O Prêmio Nobel de Ciências Econômicas deste ano foi entregue para o trio de pesquisadores Daron Acemoglu, Simon Johnson e James A. Robinson por terem colaborado com pesquisas que “demonstraram a importância de instituições sociais para a prosperidade de um país”. Segundo a Academia Real de Ciências da Suécia os laureados contribuíram para explicar por que sociedades que vivem em um estado de direito fraco e instituições que exploram a população não geram crescimento nem mudanças positivas.
Para abordar essas questões, os economistas estudaram as primeiras instituições que surgiram sob colonização europeia, identificando pontos de semelhanças e divergências nas comunidades e regiões antes e após do período colonial. De maneira geral, as pesquisas dos laureados indicam que as regiões nas quais transcorreu o estabelecimento de instituições inclusivas durante o período colonial são hoje aquelas que apresentam mais prosperidade. Em contrapartida, aquelas que passaram por uma experiência colonial que focou a exploração dos recursos naturais e o enriquecimento das famílias que estavam no poder tornaram-se nações independentes mais pobres, ou menos prósperas.
Essa noção histórica pode nos auxiliar a compreender as complexas relações econômicas e sociais que existem hoje e que contribuem para a crescente desigualdade entre as nações. “Reduzir as enormes diferenças de renda entre os países é um dos maiores desafios do nosso tempo. Os laureados demonstraram a importância das instituições sociais para a prosperidade de um país”, disse Jakob Svensson, presidente do Comitê do Prêmio de Ciências Econômicas.
“Existe uma relação entre instituições e democracia no sentido de que, para a democracia durar, você precisa de instituições fortes”, explica Alexandre Sartoris Neto, economista da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp (FCL-Unesp), câmpus Araraquara. O pesquisador compara a democracia a uma ponte sólida, que permite conexões e passagens, mas diz que essa solidez está ameaçada. “O destaque da premiação deste ano é, certamente, o reconhecimento de trabalhos que valorizam o regime democrático em um momento em que ele está sendo questionado no mundo”, afirma Sartoris. Segundo o pesquisador, situações como a emergência de governos de extrema direita e conflitos envolvendo países que não têm regimes democráticos estão entre os fatores que levaram a um abalo nas instituições democráticas de diferentes nações, impactando, também, no desenvolvimento a nível nacional e internacional.
Em 2012, Acemoglu e Johnson, ambos pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), publicaram o livro “Por que as nações fracassam”, lançado no Brasil pela editora Intrínseca em 2022, no qual apresentam seu pensamento econômico e os estudos desenvolvidos até então, sempre norteados pela pergunta: por que algumas nações são ricas e outras são pobres? Segundo os pesquisadores, os países que escaparam da pobreza são aqueles que apresentam uma base institucional sólida, e em particular inseridas em um sistema político aberto no qual há disputa de cargos, eleitorado amplo e a possibilidade de emergência de novos líderes.
Em seu trabalho, o trio de laureados apresenta uma distinção entre governos políticos “inclusivos”, que estendem liberdades políticas e direitos de propriedade o mais amplamente possível, ao mesmo tempo em que aplicam leis e fornecem infraestrutura pública, e sistemas políticos “extrativos”, onde o poder é exercido por uma pequena elite. Observando esses diferentes modos de governo nas colônias europeias foi possível identificar que, aqueles que apresentavam um regime “inclusivo”, apresentaram um maior crescimento a longo prazo. Já países com governos extrativos não alcançam um crescimento generalizado ou passam por períodos de breve expansão econômica que não se mantém.
“A origem do desenvolvimento das nações é um tema fascinante, pois ela se reflete até a atualidade em maior ou menor grau”, afirma Mario Augusto Bertella, também docente da FCL-Unesp. “Observando a história, a democracia parece ser um veículo crucial para que as nações possam atingir a prosperidade e mantê-la no longo prazo. As nações que são subjugadas por outras, mesmo que indiretamente, perdem a capacidade de definir os seus destinos e talvez de manter instituições inclusivas “, completa.
O impacto da colonização europeia
Hoje, o mundo vive um movimento de concentração de renda: segundo o Comitê do Nobel, a riqueza gerada pelos 20% dos países mais ricos do mundo equivale a cerca de 30 vezes aquela produzida pelos 20% mais pobres, e essa diferença tende a aumentar cada vez mais. Essa realidade torna cada vez mais difícil imaginar um mundo no qual seja possível para os países “menos prósperos” diminuírem a diferença e alcançar aqueles considerados como mais desenvolvidos, e que por isso mesmo tendem a atrair maior riqueza.
Os motivos que explicam a desigualdade econômica entre as nações são muitos e não podem ser reduzidos a apenas alguns fatores. Entretanto, as pesquisas de Acemoglu, Johnson e Robinson tiveram como objetivo avaliar o patamar de influência exercido pela existência destas instituições sobre a riqueza nacional.
Para isso, o trio analisou sociedades que estiveram sob domínio colonial europeu em diferentes locais do globo, e chegaram à conclusão de que os sistemas políticos e econômicos introduzidos pelos colonizadores a partir do século 16 impactaram grandemente na distribuição de riquezas que vemos hoje. As evidências para o argumento foram encontradas em um processo chamado “inversão de sorte”. O que os laureados observaram é que, paradoxalmente, os países que hoje são considerados pobres, como os da América Latina, estavam entre as regiões mais prósperas 500 anos atrás.
A razão para isso é que, nos lugares mais pobres e menos povoados, os colonizadores europeus introduziram ou mantiveram instituições que promoveram a prosperidade a longo prazo. No entanto, nas colônias cujas sociedades pré-coloniais se mostravam mais prósperas e mais densamente povoadas, as instituições criadas pelo sistema colonial se mostraram dotadas de um caráter extrativo maior, e menos propensas a gerar prosperidade para a população local. A inversão de sorte é um evento histórico único, observado apenas naqueles locais em que houve colonização europeia. Quando os laureados estudaram a urbanização nos séculos anteriores à colonização, ou mesmo regiões do globo que não passaram por esse processo, puderam constatar que a inversão de sorte esteve ausente: as partes do mundo mais urbanizadas e, portanto, mais ricas, permaneceram mais urbanizadas e ricas.
O problema do comprometimento
Na base do pensamento dos laureados está a constatação de que os lugares onde se estabeleceram instituições capazes de defender os interesses da maior parte da população foram melhor sucedidos a longo prazo, em comparação aos regimes que resultaram em privilégios apenas para certas famílias específicas. “Mesmo que os sistemas econômicos extrativos ofereçam ganhos de curto prazo para uma elite dominante, a introdução de instituições mais inclusivas, de condições de menos exploração e a presença do estado de direito geraria benefícios de longo prazo para todos. Então, por que a elite simplesmente não substitui o sistema econômico existente?”, questionou o Comitê do Nobel de Ciências Econômicas.
Para Acemoglu, Johnson e Robinson a resposta passa pela existência de um conflito de poder: ao mesmo tempo que as elites não querem perder sua supremacia, a população não acredita em promessas de reformas econômicas vindas da elite. Essa questão é conhecida como “o problema do comprometimento”. Nele, por mais que as elites saibam que modelos inclusivos tendem a trazer mais benefícios a longo prazo, elas se recusam a fazer essa transição por temer perder seu poder e privilégios, ficando sem garantias de que seu status será preservado de alguma forma no novo sistema econômico.
Apesar desse quadro de opressão, as populações não são passivas, e o comportamento destas elites pode ensejar movimentos populares que resultam inclusive em revoluções. Diante deste dilema, que opõe o desejo de manter o poder e o temor de uma revolta da sociedade, e das tensões que ele envolve, um dos caminhos para desatar o nó envolve a transição para um regime democrático. Esta transição resulta em uma mudança nas instituições. O argumento defendido pelo trio premiando com o Nobel é que, apesar das dificuldades envolvidas, é possível, em tempos de crise, transformar as instituições políticas, de maneira a buscar a manutenção da ordem social.
O trio aponta três componentes que fazem parte dessa transformação: o primeiro é um conflito acerca do modo como os recursos são alocados e quem detém o poder de decisão em uma sociedade, a elite ou as massas. O segundo é que, em alguns momentos, as massas têm a oportunidade de exercer poder, mobilizando-se e ameaçando a elite dominante. O terceiro é o problema de compromisso, que significa que a única alternativa é que a elite entregue o poder de decisão à população. Os passos desse modelo foram vistos, por exemplo, no processo de democratização na Europa no final do século 19 e no início do século 20, com a ascensão de movimentos populares pós-Revolução Industrial, que levantaram bandeiras de direitos trabalhistas, maior participação política e expansão do direito de voto.
Apesar de confiante na força dos regimes democráticos, Sartoris vê com preocupação seu desgaste e a propagação de novos movimentos que buscam deliberadamente abalar as mesmas instituições que, há muitos anos, são responsáveis por manter a ordem social. “O que nós estamos vendo, é que mesmo países com uma democracia e instituições fortes já não demonstram mais tanta força, por exemplo como o que aconteceu nos Estados Unidos”, diz, referindo-se à invasão ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021, em um movimento contra o resultado da eleição presidencial de 2020.
Caso semelhante aconteceu em 8 de janeiro de 2023 no Brasil, quando arruaceiros travestidos de militantes invadiram a sedes dos poderes Judiciário, Executivo e Legislativo na Praça dos Três Poderes, em Brasília, clamando por intervenção militar e opondo-se ao resultado das eleições presidenciais. Apesar de Sartoris ver com preocupação esses e outros movimentos que ameaçam instituições democráticas centenárias, o pesquisador acredita que elas ainda se mostram resistentes.
“A questão é a capacidade que a democracia tem de criar instituições que a preservem. A ponte, que por muito tempo foi sólida, está desgastada, mas deve se manter em pé”, afirma. “O papel das instituições inclusivas é chave para manter o desenvolvimento social das nações no médio prazo. Sem elas, a pobreza generalizada e a concentração de renda por parte de uma minoria farão parte da paisagem dessas nações”, completa Bertella.
O anúncio dos laureados do Nobel de Economia nesta manhã (14) encerrou a semana de premiações que teve início na segunda-feira passa, com os indicados ao Nobel de Medicina (8), seguido dos premiados com o Nobel de Física (9); o anúncio do Nobel de Química (10); a divulgação da premiada com o Nobel de Literatura (10); e, por fim, a instituição laureada com o Nobel da Paz (11). A cerimônia de entrega dos prêmios será realizada no dia 10 de dezembro.
Ilustração de Daron Acemoglu (esquerda), Simon Johnson (meio) e James A. Robinson (direita). Crédito: Ill. Niklas Elmehed © Nobel Prize Outreach