Dor e desalento

Temos, hoje, o pior Presidente desde a Redemocratização, exatamente quando enfrentamos uma pandemia

Não existe retórica suficiente que dê conta de acolher as vítimas das 500 mil mortes pela COVID-19. Este fato imperdoável acontece exatamente no Brasil, um país que sempre foi referência internacional em vacinação, haja vista o seu Programa Nacional de Imunizações. Fica patente hoje que uma ação eficaz e coordenada na compra e distribuição de vacinas, ao invés da aposta tresloucada do Governo Federal na imunidade de rebanho e em tratamentos ineficazes – além da recusa da compra de vacinas – poderia ter salvo muitas vidas.

Jair Bolsonaro talvez seja o presidente mais coerente, na comparação com o que era antes de assumir a cadeira do Palácio do Planalto. O negacionismo à ciência e o apego a remédios ineficazes já se mostravam quando, em 2016, à época deputado pelo PP, foi um dos autores do projeto de lei para o uso da fosfoetanolamina sintética como cura para o câncer – o composto prometia uma falsa cura para todos os cânceres e gerou um furor popular muito parecido com a hidroxicloroquina, ou com as drogas que compõem o tratamento precoce preconizado pelo chefe do Executivo.

A exaltação ao coronel Brilhante Ustra, um reconhecido torturador do regime militar, já era pública antes da eleição ocorrida em 2018. Os discursos de ódio envolvendo as mulheres e a comunidade LGBTQIA+ sempre foram feitos aos quatro ventos. Não é possível, portanto, alegar desconhecimento para o que está posto aí na Presidência: temos, hoje, o pior Presidente desde a Redemocratização, exatamente quando enfrentamos uma pandemia.

A inépcia do governo federal explica boa parte da catástrofe em que nos encontramos agora

O enfrentamento à pandemia não é algo simples. Mas, tão óbvio quanto a necessidade de ter ações sérias respaldadas pela ciência, é o fato de não precisarmos de pessoas atuando de maneira orquestrada contra as vacinas e as medidas sanitárias, como o distanciamento social ou o uso de máscaras. Neste caso, parece que o chamado princípio da navalha de Hanlon, “nunca atribua à malícia aquilo que pode ser adequadamente explicado pela burrice”, não se aplica, e o Brasil torna-se palco de uma política nefasta que atende aos impropérios de um ser mal-intencionado.

Com apenas 11% da população vacinados com a segunda dose e o surgimento de novas variantes, é possível que estejamos muito longe da solução do problema da pandemia no Brasil. É preciso, sobretudo, acelerar a aplicação de vacinas, juntamente com estratégias eficazes de testagem, monitoramento e de conscientização da população sobre a necessidade de atitudes sociais que diminuam a probabilidade de contágio.

A História certamente se lembrará desta tragédia sanitária que, até agora, marcou e ceifou tantas vidas. É fundamental que, em meio a tanta dor e desalento, possamos nos unir na construção de um projeto democrático e republicano, que resgate nossa cidadania e que, acima de tudo, respeite a vida.

Acima, imagem exibida no site e nas redes da Unesp no dia 19/06/21 em homenagem aos 500 mil mortos pela pandemia de Covid-19 no Brasil.