O político norte-americano Zohran Mamdani, 34, fez história noite passada ao vencer as eleições para prefeito de Nova York, tornando-se o primeiro muçulmano a comandar a maior cidade dos Estados Unidos. Candidato pelo partido Democrata (embora seja um autodeclarado socialista), ele recebeu 1.036.051 votos, ou o equivalente a 50,4% do total. Nascido em Kampala, capital de Uganda, Mamdani imigrou para os Estados Unidos aos sete anos, e se naturalizou norte-americano aos 18. Sua carreira política iniciou-se em 2021, ao se eleger deputado estadual pelo bairro de Astoria, no Queens.
Durante a campanha, Mamdani defendeu uma agenda centrada em políticas de bem-estar social, prometendo transporte público gratuito, congelamento dos aluguéis, implementação de creches gratuitas e a criação de cinco supermercados subsidiados pelo governo, um para cada distrito da cidade de Nova York. Sua candidatura foi construída por meio de mobilização comunitária, voluntariado e pequenos financiamentos coletivos.
Para Neusa Maria Pereira Bojikian, especialista em política econômica e internacional dos Estados Unidos, a vitória do jovem deputado mostra que o movimento popular que o apoiou transitou “do ativismo para a institucionalidade”.
Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas, ligado ao Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp, Bojikian avalia que a vitória de Mamdani sinaliza importantes transformações estruturais, além de uma importante modificação do eleitorado norte-americano. Para ela, o resultado expressa “um deslocamento na dinâmica urbana e nas coalizões de poder”, indo além de uma simples vitória eleitoral.
Consenso neoliberal foi derrotado
A pesquisadora explica que a ascensão do Democrata está ligada à erosão do consenso neoliberal que orientou a governança das cidades norte-americanas desde os anos 1980. “No plano sociopolítico, Mamdani representa uma mudança geracional nas elites políticas, a institucionalização de agendas progressistas oriundas dos movimentos sociais e a reconfiguração do eleitorado das grandes cidades em torno de pautas como habitação, transporte e imigração”, diz.
Do ponto de vista econômico, a candidatura de Mamdani ofereceu um contraponto ao regime de acumulação e de concentração de riqueza que marcou Nova York em governos anteriores. Bojikian explica que esse modelo transformou a cidade em uma “empresa”, com forte financeirização do território, privatização dos serviços públicos e aliança entre governo e capital imobiliário. “Mamdani altera esse eixo ao colocar o Estado como agente redistributivo, e não apenas como gestor eficiente de interesses privados”, analisa.
A reta final da campanha transcorreu em meio à uma forte pressão exercida pelo presidente Donald Trump, que chegou a ameaçar cortar repasses federais à cidade caso Mamdani vencesse o pleito. O Democrata respondeu no mesmo tom, afirmando em seu discurso pós-eleição: “Se alguém pode mostrar a uma nação traída por Donald Trump como derrotá-lo, é a cidade onde ele foi criado”.
Para Bojikian, a vitória de Mamdani simboliza a legitimação institucional da ala mais à esquerda da política americana, que contrasta com o conservadorismo adotado por boa parte do país. Seu mandato, porém, deverá se desenrolar em um ambiente de tensão, e suas promessas de redistribuição e justiça social deverão enfrentar resistências de grupos historicamente dominantes na política urbana nova-iorquina. “Esses setores, que mobilizam um lobby muito forte, tendem a atuar como elites de veto, com capacidade de bloquear políticas redistributivas e influenciar prioridades orçamentárias”, afirma.
Para além da vitória na disputa política, o potencial para que a eleição de Mamdani resulte em transformação efetiva dependerá de sua capacidade de colocar em prática a agenda que o levou ao poder. Caso consiga sustentar suas propostas de habitação, transporte gratuito e políticas anti-gentrificação, diante das resistências das alas conservadoras, sua gestão poderá abrir espaço para novas formas de governança urbana, mais voltadas à justiça social e à redistribuição do espaço nas metrópoles. Neste caso, o mandato de Mamdani pode vir a transformar os espaços urbanos de Nova York em ‘laboratórios de transição para um novo contrato social’, “menos orientado ao crescimento econômico ilimitado e mais voltado à qualidade de vida e à democratização do acesso à cidade”, diz a docente.
Ouça a entrevista completa no Podcast Unesp Mundo e Política.
Imagem acima: Zohran Mamdani durante manifestação em Nova York, em outubro de 2024.
