Na semana em que o Brasil alcançou a desoladora marca dos 500 mil mortos pela Covid-19, após uma seqüência surreal de eventos de desinformação científica produzida ao longo dos 15 primeiros meses da pandemia no país, o físico, professor e pesquisador Marcelo Knobel, de 52 anos, tornou-se o primeiro brasileiro a integrar o Conselho Deliberativo do Observatório Magna Charta Universitatum (MCU), um organismo internacional que zela pelos valores científicos e humanísticos das universidades mundo afora.
Ganhador da edição de 2019 do Prêmio José Reis de Divulgação Científica, ofertado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Knobel firmou-se na última década como um dos mais respeitados divulgadores de ciência no Brasil. Neste semestre, pouco antes de deixar a posição de reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), lançou “A Ilusão da Lua – Ideias para decifrar o mundo por meio da ciência e combater o negacionismo” (Editora Contexto), uma reunião de textos de sua autoria em que busca traduzir para o grande público a dinâmica da ciência e do método científico.
No texto de abertura, que dá nome ao livro, arrisca-se a explicar por que o satélite natural do planeta Terra, aos olhos humanos, parece maior quando está próximo da linha do horizonte. O fenômeno é uma ilusão de ótica para a qual já foram propostas pelo menos oito explicações teóricas diferentes. Apaixonado por esse debate, Knobel deixa claro qual é a teoria que considera mais amparada pelas evidências, mas ao mesmo tempo informa ao leitor que existem outras linhas de explicação. “Os divulgadores da ciência devem manter sempre uma atitude aberta, evitar de qualquer maneira a arrogância e, na minha visão, trabalhar na promoção de um pensamento crítico”, pondera Knobel. “É mostrar os lados positivos, mostrar os lados negativos. Claramente, a ciência está longe de ser perfeita, mas é a melhor maneira de ver o mundo que nós já conseguimos construir como Humanidade”.
Knobel também foi o primeiro diretor do Museu Exploratório de Ciências da Unicamp, e em 2010 recebeu a comenda da Ordem Nacional do Mérito Científico. No primeiro semestre de 2020, já com a pandemia grassando, passou a se dedicar também a um canal no YouTube onde semanalmente posta conversas que valorizam trajetórias de vida relacionadas à educação e à ciência. Ele explica que a iniciativa se insere numa busca de aproximação da academia com a sociedade. “Do ponto de vista institucional, ainda temos um aprendizado a fazer. As universidades precisam encontrar este caminho da comunicação, talvez com uma linguagem mais adequada para encontrar o público. A gente está começando a acordar, mas ainda precisamos avançar muito para que as pessoas saibam para que servem as universidades públicas, as pesquisas, os recursos investidos e o que fazemos como professores e pesquisadores dentro desses locais”.
Apesar da explosão da divulgação científica ocorrida nos últimos anos – e sem dúvida a pandemia só aumentou a busca pelas palavras dos especialistas e pesquisadores – têm crescido, igualmente, o negacionismo e a crítica infundada, dos quais talvez o problema da rejeição às vacinas tenha sido o mais dramático exemplo recente. Para o físico, esses embates não se devem à falta de informação disponível. “As pesquisas e os estudos nessa área têm mostrado, cada vez mais, que na verdade não é uma questão de ignorância. É uma questão mais de ideologia e de crença do que de entendimento. Costumo brincar e dizer que eu torço para o Guarani e que para mim é o melhor time do mundo. Se as evidências não mostram isso, não estou nem aí. Eu não quero acreditar em outra evidência porque o meu time para mim é o que vale. É uma questão de crença”, diz. Num contexto assim, aos divulgadores da ciência e cientistas cabe a promoção do pensamento crítico, para que as pessoas possam tomar decisões por si mesmas.
Não é que as pessoas não entendem o que dizem os cientistas; elas não gostam daquilo que é evidente e vai contra as suas crenças mais enraizadas.
No segundo semestre, Knobel irá lançar um livro sobre educação superior, com base em textos que escreveu sobre liderança e autonomia universitária, entre outros temas, e dará início à atuação no conselho do Observatório Magna Charta Universitatum. Em fevereiro, a entidade fez um alerta sobre a violação da autonomia universitária na Turquia, o que gerou comparação com interferências que vêm ocorrendo em universidades federais brasileiras.
“A autonomia e a liberdade de cátedra são pilares das universidades. Na Turquia, na Hungria, em alguns lugares, têm acontecido situações muito preocupantes, com professores expulsos ou presos pelo que falaram… Quando acontecem situações dessas, naturalmente, a comunidade internacional se mobiliza. A universidade é uma instituição milenar que tem como valor principal a autonomia, porque sem essa autonomia ela não pode exercer as suas funções de maneira adequada. Defender a autonomia universitária é a defesa da própria Constituição (brasileira).”
Foto: Antônio Scarpinetti / UNICAMP