Nobel de Ciências Econômicas premia estudos sobre resistência do sistema bancário a crises financeiras

Trabalhos de Ben Bernanke, Douglas Diamond e Philip Dybyig investigaram as causas por trás de eventos como o Crash da Bolsa de 1929 e a Grande Depressão e propuseram mecanismos para aumentar a estabilidade dos bancos e evitar perda de credibilidade. Legado ajudou a estabilizar crises econômicas no século 21.

Os economistas Ben S. Bernanke (The Brookings Institution, EUA), Douglas W. Diamond (University of Chicago, EUA) e Philip H. Dybvig (Washington University, EUA) foram os ganhadores do Prêmio Nobel de Ciências Econômicas de 2022, por suas “pesquisas sobre bancos e crises financeiras”. A Academia Real das Ciências da Suécia fez o anúncio na manhã desta segunda-feira (10).

Os trabalhos de Bernanke, Diamond e Dybvig estão na origem da moderna pesquisa sobre bancos, a partir dos anos 1980. Eles propuseram questões como os meios para se criar um sistema bancário mais estável e a possibilidade de responder à falência de um banco com a criação imediata de outro, para acelerar a recuperação da economia. Segundo o Comitê do Prêmio de Ciências Econômicas, o trio foi responsável por aprofundar nosso conhecimento sobre o papel que os bancos desempenham na economia, em especial em tempos de crise financeira.

A crise de 1929, também conhecida como a Grande Depressão, varreu os Estados Unidos e impactou o desenvolvimento econômico e social de países no mundo inteiro. Ao longo de 10 anos (1929-1939) as taxas de desemprego aumentaram ao longo do globo, e os governos tiveram que se deparar com o encolhimento acelerado do PIB (Produto Interno Bruto), assim como dos índices de produção industrial, do preço das ações e de praticamente todos os indicadores de atividade econômica.

Nos Estados Unidos entre 1930 e 1933 a produção industrial caiu 46%, enquanto o desemprego aumentou 25%. Na Austrália o desemprego atingiu a marca de 29%, enquanto no Chile o índice chegou a 33%, entre 1929 e 1932. No Brasil, um dos principais impactos da crise foi a desvalorização do café, o principal produto de exportação da época, o que obrigou o governo brasileiro a comprar e queimar toneladas da mercadoria. Com essa medida, foi possível diminuir a oferta e manter o preço próximo do original.

Após a crise, a teoria mais popular era que a Grande Depressão poderia ter sido evitada se o banco central dos Estados Unidos tivesse imprimido mais dinheiro. Porém, o trabalho de Bernanke demonstrou que o principal motivo que levou ao histórico Crash na bolsa de Nova York e na economia foi a perda gradual da capacidade do sistema bancário de canalizar a poupança para investimentos produtivos. E uma das causas para a crise foram os “bank runs”, ou as corridas aos bancos, em que muitos clientes de uma instituição retiram seus depósitos devido à perda de confiança no sistema bancário e ao medo de perder o dinheiro.

“As pesquisas desses autores querem entender como manter a credibilidade de um sistema bancário  em um momento de risco sistêmico. Porque, se isso não for feito, há uma ampliação forte do risco para todo o sistema e, evidentemente, o sistema vai quebrar. Quando isso ocorre, o custo social é imenso”, comenta o professor Cláudio César de Paiva, do Departamento de Economia da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp, câmpus de Araraquara.

©Johan Jarnestad/The Royal Swedish Academy of Sciences

Confiança nos bancos como medida de prevenção a crises econômicas

Basicamente, o funcionamento dos bancos consiste em receber dinheiro de pessoas por meio de depósitos e investimentos e distribuir esse dinheiro na forma de empréstimos. Esse sistema permite, por exemplo, que pessoas façam empréstimos para comprar casas e não se preocupem em, eventualmente, ter que lidar com uma cobrança repentina do valor integral. Entretanto, a intermediação do banco também deve funcionar de tal forma que possibilite aos investidores acesso ao seu dinheiro a qualquer momento, caso necessitem.

Antes das pesquisas de Bernanke, a percepção geral era de que a crise bancária era uma consequência da economia em declínio. Ao contrário do que se pensava, o pesquisador demonstrou que o colapso bancário foi uma das causas decisivas para que a recessão econômica se transformasse em uma profunda e prolongada depressão. Usando fontes históricas e métodos estatísticos, Bernanke também foi capaz de apontar como a economia só começou a se recuperar quando o Estado implementou medidas que prevenissem novos surtos de medo em relação aos bancos.

Em estudos que complementaram os trabalhos de Bernanke, Diamond e Dybvig, desenvolveram modelos teóricos que explicam o papel de intermediário que o banco assume entre investidores e pessoas que recebem empréstimos. Os trabalhos deles demonstraram que os bancos são responsáveis por viabilizar projetos de longo prazo, como grandes empreendimentos, graças a essa ação intermediária. Esse processo, entretanto, depende de que a instituição goze de credibilidade suficiente para que as pessoas mantenham seus recursos nos cofres, descartando a possibilidade de corridas aos bancos.

Os laureados demonstraram que essa característica torna os bancos vulneráveis aos boatos. “Suponha que surja o boato de que o banco X está quebrando. Todo mundo vai correr para o banco, mas não haverá dinheiro disponível para as pessoas sacarem porque, tecnicamente, esse dinheiro não existe. Isso vai acabar suspendendo as retiradas dos clientes”, comenta Paiva.

Sem conseguir retirar dinheiro de um banco, rapidamente o rumor, que antes atingia apenas o banco X, pode se estender e contagiar outros bancos “sadios” e resultar em uma crise bancária. “Mesmo que todos os demais bancos estejam sadios, automaticamente vai ocorrer uma situação em que a população corre para eles porque ninguém quer ser o último a pegar o dinheiro. Só que todo mundo, na hora que chegar lá, não vai ter acesso ao dinheiro. Ou seja, o sistema financeiro automaticamente vai quebrar. Logo, os boatos e os riscos sistêmicos podem desencadear as conhecidas profecias auto-realizáveis”, completa o professor Paiva.

Diamond e Dybvig apresentaram uma solução para o problema de vulnerabilidade bancária, na forma de seguros dos depósitos por parte do governo. Ou seja, é uma garantia de que o Estado irá cobrir o dinheiro depositado, caso haja alguma crise em um banco. Isso evita que o medo de perder o dinheiro se espalhe e, consequentemente, leve a retiradas inesperadas do banco. Segundo os premiados, seria uma forma de interromper o processo antes mesmo que ele comece.

Graças às contribuições dos laureados, crises como as de 2008, ou até mesmo a crise econômica durante a pandemia de Covid-19 não chegaram à gravidade da de 1930.  “Os insights dos laureados melhoraram nossa capacidade de evitar tanto crises sérias quanto resgates financeiros caros”, destacou Tore Ellingsen, Presidente do Comitê do Prêmio em Ciências Econômicas.

Imagem acima: Niklas Elmehed © Nobel Prize Outreach.

Séries Jornal da Unesp

Este artigo pertente à série Nobel do Jornal Unesp. Conheça a trajetória científica e as pesquisas dos laureados com o prêmio Nobel nas categorias fisiologia ou medicina, física, química, economia, literatura e da paz a partir do ano de 2022.

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