Enquanto o mundo aperta os cintos e se prepara para o cenário internacional que emergirá após a posse de Donald Trump à frente do governo dos EUA, que acontece na próxima segunda, 20/01, o Senado daquele país conduziu esta semana várias audiências para avaliar os nomes que o empresário norte-americano já indicou para compor o seu ministério. Estes nomes foram sendo anunciados desde a vitória do Republicano, e em alguns casos despertaram fortes reações contrárias.
Um dos que suscitou comentários negativos, inclusive dentro do governo, é Robert F. Kennedy Jr, indicado para ser secretário de Saúde. Kennedy Jr. é filho do senador Robert F. Kennedy e sobrinho do ex-presidente John F. Kennedy, ambos assassinados nos anos 1960. O possível futuro secretário é conhecido por ter se engajado na campanha antivacinação durante a pandemia de Covid-19 e por espalhar teorias da conspiração.
Susie Wiles, que será a primeira mulher a ocupar a função de chefe de gabinete, foi o primeiro nome anunciado por Trump. Ela é considerada uma das principais articuladoras na vitória do republicano nas eleições presidenciais. Nos Estados Unidos, o cargo de chefe de Gabinete pode ser comparado ao de ministro da Casa Civil do Brasil. Entre as funções está a coordenação das atividades do governo e a organização das demais secretarias. Susie também deverá operar como uma das principais conselheiras do presidente.
O bilionário Elon Musk irá chefiar o Departamento de Eficiência Governamental dos Estados Unidos. O convite já havia sido confirmado por Trump durante a campanha presidencial. O presidente eleito disse que Musk irá trabalhar para “desmantelar a burocracia governamental, cortar regulamentações excessivas, cortar gastos desnecessários e reestruturar as agências federais”.
Musk foi um dos principais doadores da campanha eleitoral de Trump. Segundo a agência de notícias Associated Press, o bilionário desembolsou cerca de US$ 200 milhões (R$ 1,15 bilhão) para eleger o candidato republicano. Empresas de Musk, como SpaceX e a Tesla, têm contratos bilionários com o governo americano. Pesquisadores dizem que o perfil de Musk pode gerar conflitos de interesses dentro da nova gestão.
Neusa Maria Pereira Bojikian, especialista em política econômica e internacional dos EUA, doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas ligado ao IPPRI – Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp e Pesquisadora e Integrante Coordenação do INCT-INEU, analisa o novo time do governo de Donald Trump nos EUA.
Na política internacional, um falcão
Neusa Bojikian aponta como características comuns aos nomes já anunciados por Trump a identificação ideológica com o presidente eleito e a lealdade já comprovada. “Fidelidade à linha de pensamento ou a linha de atuação do próprio Trump. Acho que ele está reconhecendo essas qualidades ao escolher essas pessoas. Pessoas que estiveram com ele durante todo o tempo, não traíram sua linha de pensamento e apostaram na sua campanha”, diz.
Ela destaca como significativa para o Brasil e para toda a América Latina a nomeação do ex-governador e senador Marco Rubio para o cargo de Secretário de Estado. “Rubio tem experiência com esses temas, ele já vem da Comissão de Relações Exteriores do Senado. Ficou conhecido pelas posições muito firmes e personalidade forte, vamos dizer assim. Porém, apesar dos interesses em comum, o mesmo possui uma visão de política externa que pode entrar em conflito com as abordagens do próprio Trump. Então, a gente fica pensando: qual será a orientação que vai predominar ali?”, diz.
“Em relação à América Latina, Rubio consistentemente se mostrou um falcão em relação aos regimes autoritários na América Latina, Cuba, Venezuela e Nicarágua. ele defende que esses países recebam sanções bastante severas, que se adotem políticas de isolamento total. E apoia intervenções mais assertivas para promover mudanças nesses governos que ele considera inimigos da orientação política dos Estados Unidos”, diz.
Ela pontua que, enquanto Trump tem uma abordagem mais ligada à guerra econômica, comercial, ligada ao seu perfil de negociador agressivo, ameaçador e ambicioso, Rubio acha que a Venezuela é realmente uma ameaça à segurança nacional dos Estados Unidos. “Ele chegou a sugerir abertamente a intervenção militar na Venezuela durante a crise política lá em 2019. Em linhas gerais, o Rubio vai na linha mais tradicional da chamada Doutrina Monroe no sentido mais intervencionista. É um nome polêmico, que requer atenção nas relações internacionais”, diz ela.
No caso do bilionário Elon Musk, a linha que ele adotará no governo ainda é uma incógnita, diz a pesquisadora. “A gente não sabe que cargo é esse (Departamento de Eficiência Governamental). Na verdade, ele mesmo cavou sua função dentro do governo Trump.”
Musk se apresenta como um capitalista, defensor do fundamentalismo de mercado, ou seja, pouca interferência do Estado na economia. Mas se beneficia enormemente de suas relações com o Estado, principalmente no aspecto dos seus projetos arrojados de tecnologia. Ele diz que irá mexer no campo das regulamentações dos EUA, procurando proporcionar mais autonomia de ação ao empresariado. E vai atuar, inclusive nas áreas em que ele mesmo atua como empresário. “Então, você vai sentir que alguns empresários vão estar mais alinhados a ele, e outros não. E nessa distribuição dos ganhos é que as brigas podem acontecer. Ele vai ter que lidar com isso. E, assim como Trump, ele também tem uma personalidade muito forte, um perfil muito voluntarioso.”
Falas polêmicas antes da posse
Nas últimas semanas, como uma espécie de aquecimento para sua posse, o Republicano expressou, em diversas entrevistas e postagens em redes sociais, ideias polêmicas. Elas incluem, por exemplo, a incorporação do Canadá aos Estados Unidos e a tomada do controle do território da Groenlândia, se necessário empregando força militar. Para a professora, estas mensagens polêmicas são concebidas sob medida para agradar seu eleitorado, mas também se alinham ao seu estilo de se impor nas relações diplomáticas, gerando pressão sobre outras nações. “Isso reflete uma postura expansionista e nacionalista que gera debates e preocupações na arena internacional”, diz ela. “
“Ele sugeriu que o Canadá poderia ser incorporado aos Estados Unidos, mencionando que o país gasta muito. Ele quer dizer que os EUA gastam muito para proteger o vizinho e que uma fusão seria mais simples, mais econômica. Ele também ameaçou aplicar tarifas sobre os produtos canadenses caso não houvesse cooperação por parte dos canadenses”, diz.
“Já o interesse dele na Groelândia não é novo. Já em 2019, ele falava em comprar a ilha. Mesmo que a Groenlândia tenha um governo próprio e seja um território autônomo sob a constituição da Dinamarca, que já rejeitou propostas anteriores. Ele também expressou o desejo de retomar o controle do Panamá. A gente tem que lembrar que o Panamá, por 85 anos, foi um ativo dominado e explorado pelos EUA. Resumindo, ele só pensa na segurança e na economia norte-americana”, diz .
As falas de Trump foram recebidas com ceticismo e repúdio pelos países envolvidos. Porém, diz a pesquisadora, é preciso entender o que realmente está por trás das declarações, que é a tática de Trump para conduzir negociações. “Em uma negociação, ele busca desestruturar o outro lado, gerar medo e tensão. O outro lado começa a pensar no pior. Além disso, visa fortalecer e vender os EUA como uma grande influência geopolítica. Então, o que ele busca é provocação, sensacionalismo e agradar os eleitores que apoiam suas políticas de América em Primeiro Lugar”, diz.
Ouça abaixo a íntegra das análises sobre os integrantes do governo Trump.
Imagem acima: Trump em sua posse em 2017. Crédito: Wikimedia Commons.