primeiríssima e da primeira infância e, com o apoio da FOA, fizemos a capacitação dos profissionais de educação da cidade. Apresentamos, também, os conhecimentos e cuidados sobre saúde bucal às crianças e seus familiares”, detalha Beatriz.

Dentro da Unesp, além do respaldo da administração central, o trabalho com os CCIs teve o incentivo do diretor da FOA-Unesp, Glauco Issamu Myahara, e do vice-diretor Alberto Carlos Botazzo Delbem, mobilizando muitos docentes. Nas unidades de Araraquara e São José dos Campos, houve colaboração das docentes Ticiana Sidorenko de Oliveira Capote e Letícia Vargas Freire M. Lemos, das respectivas Faculdades de Odontologia; já em Bauru, o grupo do Sorriso Feliz teve o reforço da pedagoga Maria do Carmo Monteiro Kobayashi, da Faculdade de Ciências. Em maio do ano passado, a aula inaugural do projeto no CCI do câmpus de Botucatu contou com a participação da docente Alice Yamashita Prearo, da Faculdade de Medicina, e do reitor Pasqual Barretti.

“Além de mostrar o apoio da Reitoria, quis ressaltar a relevância do projeto. Então, não foi somente pelo apreço que temos pelos CCIs, mas também pelo projeto como um todo. A Faculdade de Odontologia de Araçatuba está de parabéns. O envolvimento dos docentes é algo que enche os olhos”, relatou o reitor.

Na foto acima, crianças são atendidas no projeto de saúde bucal realizado em escola municipal de Araçatuba – Divulgação/Sorriso Feliz