Uma vida dedicada à educação matemática, com um olhar especial para os excluídos

Morre aos 88 anos Ubiratan D'Ambrosio, pioneiro da etnomatemática e um dos mais respeitados pensadores do ensino da matemática, ainda ativo na orientação de pós-graduandos no câmpus de Rio Claro

O matemático e professor universitário brasileiro Ubiratan D’Ambrosio, de 88 anos, morreu na manhã de ontem, quarta-feira, 12 de maio, em um hospital da capital paulista, informou a família. A causa oficial da morte não foi divulgada, mas não teve relação com a Covid-19.

Um dos mais respeitados pensadores do ensino da matemática, reconhecido internacionalmente e referência para a formação de professores de ciências e de matemática no país, Ubiratan D’Ambrosio era docente do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática do Instituto de Geociências e Ciências Exatas (IGCE) da Unesp, localizado no câmpus de Rio Claro, e professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Autor de diversos livros, seguiu lecionando e orientando pós-graduandos até as últimas semanas de vida, apesar da idade avançada. “Semanas atrás, fui membro de uma banca no IGCE de um aluno orientado por ele. Deixou muitos e muitos alunos orientados”, afirma Sergio Roberto Nobre, professor titular do Departamento de Matemática do IGCE-Unesp, orientado em seu mestrado, nos anos 1980, por Ubiratan D’Ambrosio. “Depois do mestrado, fui fazer doutorado na Universidade de Leipzig, na Alemanha, após ser incentivado por ele, que tinha um parceiro na antiga Alemanha Oriental”, conta Nobre, doutor em História da Matemática, uma das áreas em que D’Ambrosio tinha atuação de destaque.

Em 2001, em razão de suas contribuições nessa área, Ubiratan D’Ambrosio recebeu o Prêmio Kenneth O. May da Comissão Internacional de História da Matemática. Quatro anos mais tarde, em 2005, foi reconhecido por seus trabalhos no campo da educação matemática com a medalha Felix Klein, distinção da Comissão Internacional de Instrução Matemática.

O professor Sergio Nobre, que foi vice-reitor da Unesp de 2017 até janeiro deste ano, deu a seguinte declaração.

De maneira geral, a importância dele para a educação matemática é fantástica. Para mim, em particular, foi um paizão. Guiou tudo o que fiz na vida acadêmica.

Pioneirismo

Nascido em 8 de dezembro de 1932 na capital paulista, Ubiratan D’Ambrosio graduou-se em Matemática pela USP (1954) e fez doutorado em Matemática pela mesma universidade (1963). No final dos anos 1950, foi professor da primeira turma da instituição que originou o câmpus de Rio Claro da Unesp, a antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro.

Após um período estudando fora do Brasil, retornou ao país a convite do médico Zeferino Vaz para ajudar a implantar o curso de Matemática da então recém-criada Unicamp. Foi diretor do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica da Unicamp de 1972 a 1980 e, nos dois anos seguintes, foi chefe da Unidade de Melhoramento de Sistemas Educativos da Organização de Estados Americanos (OEA). Em 1984, contribuiu para o surgimento do mestrado em Educação Matemática no IGCE-Unesp.

Em seus escritos sobre o ensino da matemática, aproximou-se do pensamento do educador e filósofo Paulo Freire (1921-1997), em especial no desenvolvimento do conceito da etnomatemática, como mostra o video a seguir do diálogo entre eles.

Criada com base em críticas sociais a respeito do ensino tradicional da matemática e levando em consideração as práticas matemáticas em seus diferentes contextos socioculturais, a etnomatemática de Ubiratan D’Ambrosio dialoga, de certa forma, com as teorias de Paulo Freire, como indica uma fala do docente durante um congresso sobre a temática organizado na Faculdade de Educação da USP, transcrita a seguir.

O processo de descolonização, que se manifesta na adoção de uma bandeira, um hino, uma Constituição, é incompleto se não reconhecer as raízes culturais do colonizado. A etnomatemática se encaixa nessa reflexão sobre a descolonização e a verdadeira abertura de possibilidades de acesso para o subordinado, para o marginalizado e para o excluído. A estratégia mais promissora para a educação nas sociedades em transição da subordinação para a autonomia é restaurar a dignidade de seus indivíduos, reconhecendo e respeitando suas raízes. Essa é, no meu pensar, a vertente mais importante da etnomatemática.

Pacifismo

Outro ponto de destaque em suas falas era a defesa da cultura de paz, atrelando-a ao universo educacional, sendo que o traço “pacifista” de sua trajetória não ficou limitado apenas a seus discursos. Ubiratan D’Ambrosio foi membro do conselho da Pugwash Conferences on Science and World Affairs, uma organização internacional criada em 1957, durante a Guerra Fria, com princípios desarmamentistas e a finalidade de reduzir a ameaça global de conflitos nucleares. A “Pugwash” foi fundada pelo físico de origem polonesa Józef Rotblat (1908-2005) e pelo filósofo e matemático Bertrand Russell (1872-1970), ambos britânicos, e reuniu diversos cientistas mundo afora. O ativismo de Rotblat e da organização foi premiado com o Nobel da Paz em 1995.

Sobre a importância da paz para a educação e a responsabilidade do educador, em particular do educador matemático, na busca de paz para a humanidade, Ubiratan D’Ambrosio escreveu no resumo de um de seus artigos, publicado em 2001:

Muitos perguntam ‘mas o que tem a ver Educação Matemática com Paz?’ Procuro mostrar que tem tudo a ver, relacionando matemática com paz e chego à proposta da etnomatemática como um caminho para preservar a diversidade e eliminar a desigualdade discriminatória, dando assim origem a uma nova organização da sociedade.

Na imagem no alto, o matemático Ubiratan D’Ambrosio (1932-2021), professor da Unesp em Rio Claro, reconhecido mundialmente por seus estudos nas áreas de ensino e de etnomatemática. Imagem captada de vídeo do canal History of Science no YouTube

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