Novo Museu Arqueológico e Histórico do Oeste Paulista vai apresentar conceito inovador e acervo com mais de 11 mil peças

Idealizada por docentes da FCT e FEC, instituição trará visitantes para dentro de sítio arqueológico e aposta na tecnologia para contar história dos povos que ocuparam a região. Projeto inclui também centro de pesquisa multidisciplinar e uso por alunos de diferentes cursos da Unesp.

Localizada no extremo oeste do estado, a cidade de Presidente Epitácio vai ganhar um novo museu, dedicado ao acervo arqueológico revelado pelas escavações na região. Em novembro, a prefeitura do município assinou um contrato de repasse com a Caixa Econômica Federal, como parte de um programa de compensação ambiental, que irá ajudar a financiar as obras de construção do Museu Arqueológico e Histórico do Oeste Paulista (MAHOP). Pelo acordo, a CEF irá prover cerca de R$ 9,4 milhões para o projeto, e a prefeitura, R$ 2,29 milhões. Durante a formalização do contrato, além dos representantes da prefeitura e da CEF, esteve presente também Jean Ítalo de Araújo Cabrera, que é docente e pós-doutorando na Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) da Unesp, campus de Presidente Prudente. Foram docentes da Unesp que conceberam a ideia da construção do novo museu, e conduziram o processo de convencimento da autoridade municipal a abraçar o projeto.

A Unesp já opera diretamente dois museus arqueológicos na região. São eles o Museu de Arqueologia Regional e o Centro de Museologia, Antropologia e Arqueologia, ambos ligados à FCT. No caso do MAHOP, a maior parte do seu acervo, de 11 mil peças, foi desenterrada em um sítio arqueológico em cujo território a nova instituição será erigida (veja mapa abaixo), mas também haverá material oriundo de outras 38 escavações conduzidas no oeste do estado. 

Origem em projeto de salvação arqueológica

A criação do museu é um desdobramento das escavações realizadas na região desde os anos 1990. A construção da usina hidrelétrica Engenheiro Sérgio Motta, ainda na década de 1980, nas proximidades do município de Rosana, implicou a formação de um vastíssimo lago, com área equivalente a sete vezes a da Baía da Guanabara. Antes da criação do lago, em 1997, arqueólogos conduziram um projeto de salvação arqueológica que resultou na identificação de 100 sítios na margem paulista do Rio Paraná. Desde então, teve início a tarefa de resgate dos materiais que estavam preservados em alguns destes sítios.

Inspirada em museus do exterior, a nova instituição estará sediada dentro de um sítio, o Lagoa São Paulo 02. Descoberto em 1995, passou por uma nova rodada de escavações em 1997, como parte da primeira fase do projeto de salvamento arqueológico , seguida por uma segunda fase em 2010. “Durante a fase dois do projeto de salvamento arqueológico, foram encontradas diversas evidências de sepultamentos e de outras peças que possuem aspectos únicos”, explica Cabrera. “Uma remoção levaria à perda de muitas informações importantes. A criação de um museu garantiria a preservação do patrimônio histórico e permitiria sua exposição ao público em seu local de origem”, diz.

Os primeiros contatos com a prefeitura se iniciaram em 2011, e a iniciativa envolveu principalmente as docentes e arqueólogas Rosângela Thomaz, da Faculdade de Engenharia e CIências da Unesp, campus de Rosana, e Ruth Kunzli, professora aposentada da FCT.

Rosângela Thomaz explica que diversos fatores contribuíram para que o trâmite do projeto, desde sua proposição até o momento da assinatura, levasse mais de uma década. Entre eles, as periódicas mudanças na administração municipal, e a própria localização do sítio arqueológico, que se denomina Lagoa São Paulo 02.  “O sítio está localizado em uma fazenda, que é uma área particular. Primeiro, era preciso que ocorresse a doação da área à prefeitura para permitir direcionar à municipalidade a verba para a construção do museu”, diz ela. A mais recente rodada de escavações ocorreu em 2017, e já tinha como objetivo preparar a área para o início da construção do MAHOP.


Novo conceito une tecnologia e ciência real

No diálogo com a prefeitura, as docentes ressaltaram que, juntamente com o seu valor científico e cultural, a nova instituição poderia contribuir para fomentar o turismo na cidade, e também proporcionar uma nova forma de ver e estudar arqueologia aos estudantes da Unesp. Este novo formato, aliás, é um dos principais atrativos do novo museu.

Como se situa em um sítio arqueológico de 600mX200m, os visitantes terão a experiência de conhecer escavações reais, e observar as peças no local onde foram originalmente encontradas. Um guia profissional irá explicar as etapas da escavação, e também o trabalho que os pesquisadores realizam depois que ocorre o descobrimento dos materiais. A exposição a céu aberto também beneficiará a conservação das peças, que estarão livres de eventuais danos causados pelo processo de retirada  Dentre as 11 mil peças selecionadas para o acervo do novo museu estão incluídas urnas funerárias, cerâmicas, conchas, pedras lascadas e polidas, ferramentas e vasilhas. Rosângela Thomaz diz que a inspiração veio de museus históricos da Europa, e também do Museu a Céu Aberto do Centro Histórico Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul.  

Projeto mostra o prédio e as escavações que poderão ser visitadas

Além de uma exibição fixa e exposições temporárias, a nova instituição irá abrigar também um centro de pesquisas nas áreas geoambientais. A ideia é que este centro atraia a colaboração de pesquisadores de diferentes formações, em especial nas áreas de engenharia ambiental, geologia e as ciências ambientais. O museu também deverá ser empregado por alunos do curso de Geografia da Unesp de Presidente Prudente para fins de estágio, monitoria e atendimento, e também pelos alunos do campus de Rosana matriculados no curso de Turismo.

Detalhe da entrada e de área interna do MAHOP

“Hoje, um museu não se limita a exercer apenas aquele papel de guardião de um acervo que as pessoas visitam, olham e vão embora”, diz Jean Cabrera. “Agora, é um espaço dinâmico, sempre em transformação, aberto ao diálogo. Queremos que os visitantes possam se identificar com o material exposto e entendam sua relação com a origem do nosso país”, explica. “O propósito é construir um espaço interativo”, diz Rosângela Thomaz. Ela diz que o projeto prevê recursos como um piso translúcido, que permitirá às pessoas visualizarem o solo abaixo enquanto caminham, e obtêm informações sobre as peças em exibição por meio de dispositivos tecnológicos. Cabrera fala da possibilidade de instalações de impressoras 3D, que permitam a impressão de cópias de artefatos do museu, que podem ser comercializados como lembranças. E o aspecto da acessibilidade também está contemplado desde a concepção da planta da construção. O espaço contará com tecnologias que vão auxiliar e estimular os visitantes PCD durante a excursão, como placas com textos em braile, que permitirão às pessoas com deficiência visual identificarem corretamente os materiais expostos.

Presença humana remonta a 7.000 anos

A arqueóloga Neide Barrocá Faccio, docente da FCT, que vem conduzindo escavações na região desde os anos 1990, explica que os primeiros indícios de presença humana na área do sítio datam por volta de 7000 anos atrás. Os ocupantes pertenciam à chamada tradição Umbu, e deixaram fragmentos de objetos de pedra lascada, condizentes com uma cultura que adotava um estilo de vida nômade, vivendo de caça e coleta. Posteriormente, o sítio foi ocupado por populações Guarani. Entre os objetos produzidos por este grupo que foram recuperados estão os enfeites labiais chamados de tembetás, as lâminas de machado, facas, furadores e raspadores também são encontrados nos sítios Guaranis.

Neide, que é curadora do Museu de Arqueologia Regional (MAR) e do Centro de Museologia, Antropologia e Arqueologia (CEMAARQ), diz que o novo museu irá se somar aos dois já em funcionamento para contar a história da ocupação da região. Atualmente, cada instituição abriga um acervo com características próprias.  No MAR estão abrigadas peças dos grupos guarani, Kaingang e Kayapó do Planalto Ocidental Paulista. O CEMAARQ  reúne material produzidp por grupos guarani e materiais etnográficos dos indígenas do Brasil.

Jean Cabrera diz que o sítio Lagoa São Paulo 02 é vasto,  e novas peças seguem sendo encontradas. “A construção do museu também vai servir para proteger a área. Dessa forma, podemos assegurar a que pesquisa irá prosseguir”,diz.

Ilustração acima: vista aérea do prédio. Fotos de escavação: Jean Cabrera. Ilustrações em 3D: Borelli & Merigo Arquitetura Urbanismo