Prato do Dia debate crescimento de tensões entre Otan e Rússia enquanto guerra na Ucrânia caminha para o terceiro ano

Bloco militar, que apóia exército ucraniano com armamentos e treinamento, iniciou seu maior exercício desde o fim da Guerra Fria, com participação de 31 países, ensejando temores de escalada no conflito. Especialista em relações internacionais Héctor Luis Saint-Pierre alerta para efeitos do confronto russo-ucraniano sobre nações europeias, que têm registrado inflação e crescimento da extrema-direita.

Prestes a completar dois anos em 24 de fevereiro, a guerra na Ucrânia ganhou tintas ainda mais fortes depois que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) anunciou a participação de 90 mil militares de todos os seus 31 países integrantes, naquele que é o maior exercício conduzido pelo bloco militar ocidental desde o fim da Guerra Fria. Batizada de Steadfast Defender 2024, a operação terá duas etapas. A primeira, naval, teve início em 24 de janeiro. A segunda será conduzida em março, e o teatro de operações irá incluir países europeus que fazem fronteira com a Federação da Rússia, como a Polônia, a Finlândia e a Estônia.

A Otan tem apoiado a Ucrânia desde o início do conflito, provendo armas, munições e treinamento militar. Diante da prolongada extensão do conflito entre Rússia e Ucrânia e da ausência de uma perspectiva de resolução, sequer à médio prazo, as movimentações militares recém-anunciadas aumentaram a preocupação mundial com a possibilidade de uma escalada na guerra. Segundo o docente da Unesp Héctor Luis Saint-Pierre, especialista em defesa e segurança internacional, a tensão crescente na região resulta de embates geopolíticos históricos e de uma série de desrespeito a acordos firmados.

“Na realidade, isso se iniciou no fim da Guerra Fria. À época houve um acordo entre as partes de que ninguém se declararia como vitorioso, porque não havia uma guerra, e que a Otan não se expandiria para o leste europeu. Isto foi um acordo, inclusive, colocado em papel”, afirmou o coordenador-executivo do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais (IPPRI) da Unesp ao podcast Prato do Dia. No entanto, o acordo não foi respeitado. A aliança militar ocidental avançou sobre territórios que eram, anteriormente, zona de influência da antiga União Soviética. “Isso permitiria colocar mísseis da Otan a poucos quilômetros de Moscou. Então a Rússia intervém”, diz Saint-Pierre .

A tensão nas relações entre Otan e Rússia se intensificou por volta de 2013 e 2014. Naquele período, o então presidente da Ucrânia e apoiador do governo russo, Viktor Yanukovych, foi deposto do cargo após protestos populares. A Rússia anexou então a Crimeia, que fazia parte do território ucraniano. Seguiu-se a distribuição de grupos de combate da Otan pela Estônia, Letônia, Lituânia e Polônia, países próximos à fronteira russa. Em paralelo, o leste da Ucrânia registrava conflitos entre as populações civis de diferentes heranças culturais. “O conflito na região ucraniana de Donbass, que possui cultura e língua russas, foi ignorado pela mídia corporativa, mas deixou 15 mil mortos e foi denunciado pelas organizações não governamentais e por organizações de direitos humanos da ONU”, diz Saint-Pierre.

O docente acredita que, apesar da iniciativa da Otan de conduzir o exercício em grande escala, não há qualquer cenário provável de batalha entre o bloco e a Rússia atualmente. Mas frisa que a tensão crescente no continente, e os efeitos regionais da guerra na Ucrânia, estão causando desdobramentos importantes, como o crescimento de lideranças de extrema-direita no continente europeu, pondo em xeque regimes democráticos. Até porque as relações comerciais com a Rússia, hoje rompidas, tinham um peso bastante significativo para a economia de diversos países da Europa. “(Aos olhos da população) A democracia tem feito guerra, inflação e fila no supermercado. Isso está agravando a relação entre governantes e governados”, diz.

O coordenador-executivo do IPPRI-Unesp também aborda situações de tensão política em outras regiões do planeta e analisa em detalhe figura central no conflito europeu: o líder russo Vladimir Putin. Ex-oficial da KGB, o serviço secreto da antiga União Soviética, e exercendo o poder máximo na Rússia há mais de 20 anos, possui um mandado internacional de prisão em seu nome expedido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI). Isso não o impede de se preparas para disputar, e ganhar, um novo mandato presidencial nas eleições deste ano.

A íntegra da entrevista sobre as movimentações militares da Otan e a tensão crescente com a Rússia pode ser ouvida no player abaixo e no site Podcast Unesp, bem como nas plataformas especializadas Spotify, Deezer, Google Podcasts e Amazon Music Podcasts.