Uma pesquisa conduzida no Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Ciência de Alimentos do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (Ibilce) da Unesp foi a vencedora da segunda edição do Prêmio de Reconhecimento Acadêmico em Direitos Humanos, conferido pela Universidade Estadual de Campinas e pelo Instituto Vladimir Herzog. Criado em 2020, o prêmio tem por objetivo reforçar o compromisso da universidade com a defesa dos direitos humanos no Brasil. O resultado foi divulgado em maio.
A pesquisa foi conduzida por Tuany Yuri Kuboyama Nogueira como parte de seu doutorado, já completado. A tese premiada intitula-se “Vinhos de BRS Violeta (BRS Rúbea x IAC 1398-21): efeitos da adição de carvalhos e fermentação na composição fenólica e nos parâmetros de cor na produção sustentável”, e teve como orientadora a docente Ellen Silva Lago Vanzela.
Previamente, em seu mestrado cursado no mesmo programa, Nogueira já havia pesquisado o vinho feito a partir da cultivar de uva BRS Violeta, monitorando os efeitos de dois tipos de carvalho (a madeira utilizada no envelhecimento de vinhos), de origem francesa e americana, sobre o resultado final. A BRS Violeta é uma cultivar de uva brasileira, rica em compostos fenólicos, produzida pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Para o doutorado, ela se colocou o desafio de produzir o próprio vinho nas instalações do Ibilce e testar suas fermentações (alcoólica e malolática), com e sem a adição do carvalho francês. Este carvalho foi mais promissor para maximizar a qualidade do vinho.
Cresce mercado para produtos artesanais
A escolha da uva foi baseada na ideia da valorização da uva brasileira e da cultura de consumo de vinhos de mesa no Brasil. Segundo Vanzela, nos últimos anos houve um aumento no consumo de vinho finos e de mesa no Brasil. Especialmente os vinhos de mesa, devido ao seu valor mais acessível. A uva BRS Violeta (BRS Rúbea x IAC 1398-21), desenvolvida pela Embrapa, tem se destacado por sua elevada composição em compostos fenólicos (estruturas químicas responsáveis pela cor, aroma e estabilidade oxidativa). Dentre estes compostos destaca-se as antocianinas, que são responsáveis por conferir aquele colorido arroxeado ou avermelhado e são benéficas para a saúde. Esta uva apresenta potencial para a elaboração de suco de uva e vinhos.
A busca por produtos artesanais diferenciados de qualidade que proporcionem a criação de uma identidade regional própria tem sido uma importante estratégia para o mercado nacional de vinhos. Neste contexto, “o desenvolvimento de tecnologias sociais relacionadas ao processo de vinificação em pequena escala utilizando produtos enológicos adequados e de qualidade, somados a equipamentos simples e de baixo custo, é de extrema importância para alavancar a qualidade dos produtos artesanais”, diz Ellen Vanzela.
Nova técnica de envelhecimento
Nogueira foi a primeira aluna do Programa de pós-Graduação em Engenharia e Ciência de Alimentos a desenvolver uma tecnologia social no Laboratório de Processamento de Frutas e Hortaliças. Com o apoio do Laboratório e com o auxílio de seu pai, ela desenvolveu uma plataforma de microvinificação de baixo custo para a elaboração de vinho tinto a partir de uva brasileira. Essa plataforma permitiu que o vinho fosse produzido integralmente de forma manual, o que possibilita sua reprodução pelos vitivinicultores, nome dado aos produtores que cultivam uvas tendo como objetivo final o vinho.
Normalmente, vinhos são envelhecidos em barris de carvalho. Porém, tais barris custam caro e requerem um bom espaço. Baseando-se no que havia pesquisado no mestrado, a jovem optou por uma técnica alternativa para envelhecer o vinho, empregando lascas de carvalho francês. Embora essa técnica não proporcione exatamente a mesma alteração nas características de qualidade do vinho, ainda assim, consegue-se uma melhoria importante na sua coloração e aroma. “Até as vinícolas mais tradicionais da França, da Espanha e da Itália estão testando envelhecer os vinhos com lascas de carvalho”, diz Vanzela.
Após o sucesso no domínio da produção do vinho surgiu um novo desafio: o que fazer com o resíduo gerado pelo processo? Enquanto se viam às voltas com esta pergunta, Nogueira e Vanzela perceberam que aquele equipamento poderia ser replicado por pequenos produtores que se interessassem em explorar uma nova esfera de atividade produtiva. Esse foco nas necessidades do pequeno produtor tem sido uma constante nas pesquisas de Ellen Vanzela desde que ela começou a estudar uvas, há mais de 10 anos. Atualmente, ela está à frente de um projeto que visa o aproveitamento do excedente de safra para produzir licores. Esta estratégia permitirá que a uva não vendida seja congelada e posteriormente direcionada para um produto que é de fácil confecção e que possui longa vida útil.
Conversar com o produtor é fundamental
A docente ressalta a importância do diálogo com o pequeno produtor para que a pesquisa possa chegar a um resultado aproveitável. “Sem esse diálogo não há como compreender as dificuldades e demandas. A geração de conhecimentos e tecnologias sociais pode contribuir para a competitividade da produção brasileira de vinhos mediante o incremento nas opções tecnológicas à disposição dos produtores de vinhos nacionais, a racionalização dos custos de produção e da ampliação das possibilidades de produção com menor impacto ambiental”, diz.
Por meio dos contatos da orientadora, Nogueira teve a oportunidade de conversar com produtores rurais em uma unidade da Embrapa localizada no município de Jales. Na conversa, os produtores também relataram o problema da sobra de resíduos após a produção da bebida. Surgiram questionamentos sobre outras possíveis destinações para o material, que em geral era utilizado para a elaboração de ração animal, ou simplesmente descartado no meio ambiente. Foi então que surgiu a idea de acrescentar à pesquisa um processo que permitisse a produção de alimentos de fácil confecção a partir dos remanescentes da produção de vinho, que apresentam ainda importante valor nutricional. Desta forma, além de diminuir o impacto sobre o meio ambiente, os produtos gerados pode gerar uma renda secundária para o produtor. Estes produtos inclusive podem ser preparados pela a esposa do produtor e por seus filhos, possibilitando a manutenção da família no ambiente rural.
O material remanescente da produção do vinho (tecnicamente chamado de coproduto), que é composto de casca, polpa e semente, foi triturado, peneirado e submetido a um tratamento térmico simples para garantir sua qualidade microbiológica. Este coproduto final toma a forma de um novo material, chamado de pasta. Esta pasta, por sua vez, é empregada então em receitas de alimentos especialmente selecionados por serem de grande demanda no cotidiano: bolo, massa de pizza e um docinho estilo brigadeiro.
Nogueira condensou todo o conhecimento que desenvolveu em seu doutorado na forma de uma cartilha utilizando linguagem de fácil compreensão, destinada aos pequenos produtores rurais, onde ensina como estruturar uma plataforma de microvinificação, como usá-la para produzir o vinho e como preparar as receitas a base do coproduto. “Queremos incentivar o produtor rural a aumentar sua renda demonstrando que é possível, com pouco investimento, produzir vinho de mesa artesanal de qualidade em sua propriedade. Dá pra todo mundo fazer, basta apenas incentivo, oportunidade e capacitação”, diz ela.
Tuany Nogueira conta que, depois que incorporou esse objetivo de beneficiar o pequeno produtor à pesquisa, sentiu-se mais motivada para trabalhar — considere-se que boa parte do estudo ocorreu durante o período da pandemia, quando todos tivemos tempo de sobra para questionar nossos objetivos. “A gente foca tanto na pesquisa, em fazer descobertas. Mas e quanto às pessoas mais simples, e os produtores rurais? Por que não tentar ajudá-los?”, diz.
Foto acima: a cultivar de uva BRS Violeta. Crédito: Valtair Comachio/EMBRAPA