Na Unesp, a construção da equidade de gênero inclui conscientização, acolhimento, apoio e luta contra discriminação

A denúncia e o combate à violência contra a mulher, homofobia, racismo e assédio são temas emergentes na sociedade, e a academia também está se mobilizando para enfrentá-los. Conheça políticas e projetos que nossa universidade desenvolve voltados às necessidades das mulheres que integram o espaço acadêmico.

Nos últimos anos, a Unesp tem se mobilizado na criação de medidas que acompanhem algumas demandas sociais urgentes, como o combate ao racismo e ao sexismo. Com o objetivo de estabelecer diálogos com todos os setores da comunidade acadêmica, a vice-reitoria instalou, em 2021, a Coordenadoria de Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade (Caadi), para discutir e propor ações para combater todas as formas de discriminação.

Dentro da coordenadoria, foi instituído o Grupo de Trabalho (GT) Unesp Mulheres como uma frente destinada a ensejar ações afirmativas que assegurem equidade de gênero entre homens e mulheres no âmbito da universidade.

“Trata-se de uma preocupação mundial, tanto que a igualdade de gênero está relacionada como um dos Objetivos de Desenvolvimento Social da ONU. A sociedade está olhando para esse problema, e a universidade também. Mas, destaco que, pelo fato de possuirmos uma vice-reitora e diversas pró-reitoras, esta gestão tem lançado um olhar mais cuidadoso sobre a questão da desigualdade entre homens e mulheres”, conta Ana Maria Klein, professora do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, do câmpus de São José do Rio Preto, e do programa de pós-graduação Multidisciplinar Interunidades, que é integrante do GT Unesp Mulheres e da Caadi. 

O GT Unesp Mulheres reúne integrantes oriundas de todos os segmentos da comunidade acadêmica. Isso assegura uma grande diversidade de perfis de mulheres, dotadas de pontos de vista diferentes e saberes que se complementam e proporcionam uma visão bastante ampla das circunstâncias que elas enfrentam no dia a dia acadêmico. Algumas das demandas surgem das reuniões do GT; outras vêm da escuta ativa em sala de aula, como aponta Ana Maria Klein.  Em 2021, a Caadi realizou o Censo Diversidades para conhecer a comunidade unespiana e pensar políticas com recortes étnico-raciais, de gênero, orientação sexual e destinadas também a pessoas com deficiências. Consequentemente, os resultados do levantamento também se tornaram um instrumento importante para as reflexões do GT.

Ultimamente, o grupo vem se debruçando sobre a questão da licença-maternidade para as alunas. Sobretudo para as alunas da pós-graduação que, assim como as professoras, precisam comprovar uma produção acadêmica substancial, o que é incompatível com os cuidados de crianças pequenas. “Já discutimos bastante o tema e fizemos uma minuta de instrução normativa. Os critérios não podem ser os mesmos para homens e mulheres nesse caso”, argumenta Ana Klein.

O GT faz parte de um projeto maior, intitulado também Unesp Mulheres. Esse projeto se insere na política de construção de uma universidade mais inclusiva e se soma à portaria 68, de 2022, que estabeleceu a Política Educativa de Enfrentamento ao Assédio e Violência. Segundo o texto que descreve a política, a iniciativa visa lidar com “assédio moral, assédio sexual, importunação sexual, formas de discriminações e preconceitos”, e estabelece “ações de caráter educativo voltadas ao enfrentamento, da prática de assédio moral, assédio sexual, importunação sexual e formas de discriminações e preconceitos”.

Com a ideia de disseminar informações sobre temas como a saúde da mulher, o enfrentamento ao assédio, a violência de gênero e a pobreza menstrual, além de se somar ao trabalho de outros grupos que já pensavam a temática da desigualdade de gênero no contexto universitário, o Unesp Mulheres criou o aplicativo de mesmo nome, que está disponível para Android e iOS.

Tecnologia a favor da igualdade

O app Unesp Mulheres foi desenvolvido exclusivamente por mulheres, sob liderança da professora Ana Sílvia Ferreira, do Núcleo de Educação a Distância e Tecnologias da Informação em Saúde (Nead.Tis), da Faculdade de Medicina do câmpus de Botucatu. Como um dos projetos idealizados pelo Unesp Mulheres, o aplicativo visa reunir em um único local todas as informações que possam auxiliar as mulheres vítimas de assédio e de diversos tipos de violência, incluindo racismo e capacitismo.

“Consolidamos todas as informações que estão disponíveis em várias páginas da Unesp e endereços importantes, como os de hospitais, Caps e delegacias para facilitar a vida das mulheres que tenham passado por algum episódio de violência”, explica Ferreira. Ela acrescenta que o caráter informativo do app também possibilitou a inserção de outros temas, como saúde e bem-estar.

O programa contempla uma aba “Aprendendo sobre diversidade”, que conceitua racismo, capacitismo, assédio sexual, assédio sexista e assédio por opção sexual, apontando comportamentos que caracterizam cada uma dessas agressões e as leis que protegem as vítimas.

Quando diferença biológica exclui

“Precariedade menstrual” é outra frente de trabalho do projeto Unesp Mulheres. Para quem tem acesso a informações e itens de higiene pessoal, pode parecer muito distante a realidade de mulheres que não dispõem do básico para poder menstruar em paz. Como explicou uma das líderes dessa frente, Bárbara Lopez, médica da Coordenadoria de Saúde e Segurança do Trabalhador (CSST), “as meninas quando carecem de absorventes podem recorrer a panos velhos, jornal, papel higiênico ou, até mesmo, miolo de pão para conter o fluxo. Isso pode resultar em uma série de alergias, infecções urogenitais e, em casos extremos, pode levar à morte com a síndrome do choque tóxico”.

O problema da pobreza menstrual envolve, inclusive, questões de infraestrutura, tais como a falta de acesso a banheiros seguros, ou a saneamento básico, mas também está relacionado ao desconhecimento do próprio corpo e do funcionamento do ciclo menstrual, e à falta de informação sobre gravidez.

Com a intenção de levar essas informações a mais mulheres, a discussão migrou para o aplicativo Unesp Mulheres e é um dos temas tratados na aba “Saúde e bem-estar”. O projeto já foi apresentado e bastante elogiado em diversas instâncias da universidade, como no Conselho de Administração e Desenvolvimento da Unesp (Cade) e, em breve, deve passar para outras fases, indo além do caráter apenas informativo.  

Acolher e dar voz

Em 2022, a atual gestão, através da Portaria nº 68, estabeleceu uma Política Educativa de Enfrentamento ao Assédio Moral, Sexual, Importunação Sexual, Formas de Discriminação e Preconceito. E a partir de um trabalho conjunto entre a Caadi e a Ouvidoria, instituiu-se a Comissão de Acolhimento a Vítimas de Violência para atender a comunidade acadêmica.

A ideia da comissão é acolher as vítimas em suas individualidades, o que a distingue do serviço prestado pela Ouvidoria, voltado sobretudo para o aspecto administrativo, desde a análise do caso até a apuração dos fatos e possíveis punições.

“Em um primeiro momento, perguntamos para a vítima de violência ‘do que você precisa, como podemos te ajudar’. Adotar uma abordagem impositiva, no estilo ‘você precisa fazer isso ou aquilo’, é um desserviço”, explica Claudia Maria de Lima, ouvidora-geral e professora do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas de São José do Rio Preto. À frente da Ouvidoria, Claudia Lima já havia criado um protocolo com procedimentos de acolhimento abordando aspectos psicossociais, pedagógicos, de saúde e orientações referentes à assistência social e jurídica que norteia o trabalho da comissão.

Em funcionamento desde o final do ano passado, a comissão de acolhimento destina-se a  mulheres e homens que sofreram qualquer tipo de violência, dentro ou fora da Unesp: todo o público que se relacione direta ou indiretamente com a instituição, passando por servidores docentes e técnicos, pessoal contratado por tempo determinado, estudantes, colaboradores voluntários, trabalhadores terceirizados ou membros da comunidade externa que participam de atividades relacionadas ao ensino, pesquisa e extensão universitária.

“A vítima está sempre em situação de vulnerabilidade, com medo de ser prejudicada, seja por uma nota, no caso da relação entre professor e aluno, ou por outras questões. Então, o acolhimento é para que essa pessoa possa reagir”, afirma. Para receber pedidos de acolhimento, a Comissão conta com o apoio das comissões locais de direitos humanos, da Ouvidoria e de prevenção à violência. Claudia Lima ainda reforça que o contato pode ser feito diretamente através do telefone (11) 5627-0495, WhatsApp (11) 99931-0252 ou e-mail comissaodeacolhimento@unesp.br.

Tão importante quanto a atuação direta dos órgãos de apoio às mulheres e das políticas de combate à discriminação é a mudança de mentalidade que está associada. “Quando olho para trás, percebo que, como professora, passei por diversas situações de assédio. Nem me dei conta, porque a gente não nomeava”, diz Ana Maria Klein. Ela destaca que o avanço das pesquisas conduzidas pelas novas teóricas do feminismo está formando um olhar diferenciado para estas questões. “Graças ao trabalho da universidade nas áreas de pesquisa, ensino e extensão, em combinação com a ação dos movimentos sociais, estamos formando gerações mais críticas e conscientes”, diz.

Imagem acima: ACI/Eliete Soares.