Lúcia Maria Turnbull nasceu em 22 de abril de 1953, na cidade de São Paulo. Sob o nome artístico de Lucinha Turnbull, foi parceira e colaboradora de grandes nomes do rock brasileiro e da MPB, e no caminho se tornou a primeira mulher a integrar uma banda de rock no Brasil na posição de guitarrista.
O nome Turnbull é herança do pai escocês, casado com brasileira. Passou a infância imersa na diversidade musical que imperava em casa, onde se escutava desde samba até música italiana. “Minha mãe ouvia Elizeth Cardoso, meu pai era apaixonado por Nat King Cole e minha irmã escutava músicas francesas e italianas. Havia também música clássica, e música americana e inglesa. Até de música de gaita escocesa minha mãe gostava, dizia que se sentia emocionada”, lembra a artista.
Aos 11 anos, despertou para uma das suas principais paixões musicais, o grupo The Beatles. E esse encontro moldou os rumos de sua vida. “A primeira música deles que escutei foi I Want to Hold Your Hand, no rádio. Fiquei paralisada. Meu irmão mais velho frequentava a “HI-FI”, uma loja na rua Augusta com cabines onde se podia escutar discos. Ele percebeu a minha reação e disse: ‘Ah, é um conjunto novo, tem o LP lá na HI-FI’. Aí, pirei. Ouvia aquilo o dia inteiro. Minha mãe queria me matar, coitada. Fiquei totalmente apaixonada, queria todos os lançamentos. Isso me pegou numa idade de formação, foi muito especial pra mim”, lembra.
Na mesma época, a garota ganhou de sua mãe um violão e começou a prestar ainda mais atenção às músicas que ouvia. Gostava de tocar e cantar junto com as gravações de artistas de que gostava, como Stevie Wonder. “Era um violão Del Vecchio de 1966, escala anatômica. Chamei de “Horácio”, e tenho ele até hoje aqui comigo. Ficava tentando fazer algumas coisas, tirar alguns sons. Alguns meninos do prédio me ensinavam um pouco. Inclusive, tínhamos um grupo que tocava nas festas do prédio, eu tocava pandeiro e cantava”, diz.
Aos 16 anos, teve a oportunidade de viajar para Londres, Inglaterra, onde conviveu com músicos de diferentes estilos e assistiu a apresentações emblemáticas. Uma delas foi o chamado Show do Exílio, comandado por Caetano Veloso, Gilberto Gil e a banda Núcleos. “Meu pai estava num momento de baixa profissional. Amigos dele da época da guerra sugeriram que ele fosse tentar algo novo em Londres. Durante a Segunda Guerra, ele fez parte do serviço secreto. Mas a gente não sabia de nada, ele falava que era algo entre ele e a Rainha Elizabeth. Ficamos lá dez meses. Estudei em uma escola onde pude conhecer e tocar com excelentes músicos, de estilos variados. Foi muito legal!”, diz.
No início dos anos setenta, de volta ao Brasil, fez seu primeiro show profissional: tocou guitarra durante uma apresentação do Teatro Oficina, em peça de Luiz Antônio Martinez Corrêa. Em seguida, no mesmo teatro, fez o show de abertura para os Mutantes no formato de voz e violão. Ali começava uma nova etapa em sua trajetória musical.
“Quando retornei ao país, ocorreram alguns eventos importantes para que eu pudesse seguir na música. Me lembro de estar andando em São Paulo, um carro importado parou ao meu lado e uma voz me chamou. Era o Ronnie Von. Nos conhecemos, eu frequentava a casa dele, ouvíamos discos juntos etc. Além disso, acabei conhecendo o Arnaldo e o Sérgio Baptista num show dos Mutantes. Também encontrei a Rita Lee e me aproximei dela. Era uma pessoa reservada, capricorniana, e assim começou nossa amizade”, conta.
Depois que Rita Lee saiu dos Mutantes, ela e Lucinha formaram uma dupla intitulada “Cilibrinas do Éden”. Apesar de terem feito uma única performance ao vivo, no festival no Phono 73, a parceria resultou em composições importantes para o repertório de ambas, incluindo Mamãe Natureza e Perto do Infinito. E surgiu ali o embrião do que se tornara depois a emblemática banda Tutti Frutti.
“Depois desse nosso show, a Rita deu uma sumida. Após um tempo me procurou de novo, disse que estava com uma produtora e gostaria de montar uma banda. Ela chamou também o guitarrista Luis Sérgio Carlini, o baixista Lee Marcucci e o baterista Emilson Colantonio. Todos eram excelentes músicos de rock. Embarquei na banda e excursionamos pelo Brasil de 1973 a 1975. Foi uma fase muito bacana”, destaca Lucinha.
Nesse período, Rita Lee compôs um dos seus clássicos mais conhecidos, Esse Tal de Roque Enrow. A gravação trouxe como parceiro nos créditos o escritor e compositor, Paulo Coelho. Entretanto, a composição original de Rita foi inspirada numa vivência da Lucinha. “Minha mãe insistia para que eu tivesse outra profissão, dizendo que a música não levava a nada e tal. A gente tinha alguns embates. Eu disse que queria seguir pela estrada do rock de qualquer maneira, mesmo que tivesse que cantar em alemão e por aí vai. Tenho a letra original da música comigo até hoje”, diz.
Lucinha viveu momentos especiais na relação com Rita Lee. “Quando o Tutti Frutti foi criado, todos nós éramos um pouco mais crianças que a Rita Lee, na faixa dos 20 anos. Ela tinha 26 anos, a experiência dos Mutantes, dos festivais… Ela já tinha uma noção e preocupação com palco, luz etc. Sempre me dei bem com ela. Não havia competição por sermos mulheres. Ao contrário, cada uma tinha seu espaço, cantávamos muito bem juntas, havia um entrosamento. Inclusive, depois participei da gravação do primeiro álbum solo dela. Rita era muito discreta, caseira, tinha um talento excepcional. Mas era um ser humano como todos nós, com seus prós e contras. Sei que me diverti muito”, diz.
Em 1976, formou o grupo “Bandolim”, ao lado dos músicos Péricles Cavalcanti e Rodolfo Stroeter e participou do bem-sucedido musical “Rock Horror Show”, interpretando a personagem Janet Weiss. Segundo Lucinha, seu desejo à época era sair do Brasil e viver numa comunidade alternativa na Escócia. No entanto, terminou indo parar na Bahia, onde passou um tempo convivendo com os Novos Baianos e depois na casa de Gilberto Gil. Ele a convidou para participar e gravar vozes no álbum “Refavela”, lançado em 1977. “Após o convite do Gil, fui para o Rio de Janeiro, gravei as vozes e caí na estrada com ele e banda fazendo uma grande tour pelo Brasil. Fizemos cerca de cem shows durante um ano. “Refavela” é um disco sensacional, solar, fantástico.”
Em 1979, gravou o compacto Ói nóis aqui outra vez, dos Demônios da Garoa. Logo depois saiu seu primeiro LP, “Aroma”, lançado em 1980, que trouxe como faixa título uma composição do próprio Gil. Em 1982, participou do emblemático Festival de Águas Claras, interior do Estado de São Paulo.
Durante sua trajetória, tocou e cantou em discos de Caetano Veloso (“Cinema transcendental”), Rita Lee (“Babilônia”), Moraes Moreira (“Lá vem o Brasil descendo a ladeira”), Guilherme Arantes (“Corações paulistas”), Erasmo Carlos (“Erasmo convida”) e Luli e Lucina (“Luli e Lucinha”), entre outros artistas. Sua parceria com Rita Lee Bobagem foi incluída no disco “Marginal”, de Cássia Eller.
Em 2011, se apresentou na Virada Cultural de São Paulo, e em 2017 colaborou com Edgard Scandurra e Silvia Tape no álbum “EST”. Em 2020 foi lançado o documentário “Lucinha Turnbull”, dirigido por Luiz Thunderbird e Zé Mazzei. Aos 70 anos, Lucinha segue com sua carreia solo, colaborando com bandas e tocando em um duo com o próprio Thunderbird, batizado de “Thunder e Turnbull”. E celebra os encontros que a vida musical lhe trouxe. “Tenho o privilégio de viver e ter vivido coisas incríveis com o Gil, Moraes Moreira, Robertinho do Recife, a própria Rita Lee, muitas passagens emocionantes”, diz.
Confira abaixo a entrevista completa no Podcast MPB Unesp