Simone Mary Alexandre Gadelha nasceu em 28 de outubro de 1960 na cidade de Fortaleza. Mas sua persona artística, que se projetou sob o nome de Mona Gadelha, veio ao mundo um pouco depois, durante a adolescência, e desde então é assim que ela tem assinado suas muitas e diversificadas produções como cantora, compositora, jornalista e produtora.
“Eu ouvia muito rádio em criança. Minha mãe trabalhava como funcionária pública, acordava cedinho e ligava o rádio. Passei a infância no bairro de Aerolândia, em Fortaleza e comecei cedo a ouvir e me interessar pelas músicas que escutava. Minha mãe se emocionava muito com as músicas e creio que isso passou para mim, sempre me emocionei ouvindo música. Me lembro de escutar Celly Campello, Maysa, Jerry Adriani e Wanderley Cardoso. Minhas irmãs ouviam muito Elvis Presley. Na adolescência, conheci os Beatles, posteriormente me apaixonei por Janis Joplin e, consequentemente, pelo rock and roll”, conta Mona.
Reconhecida como artista pioneira do rock da cidade de Fortaleza na década de 1970, Mona Gadelha adentrou a cena ainda na adolescência. “Comecei a cantar em bandas muito cedo em Fortaleza. Foi tudo muito espontâneo. Eu tinha uns caderninhos em que anotava versos e composições. Depois, me lembrava da melodia e fazia as músicas. Cheguei a estudar violão e piano, mas meu processo de criação sempre foi muito intuitivo. Nesse contexto, começamos a criar uma cena de rock e blues bem interessante em Fortaleza”, diz.
Ainda jovem, participou do lendário show Massafeira, evento organizado pelo cantor e compositor Ednardo em colaboração com outros nomes significativos da música cearense, como Augusto Pontes e Rodger Rogério. O show originou o álbum duplo em vinil de mesmo nome, lançado pela CBS em 1980, e que traz a faixa Cor de Sonho, de autoria de Mona.
“O Massafeira Livre foi um evento de quatro dias realizado em março de 1979 no Theatro José de Alencar, em Fortaleza. Ele abrangeu diferentes manifestações artísticas, incluindo música, artes plásticas, cinema e literatura. Houve uma ocupação do teatro, foi algo lindo, uma verdadeira revolução para a época. Segundo o Ednardo, que foi um dos mentores do Massafeira, o evento ocorreu devido a um grande número de jovens que faziam algum tipo de arte e o procuravam para organizar um encontro”, diz Mona. Entre os participantes, estavam também artistas como Walter Franco, Zé Ramalho, Dominguinhos, Rodger Rogério, Petrúcio Maia, Belchior, Amelinha, Patativa do Assaré, Fagner e Fausto Nilo entre outros. “Eu era da turma do rock. Me apresentei num dos dias com a canção Cor de Sonho, uma composição que eu fiz aos 16 anos e posteriormente entrou na gravação do disco do Massafeira. O Ednardo e o Augusto Pontes tinham a ideia de expandir esses artistas, difundir a música e arte feita no Ceará. Existe um documentário bem interessante sobre o Massafeira disponível no Youtube”, conta.
Em paralelo à música, Mona Gadelha também seguiu uma relevante carreira no jornalismo. Formou-se em Comunicação Social na Universidade Federal do Ceará e fez mestrado em Comunicação pelo PPG-COM (Pós-Graduação em Comunicação) da Universidade Federal do Ceará. E seu objeto de estudo no mestrado foi, justamente, a cena transgressora do rock setentista em Fortaleza. Foi editora do semanário Meio & Mensagem, e teve passagens por veículos como a TV Manchete e os jornais O Povo e O Estado de S. Paulo. Como escritora, publicou um perfil biográfico de José de Alencar em 2001 e o livro de contos Contagem Depressiva em 1980, e venceu um concurso literário no mesmo ano.
“Desde cedo, lia muitas obras literárias, revistas, quadrinhos etc. Por isso, acabei me desenvolvendo na escrita. Criava histórias, pequenos contos. Cheguei a ganhar o primeiro concurso de contos femininos em 1980, do jornal O Povo, com um conto chamado “Contagem Depressiva”. Acompanhava a chamada imprensa nanica e colaborei em alguns jornais como o Cogumelo Atômico, de Santa Catarina, da minha amiga Inês Mafra. Havia uma troca de correspondência, recebia dezenas de jornais alternativos em casa. Essa era a nossa Internet”, relembra Mona.
Em 1985, mudou-se para São Paulo, onde passou a atuar nas áreas de comunicação e cultura. O trabalho no jornalismo adiou seus planos iniciais de dedicar-se integralmente à música. Depois de passar por diversas redações de jornais e revistas, Mona lançou seu primeiro disco em 1996.
“Enveredei por um caminho independente. Meu primeiro CD saiu pela Movieplay em 1996, com 13 faixas. Todas de minha autoria, exceto Sinal , de Edvaldo Santana e Ingazeiras, de Ednardo. Era uma gravadora antiga, de médio porte. Eu já tinha boa parte das canções desse álbum, estavam compostas há tempos. Entretanto, durante um período, busquei conhecer e trocar ideias com músicos de São Paulo como o Skowa, do Skowa e a Máfia, Lizoel Costa, do Língua de Trapo, e os meus parceiros Sérgio Cruz e João Alberto. Daí tudo fluiu para gravar esse CD que contou com a produção do Alexandre Fontanetti.”
Desde o início da carreira, Mona Gadelha gravou os álbuns Mona Gadelha (1996), Cenas & Dramas (2000), Tudo se Move (2004), Salve a Beleza (2010), Praia Lírica: um tributo à canção cearense dos anos 70 e Cidade Blues Rock nas Ruas , além de um DVD e sete singles.
O álbum Tudo se Move conseguiu ótima repercussão no Brasil e no mercado internacional. Em especial, a faixa Saint-Denis-Ceará foi incluída em diversas compilações lançadas nos Estados Unidos, na Ásia e na Europa. A música Felicidade pra Mim também entrou na programação de rádios do sul e do nordeste do país.
Em 2004 ela criou a Brazilbizz, que combinava selo musical, editora musical e produtora. A empresa lançou álbums de diversos artistas, entre eles Mau Sacht (#1), Rogério Rochlitz (Carro de Boy), ClarinETC (Concertos Millenovecento) e Allan Grando e Attilio Mastrogiovanni, estes de música clássica. A Brazilbizz participou de feiras internacionais do setor, como as edições 2002 e 2003 do MIDEM, na França, no estande oficial do Brasil. Desde 2014, ela coordena o Laboratório de Música do Porto Iracema das Artes, em Fortaleza.
“O Laboratório de Música funciona como espaço de trocas e experiências estéticas, ideias e no desenvolvimento de projetos musicais de artistas que residem em Fortaleza por ao menos dois anos”, explica ela. O projeto contempla os aspectos da composição, interpretação, arranjo, performance e produção. As propostas são orientadas na perspectiva de criação e montagem de show com qualidades técnica e conceitual, capaz de seguir um circuito de apresentações públicas. “Estou neste trabalho há dez anos e já presenciamos histórias bonitas e bem interessantes. O artista selecionado vive uma imersão de sete meses, realizando workshops e um cronograma de atividades. Inúmeros artistas passaram por aqui, seja no aspecto de formação ou atuando como tutores. Um exemplo é a Tulipa Ruiz, que foi tutora”, diz.
Apesar de ter suas bases no rock e blues, a obra de Mona passeia por diferentes estilos musicais. “Eu sou muito inquieta, curiosa, aberta para novas ideias. Gosto de todo o tipo de música. E sou ligada em outras linguagens, como artes visuais, cinema, teatro e literatura. Meu disco Tudo se Move, por exemplo, é um trabalho de música eletrônica com sonoridades experimentais. Então tenho esse desejo de ficar me movimentando, não ficar fazendo a mesma coisa. Acho que sou uma mulher madura muito sincera, verdadeira, inquieta, que começou a cantar muito cedo e que tem esse desejo de criar essas pontes, esses diálogos com as pessoas por meio do universo da música”, analisa.
Confira abaixo a entrevista completa no Podcast MPB Unesp.