Prato do Dia trata dos desafios envolvendo cuidados em saúde mental no Brasil

Em entrevista ao podcast, a psicóloga Amanda Caroliny Costa da Silva aborda das relações entre transtornos mentais e o estilo de vida contemporâneo, o aumento do número de diagnósticos e a importância de políticas públicas na promoção de saúde coletiva. “É preciso cuidado para não patologizar comportamentos que estão ligados ao modo como estamos vivendo hoje”, diz.

A preocupação mundial com a saúde mental global está registrada em diferentes iniciativas. Desde 2013, a Organização Mundial Saúde (OMS) instituiu a data de 10 de outubro como dia mundial da saúde mental. A OMS já fala em uma crise mundial de saúde mental, afetando principalmente as meninas e mulheres. A extensão destes problemas já colocou em alerta as autoridades médicas de diversos países. No Brasil foram instituídas duas datas para aumentar a conscientização sobre o problema: As campanhas “Janeiro Branco”, para conscientização sobre saúde mental e emocional, e “Setembro Amarelo”, voltada à prevenção do suicídio, são exemplos destas iniciativas. Na Unesp, surgiu o programa “De setembro a setembro” a fim de ampliar o cuidado com a saúde mental e promover a prevenção do suicídio na comunidade universitária.

Uma das idealizadoras do programa “De setembro a setembro”, a psicóloga da Coordenadoria de Saúde da Unesp, Amanda Caroliny Costa da Silva, é a convidada desta edição do podcast Prato do Dia. Em conversa com a repórter do Jornal da Unesp, Malena Stariolo, e a gerente de projetos e redes sociais da Assessoria de Comunicação e Imprensa da Unesp, Martha Martins de Morais, a profissional de saúde fala sobre o cenário da saúde mental nos anos seguintes à pandemia de covid-19, o aumento da visibilidade ao redor da temática, o crescimento dos diagnósticos e a necessidade de suporte, por parte do poder público, para o tratamento de transtornos mentais.

Seja no ambiente virtual das redes sociais, seja nas escolas, no trabalho, em festas ou em outros encontros presenciais, as pessoas estão falando mais e prestando mais atenção ao assunto. O compartilhamento de experiências influencia no processo de identificação e de decisão de buscar ajuda. Daí a necessidade de abordar esse universo com responsabilidade, destaca a psicóloga. “Eu sou do time que acha melhor conversar, e criar espaços para falar, sobre o que a gente está pensando. Mas refletir sobre também não ficar apenas no ‘nomear’, no ‘diagnosticar’ ou no ‘rotular’, ou na receita de bolo. De onde está vindo isso que eu estou sentindo? Será que é uma questão individual? Muitos desses sofrimentos que a gente está passando têm questões coletivas que precisam ser mudadas.”

De acordo com o relatório Uma Nova Agenda para a Saúde Mental na Região das Américas, da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), houve um aumento de 32% nos diagnósticos de ansiedade e de 35% nos diagnósticos de depressão nos países americanos durante a pandemia da covid-19. Para Amanda, o quadro é complexo, e não se pode reduzi-lo a um único fator.

“Temos que tomar cuidado com a possibilidade de, muitas vezes, patologizar coisas que podem ser comuns no nosso dia a dia e que estão relacionadas ao modo como a nossa sociedade vem vivendo, não a patologias”, diz. Ela  ressalta a importância de uma base multidisciplinar para um diagnóstico, que não se limite aos sintomas. “A vida é movimento. Tem um contexto por trás desses sinais”, diz. 

Durante a entrevista, ela enfatiza que o conceito de saúde mental não se limita apenas ao que é sentido individualmente, e abarca rede de fatores correlacionados. “Nós somos indivíduos biopsicossociais. Nenhuma condição se limitará apenas ao aspecto biológico, mesmo se a gente estiver falando de algo que não pertence exatamente da psicologia. Há parâmetros estabelecidos socialmente. Os dados da realidade interferem. A própria OMS reconhece que a saúde mental é tanto produto quanto fruto de condições sociais, econômicas e de trabalho”, diz. “Se recebo uma pessoa no meu consultório que está vivendo crises de ansiedade porque está sem trabalhar e não tem o que comer, por mais que a psicologia possa ajudar, não se pode resolver isso sem política pública de trabalho, de alimentação e de assistência social.”

Com frequência, o medo, a incompreensão e o preconceito em relação às pessoas em sofrimento psíquico contribuem para a alimentação do estigma relacionado aos transtornos mentais. A falta de conhecimento impede que as pessoas busquem a ajuda e a atenção necessárias para a recuperação, colaborando para a exclusão social ou a negação de direitos, como diagnóstico e tratamento, por exemplo.

“Nós, enquanto sociedade, também somos responsáveis por esse indivíduo. A saúde não é ‘feita’ só pelo profissional da saúde, essa é a grande questão. Não existe cuidado para uma pessoa só. O cuidado é feito por todos. Muitas vezes, nós convivemos mais com nossos colegas de trabalho, por exemplo, do que com a nossa própria família. Se eu não tiver um olhar compreensivo com o outro, um movimento de escuta e de cuidado, em que mundo a gente vai viver? Precisamos refletir e nos organizar, politicamente, e enquanto sociedade, em relação a isso”, diz a psicóloga.

O podcast Prato do Dia é uma produção da Assessoria de Comunicação e Imprensa (ACI) da Unesp. Você pode ouvir a íntegra da entrevista com a psicóloga da Coordenadoria de Saúde da Unesp, Amanda Caroliny Costa da Silva, na plataforma Podcast Unesp, no player abaixo ou no tocador de podcast de sua escolha.