Os primórdios do pensamento científico remontam à Grécia Antiga do século 6 a.C., quando uma geração de pensadores se propôs a explicar os fenômenos da natureza sem recorrer a ideia de seres míticos ou de divindades. Foi destes pensadores que surgiu o conceito de átomo, uma espécie de unidade mínima da matéria, e que posteriormente foi retomada e desenvolvida na ciência moderna. Já no século 20, o conceito de átomo deu ensejo à área conhecida como física de partículas, que avançou a uma velocidade extraordinária. Um marco neste campo foi a formulação do conceito de Bóson de Higgs. Proposto de forma teórica em 1964, o Bóson seria uma partícula especial, responsável por conferir massa às demais. Porém, só depois que a Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN) construiu a máquina mais sofisticada já concebida pelo homem, é que os físicos puderam anunciar a descoberta de uma partícula com características compatíveis às do Bóson de Higgs.
Essa supermáquina é denominada Large Hadron Collider (LHC), ou, em português, o Grande Colisor de Hádrons. Sua construção é o resultado de uma colaboração internacional que envolveu mais de 100 países, além de diversas universidades e centros de pesquisa. Ativo desde 2008, e situado na fronteira entre a França e a Suíça, o LHC é um túnel circular de 27 quilômetros onde dois feixes de partículas são disparados em direções opostas, a uma velocidade próxima à da luz. Ao atingirem essas altíssimas velocidades, esses feixes colidem, e o resultado é a liberação de novas partículas. E é graças ao estudo dos resultados dessas colisões que os físicos podem aprofundar seu conhecimento sobre a composição e o funcionamento da matéria em seus níveis mais elementares.
No episódio mais recente do podcast Prato do Dia, o físico Rogério Rosenfeld, pesquisador do Instituto de Física Teórica da Unesp, compartilhou suas experiências com o LHC e o CERN, onde foi professor visitante. Rosenfeld é autor do livro “O Cerne da Matéria”, onde relata em detalhes a busca pelo Bóson de Higgs, a construção do LHC e as décadas de pesquisas que conduziram, em 2012, à tão sonhada detecção da partícula.
Na conversa, Rosenfeld trata dos desafios envolvendo a próxima fase das atividades do LHC. Após mais de 15 anos de funcionamento, o acelerador se prepara para passar por uma grande “reforma”, que resultará em uma versão atualizada do acelerador que será denominada chamada High-Luminosity Large Hadron Collider (Grande Colisor de Hádrons de Alta Luminosidade). A partir de 2029, essa versão atualizada promete aumentar consideravelmente o número de colisões e aprimorar a precisão dos experimentos.
O físico pensa que a atualização para o High-Luminosity LHC não deverá resultar, necessariamente, na descoberta de novas partículas, mas aumentará a precisão das medições e permitirá observar processos raros. Como resultado, será necessário aprimorar os detectores que monitoram as colisões e os seus resultados. Isso vai demandar um salto tecnológico a ser dado em pouco tempo. “Uma coisa muito importante que está acontecendo é o desenvolvimento de algoritmos de inteligência artificial para conseguir filtrar eventos que estão acontecendo nessas colisões”, diz o físico.
Rosenfeld espera que, com as novas medições, seja possível testar o modelo padrão da física com um rigor inédito. “A nova fase do LHC, que vai durar até 2035, promete uma precisão maior nas medições já feitas, como a massa do Bóson de Higgs e suas correlações com outras propriedades da interação. Essa maior precisão será essencial para testar a consistência do modelo padrão.”
Para os brasileiros, uma questão importante diz respeito à conclusão do processo de adesão do Brasil como membro associado do CERN, que ocorreu em março passado. Desde então, nos tornamos o terceiro país não europeu a integrar a organização. Essa adesão é um marco significativo para intensificar a cooperação científica internacional e o desenvolvimento de tecnologias e ciências de ponta no país. Agora, os brasileiros poderão desfrutar de acesso prioritário às instalações do CERN, bem como a cursos, estágios e vagas de trabalho.
Rosenfeld também ressalta que uma das principais mudanças é que empresas brasileiras agora podem participar das licitações do CERN, algo que antes era vedado. “Demorou mais de dez anos para que o Brasil se tornasse membro associado. Algo assim não ocorre do dia para a noite. As delegações do CERN analisam as empresas que atuam no Brasil e avaliam se há capacidade técnica para participar dessas licitações”, diz. Agora, existe um mediador oficial fazendo a ligação entre a indústria brasileira e o CERN, que facilitará essa interação.
O status de nação associada também traz a possibilidade de organizar escolas para professores e aumentar o intercâmbio entre o Brasil e o CERN. Cidadãos brasileiros também podem se candidatar a empregos no CERN, algo que não era possível antes. “A gente espera que a adesão resulte em um impacto muito grande. Porque uma indústria que vende produtos tecnológicos para o CERN recebe um carimbo de que é capacitada para fazer coisas de alta qualidade e alta tecnologia. E existem indústrias no Brasil com essas possibilidades. É uma mudança empolgante”, afirma o pesquisador.
O Prato do Dia é uma produção da Assessoria de Comunicação e Imprensa da Unesp. O episódio completo já está disponível em sua plataforma de streaming favorita, além de poder ser ouvido no player abaixo.