“Ministro por acidente”, Rubens Ricupero revisita adoção do Plano Real e lamenta inércia diplomática no Prato do Dia

Em podcast, responsável pelo Ministério da Fazenda de Itamar Franco aponta virtudes da proposta implantada 30 anos atrás, que interrompeu a hiperinflação crônica vivida pelo país, e critica egoísmo das nações na agenda de combate às mudanças climáticas.

Ao longo de seus 87 anos, Rubens Ricupero dedicou pouco mais de quatro meses ao Ministério da Fazenda, em 1994, durante a presidência de Itamar Franco. Apesar de breve, o período em que ocupou uma das pastas mais importantes da República ficou marcado na história do Brasil pela implementação do Plano Real, o programa econômico responsável por interromper o cenário de hiperinflação herdado do regime militar. 

“Fui ministro da Fazenda por acidente”, revela, com certa humildade. “Não sou economista. Não sou um homem do mercado. Costumo dizer que fui ministro da Fazenda, mas não tenho fazenda. Então, eu prefiro falar da minha vida, que é muito mais ampla que isso”, sugere o convidado, que acaba de lançar uma autobiografia. 

Contudo, no ano em que se celebra os 30 anos do Plano que deu estabilidade à moeda brasileira, é quase impossível conversar com um dos seus protagonistas sem falar sobre os bastidores políticos e os diferenciais que levaram essa proposta ao sucesso no combate à inflação, mesmo após o fracasso de tantos planos econômicos anteriores. “O ministro da Fazenda administra a escassez. Eu tive que aprender a dizer não de mil maneiras diferentes”, comenta Ricupero, destacando ainda o empenho realizado na época em se comunicar diretamente com a população para explicar o projeto, mas sem fazer uso do ”economês” típico dos ocupantes da pasta.

Na época do lançamento do Plano, relata o convidado do Prato do Dia, concedia entrevistas às principais emissoras de rádio e televisão quase semanalmente. “O Plano Real não teve choques. Não teve surpresas. Tudo foi anunciado com muita antecedência”, afirma Ricupero, que pela sua dedicação à comunicação direta com a população foi apelidado pelo presidente de “sacerdote do Real”.

Na esteira do aniversário do Plano, Rubens Ricupero lançou um livro em que, aí sim, pode ir além dos breves quatro meses à frente do Ministério da Fazenda. Em “Memórias”, lançado pela Editora Unesp, o diplomata de carreira relembra, por exemplo, sua infância pobre na cidade de São Paulo, a amizade com grandes personalidades brasileiras, a atuação nos governos civis de diferentes presidentes e, claro, sua atuação representando o Brasil em diversas esferas da diplomacia internacional e na Organização das Nações Unidas (ONU).

De fato, a trajetória de vida de Rubens Ricupero lhe permitiu acompanhar a história recente do Brasil e do mundo como uma testemunha privilegiada, e,  por vezes, como um dos protagonistas. Nascido em 1937, em São Paulo, Ricupero se formou em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP). Ao longo da sua atuação profissional, conviveu e trabalhou com um número considerável de presidentes. Foi assessor internacional de Tancredo Neves, assessor especial de José Sarney e Ministro do Meio Ambiente, da Amazônia Legal e da Fazenda, durante o governo de Itamar Franco. Além disso, já atuou como Embaixador nos Estados Unidos, entre 1991 e 1993, e na Itália, em 1995, e também chefiou as delegações brasileiras para o Conselho de Direitos Humanos da ONU e sua conferência sobre Desarmamento.

Embora seja celebrado como ministro do Plano Real, sua trajetória profissional é marcada por uma extensa atuação diplomática, experiência que lhe confere autoridade para opinar sobre questões internacionais da maior importância na atualidade. Nesse campo das relações internacionais que lhe é tão familiar, observa com angústia as negociações entre os países para mitigar e se adaptar às mudanças climáticas. “Infelizmente, o mundo  não está agindo da maneira que devia. Já há certas mudanças no meio ambiente que o ser humano não pode mais reverter”, alerta o diplomata. “Todos os países são egoístas e olham apenas seus interesses a curto prazo. Não há um senso de premência”, lamenta.

O sentimento de preocupação se agrava diante do avanço de líderes de extrema-direita em diversos países que incorporam o negacionismo climático em seus discursos: “À medida que esse pessoal chega ao poder, eles vão atrasar ainda mais as decisões Um problema que já está muito retardado, eles vão atrasar. E aí, eu confesso a vocês que eu não sei se vai dar tempo”.

Outro tópico explorado no episódio é a característica pacifista do Brasil. Em 154 anos, o país não protagonizou nenhuma guerra. A última foi a do Paraguai, em 1870. “O Brasil sempre colocou à frente a diplomacia do entendimento”. Segundo ele, um dos motivos para o país ter suas condutas baseadas no diálogo, é o fato de não ter raízes imperialistas, como outras nações. “A tradição diplomática brasileira sempre se preocupou muito com uma ordem baseada não na força e na imposição, mas no chamado ‘poder suave’ da negociação, do exemplo, do convencimento e da persuasão”, finaliza Ricupero.

O episódio completo do podcast Prato do Dia com Rubens Ricupero pode ser acessado na plataforma Podcast Unesp, no player abaixo ou em seu tocador de podcast de preferência.