Unesp completa dez anos de políticas destinadas a apoiar a permanência estudantil

Primeiras iniciativas de suporte a alunos de baixa renda começaram nos anos 1980, com criação de moradias e restaurantes universitários. Ao longo da última década, mais de 40 mil estudantes já foram beneficiados por gama de ações que inclui pagamento de diversos tipos de auxílios, apoio psicossocial e até oferta de mentorias e intercâmbios no exterior. Este ano, orçamento da universidade para a área ultrapassou os R$ 55 milhões.

,

Há dez anos, a Unesp deu o passo inicial na implementação progressiva de uma política estruturada de permanência estudantil, com o objetivo de garantir às populações socialmente mais vulneráveis e minorias o direito à educação superior. Em agosto de 2013, o Conselho Universitário deliberou pela criação da Coordenadoria de Permanência Estudantil (Cope), cuja missão é elaborar, planejar, acompanhar e avaliar programas, metas e ações voltados a combater a evasão de estudantes que estejam em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Desde então, de 2014 a 2023, cerca de 42 mil estudantes da Unesp já foram contemplados por alguma ação de permanência.

Atualmente, qualquer estudante de graduação da Unesp pode pleitear uma série de auxílios, incluindo o Auxílio Socioeconômico, o Subsídio Alimentação, o Auxílio Especial para estudantes com mobilidade reduzida ou doenças graves, o Auxílio Provisório concedido de forma emergencial a ingressantes e o recém-criado Auxílio Maternagem/Paternagem, concedido a estudantes responsáveis diretos por crianças.

Esses apoios seguem as diretrizes do Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes) para atender estudantes oriundos de escolas públicas com renda familiar per capita de até 1,5 salário mínimo. Além disso, em dez unidades, os estudantes contam com os restaurantes universitários, e em 13 há possibilidade de pleitear vagas em moradias estudantis.

Políticas de auxílio tiveram início nos anos 1980

O histórico de políticas de auxílio aos estudantes de baixa renda na Unesp remonta à década de 1980, época em que começaram a funcionar as moradias e os restaurantes universitários. Mas os programas antigos tinham uma perspectiva puramente assistencialista, avalia Mário Sérgio Vasconcelos, professor do Departamento de Psicologia Social da Faculdade de Ciências e Letras do campus de Assis. Ele é o coordenador de Permanência Estudantil da Unesp desde a criação da Cope, dez anos atrás.

Moradia estudantil em Bauru.
Restaurante universitário em Araraquara

“A partir da década de 2000, teve início no Brasil uma discussão mais aprofundada sobre políticas afirmativas para a população negra. E, por princípio, política afirmativa não é assistência, mas um direito”, diz. “Junto com a discussão sobre as políticas de inclusão no ensino superior, começou a surgir um novo conceito denominado de permanência estudantil.” Um indicativo dessa mudança de abordagem está na substituição da palavra “bolsa”, usada anteriormente, pelo termo “auxílio” empregado hoje, considerado mais adequado a descrever um direito que assiste o estudante em vulnerabilidade socioeconômica.

O nascimento da política de permanência estudantil está relacionado à regulamentação do Pnaes, que ocorreu em 2010, e com a implementação das cotas raciais nas universidades públicas brasileiras, cujo marco de adoção situa-se no julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), sobre a constitucionalidade das cotas raciais e a lei das cotas, em 2012.

 

Mário Sérgio Vasconcelos lembra que as universidades estaduais paulistas chegaram atrasadas a esse debate, deliberando sobre a adoção do sistema de cotas somente após o julgamento no STF. Entre elas, contudo, a Unesp foi a mais ousada, iniciando a implantação de seu programa de cotas em 2013, no vestibular para ingresso em 2014. Em 2018, o programa de cotas da Unesp atingiu o objetivo de oferecer 50% das vagas do vestibular para estudantes oriundos de escolas públicas, com reserva de 35% dessa cota para estudantes pretos, pardos e indígenas. Esse sistema é o que vigora desde então. Paralelamente, a Universidade estruturou seu programa de permanência estudantil.

Conquistas importantes, estratégia gradual

Ao longo de seus dez anos de atividade, a Coordenadoria de Permanência Estudantil da Unesp vem implementando o Pnaes de forma gradual e ampliando o número de estudantes atendidos pelos programas de permanência. Em uma década, também se multiplicou o orçamento previsto para a área, saltando de R$ 8 milhões em 2013 para R$ 56,9 milhões neste ano. Segundo Mário Sérgio Vasconcelos, o montante recorde deste ano permite, pela primeira vez, que os estudantes possam acumular auxílios e bolsas. Em paralelo, também houve a ampliação da equipe da Cope.

Para além das cifras, o professor explica que a permanência estudantil não se resume a disponibilizar auxílio financeiro a quem mais precisa. “Fomos descobrindo que não basta só dar o auxílio. É preciso criar um conjunto de ações que gerem no aluno o sentimento de pertencimento à universidade. Senão ele entra, mas se sente completamente perdido, de outro mundo”, diz.

Com esse objetivo, a Cope e a Comissão Permanente de Permanência Estudantil (CPPE), que a assessora, têm proposto o desenvolvimento de atividades de acolhimento e ações de emancipação dos estudantes. O acolhimento teve um papel particularmente importante durante a pandemia de covid-19 e também no retorno para as atividades presenciais nos campus, depois de passado o auge da emergência sanitária.

“Quando o professor Mário Sérgio me convidou para trabalhar na Cope, disse que trabalharia na parte de projetos e programas, que podemos chamar de frente de emancipação do estudante”, diz a assessora de projetos e programas da Cope, professora Luciana Francisco Fleuri. “Emancipar é auxiliá-lo na condição socioeconômica e também oferecer elementos para aprimorar o desenvolvimento acadêmico”, diz.

Luciana passou a integrar o time da coordenadoria em 2021 e, desde então, vem trabalhando em acordos que ampliaram o horizonte dos estudantes vinculados à permanência estudantil. Atualmente, segundo a docente, existem 14 ações em andamento voltadas a alunos vinculados à Cope. Algumas envolvem parceria com outras instâncias da Universidade, ONGs e até com empresas. São oportunidades de realizar intercâmbio no exterior, de ingressar em cursos de idiomas e de participar de programas de mentoria. Há também serviços de apoio psicossocial e, desde o ano passado, a possibilidade de escolha de livros físicos do catálogo da Editora Unesp, um projeto de incentivo à leitura que atinge todos os estudantes que obtiveram auxílio da permanência estudantil.

Uma dessas ações transversais que envolve outros órgãos da Reitoria é chamada Coopere com o Estudante, e está à cargo da Coordenadoria de Permanência Estudantil. Esta iniciativa permite doações de pessoas físicas e jurídicas direcionadas para a permanência estudantil. Para Luciana Fleuri, grande parte dos alunos apoiados por ações de permanência, depois de formados, ficam dispostos a retribuir a ajuda recebida na formação. “Essa sensação de ser cuidado reverbera depois em vários sentidos”, diz. Um exemplo dessa reverberação vem dos ex-alunos que, depois de se formarem, tornam-se eles mesmos apoiadores de novos estudantes, seja por meio de doação de recursos, de tempo ou por mentoria.

Celebração dos dez anos de políticas de cotas e de permanência

A data de dez anos de políticas de permanência na Unesp chega pouco depois que USP e Unicamp enfrentaram paralisações de alunos que tinham entre suas principais demandas as questões relativas à permanência e ao pertencimento à universidade.

Na Unesp, esse movimento não ocorreu, diz Mário Sérgio Vasconcelos, porque os estudantes têm a percepção de que as políticas de permanência e emancipação estão avançando. Ele afirma que a Cope está em tratativas para incluir nos próximos orçamentos anuais um montante de recursos destinados a ações específicas para a pós-graduação e que a Pró-Reitoria de Graduação assumiu a tarefa de criar o vestibular indígena.

Outro ponto importante é a participação dos estudantes da Unesp na construção das políticas de permanência. “Em todas as unidades existe uma participação ativa dos estudantes. Do mesmo jeito que foi criada a Cope e a CPPE em nível central, instituíram-se comissões locais de permanência estudantil em todas as unidades da Unesp, também paritárias”, diz o docente. Criada também em 2013, a CPPE é um colegiado paritário, com igual número de representantes de servidores docentes, funcionários técnico-administrativos e estudantes, com atribuição de assessorar a Cope.

Quando a Cope e a CPPE foram criadas, eram os estudantes da Unesp que estavam paralisados. “A Cope foi criada com os alunos em greve. Ela surgiu em um contexto, digamos, desfavorável para a gestão. Mas, do ponto de vista político, muito favorável para a criação de um programa de permanência estudantil na Unesp”, diz.

No evento que marca a primeira década da permanência estudantil na Unesp, a equipe da Cope deseja promover uma reflexão sobre “culturas afirmativas”. A expressão remete à diversidade da universidade e ao entendimento de que promover a democratização do ensino superior passa também pela construção de condições de equidade.

“Até 2012 ou 2013, a universidade trabalhava com o paradigma da homogeneidade, porque os alunos eram muito homogêneos. A grande pertencia à classe média, classe média alta. Hoje, a maioria dos alunos pertence a famílias de até dois salários mínimos (per capita). Para construir condições de equidade, a universidade precisa mudar o seu paradigma”, diz o coordenador de Permanência Estudantil da Unesp.

A equipe da Cope. Mário Sérgio Vasconcelos é o primeiro à esquerda.

Em celebração aos dez anos da criação da Coordenadoria de Permanência Estudantil e da Comissão Permanente de Permanência Estudantil, será realizado no câmpus de Bauru, reunidas no evento “Permanência Estudantil e Culturas Afirmativas: 10 Anos Cope e CPPE na Unesp”. O evento é organizado pela Cope com a participação das três unidades do câmpus de Bauru: a Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design (Faac), a Faculdade de Ciências e a Faculdade de Engenharia.

Serão debatidas políticas públicas e de assistência aos estudantes desenvolvidas nas universidades públicas localizadas no estado de São Paulo, tanto nas estaduais Unesp, USP e Unicamp como nas federais Unifesp, UFSCar e UFABC, no contexto da democratização do acesso no ensino superior e da crescente diversidade no ambiente universitário. Nesta segunda-feira, a conferência de abertura “Ações afirmativas em universidades estruturalmente excludentes: contradições, conflitos e soluções” será ministrada pelo professor Naomar de Almeida Filho, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), com transmissão ao vivo pelo canal Oficial da Unesp no YouTube.

Créditos das imagens: Eliete Soares/ACI Unesp (abre) e Eduardo Galhardo/Cope.