Sérgio Hinds: ouvido musical, dedos ágeis e o coração do grupo O Terço

Fundador e mais antigo integrante de banda que é destaque do rock progressivo e do rock rural no Brasil desde os anos 1970, ele gravou alguns dos clássicos do gênero e acompanhou grandes nomes da MPB, como Jorge Ben Jor e Ivan Lins.

“Hey amigo / Cante a canção comigo!”

O leitor do Jornal da Unesp que possui mais de 40 anos com certeza já deve estar familiarizado com este emblemático refrão. E, dentre os mais jovens, aqueles que cultivam um interesse por rock, e por música brasileira de forma geral, também têm grandes chances de toparem com estes versos da canção Hey Amigo, do lendário grupo O Terço em rádios especializadas, ou quem sabe através do Youtube e de outras mídias digitais.

“Hey Amigo foi a canção mais tocada da banda. Foi composta por César de Mercês. Sem dúvida, é um rock que atravessou gerações”, diz Sérgio Hinds, fundador e único membro a participar de todas as fases do grupo, em atividade há mais de cinquenta anos. “Temos uma plateia muito heterogênea. Varia de acordo com a cidade, com o local do show e tal. O público vai se renovando. Os caras que eram fãs do Terço nas décadas de 60 e 70 hoje são avós e dificilmente vão a um show de rock. Mas seus filhos, netos e as novas gerações conhecem o nosso trabalho através do Youtube, e da internet de forma geral”, conta ele.

Natural do Rio de Janeiro, Hinds nasceu em 22 de setembro de 1948. Ainda pequeno, iniciou sua relação com a música, e este começo precoce iria contribuir para que se tornasse uma das referências em guitarra elétrica no país. “Minha mãe era cantora e tocava piano. Depois a minha irmã mais velha começou a tocar piano. Meu pai ouvia muito erudito e música italiana em casa. Após um tempo, quando eu vi a minha irmã tocando, comecei a tentar acompanhá-la, primeiro com a percussão. Posteriormente peguei o violão, comecei a mexer, a tocar alguma coisa… E fluiu. Devia ter aí uns cinco ou seis anos de idade. A partir daí foi uma busca mesmo. Foi tudo intuitivo, no meu caso”, conta.

Ele cita nomes consagrados do instrumento, como Eric Clapton e Santana, que também não receberam praticamente nenhuma educação musical formal. “Posso apresentar uma lista gigante de outros nomes que, assim como eu, não leem uma nota. Foi uma época em que os músicos, principalmente dessa área do rock, eram muito intuitivos”, relata Hinds.

Em linhas gerais, O Terço originou-se basicamente de dois grupos anteriores, denominados Joint Stock Co. e Hot Dogs. “A banda surgiu em 1968, no Rio de Janeiro. A gente já tocava junto num grupo, inclusive havíamos feito um show em Corumbá. Ficamos lá por um tempo. Eu tinha uma Kombi na qual a gente viajava com os instrumentos e tal. Retornei ao Rio para vendê-la. Eu estava na Avenida Rio Branco, próximo ao prédio da Polygram, quando avistei o Paulinho Tapajós, que já conhecia. Ofereci uma carona. Ele me disse que estava trabalhando como produtor na Polygram e produzindo um disco do Ivan Lins. Eu falei que estava com uma banda e perguntei se poderia mostrar o som. Marcamos uma audição com ele e o Eustáquio Sena, que também era da gravadora. Os dois adoraram a banda, rolou o contrato e aí começou tudo. Inicialmente era um trio: eu no contrabaixo, Jorge Amiden na guitarra e Vinícius Cantuária na bateria”, relembra. 

Hinds conta que a escolha do nome do novo grupo foi um episódio à parte, e envolveu algumas polêmicas. “A banda se chamava Os Libertos. Era a época da repressão militar. A tal da “Dona Solange” (funcionária do ministério da justiça que era uma das responsáveis pela censura à produção cultural) , que era famosa no Rio de Janeiro por censurar nomes de bandas, letras de músicas etc. vetou esse nome”, diz.

Como Hinds era cabeludo e barbudo – Ivan Lins até o apelidou de Jesus – e a banda era um trio, pensaram na imagem de Jesus com dois apóstolos. “Resolvemos botar o nome “Santíssima Trindade”. É lógico que não rolou. Piorou, foi vetado até pela Igreja, queriam matar a gente. Então uma publicitária amiga do Tapajós sugeriu ‘O Terço’, pois poderia virar um símbolo. Assim, partimos para esse nome”, conta. A capa do primeiro álbum trouxe um terço de prata com cinco bolas gigantes presenteado por um padre. Intitulado O Terço, saiu em 1970.

Nessa época, O Terço tocava em diversos festivais pelo Brasil. Com a canção Velhas Histórias, composta por Renato Corrêa e Guarabyra, o grupo ganhou o tradicional Festival de Juiz de Fora em Minas Gerais. Em um festival universitário, a banda ficou em 2º lugar defendendo a música Espaço Branco, de Vermelho e Flávio Venturini. Em duas edições do Festival Internacional da Canção (FIC), o grupo também classificou as músicas Tributo ao Sorriso (3º lugar) e O Visitante (4º lugar). Isso lhes valeu o status de grupo revelação pela mídia especializada, com destaque para o vocal trabalhado em falsete, que era uma das características dos músicos. “Viramos uma banda ‘pé quente’ de festivais. Foi muito interessante e enriquecedor poder participar de tantos encontros musicais”, lembra o músico. 

A fase áurea e a formação clássica se consolidaram em 1975, com Hinds na guitarra, Sérgio Magrão no baixo, Luiz Moreno  na bateria e Flávio Venturini no teclado e viola. Juntos, gravaram o terceiro disco, Criaturas da Noite. A capa do disco foi elaborada por Antônio e André Peticov e foi chamada de A Compreensão. O disco traz o clássico Hey Amigo, e outros elementos, como a sonoridade do rock rural presente nas faixas Queimada e Jogo das Pedras (ambas de Flávio Venturini e Cezar de Mercês). A faixa-título, de Flávio Venturini e Luiz Carlos Sá, conta com os arranjos de orquestra do maestro Rogério Duprat. O disco também apresenta as instrumentais Ponto Final e 1974. Visando mercado internacional, a banda gravou o vocal deste disco em inglês e lançou o álbum Creatures of the Night.

Já em 1976, os músicos foram morar juntos em uma fazenda, em São Paulo. Lá, conceberam um novo álbum, intitulado Casa Encantada.  O disco seguiu a mesma linha do anterior, com rock progressivo, músicas instrumentais e a influência do rock rural.  Casa Encantada foi mais um gol d’O Terço, que se consolidou em definitivo como uma banda diferenciada dentro do rock e da música brasileira. Ao longo de sua trajetória, o grupo gravou onze álbuns de estúdio, cinco ao vivo e diversos compactos simples e duplos.

Paralelamente, Sérgio Hinds construiu uma carreira solo como instrumentista, e colaborou em shows e gravações de artistas consagrados da MPB, da qualidade de Jorge Ben Jor, Walter Franco, Ivan Lins e Marcos Valle, entre outros. Outro reconhecimento foi sua inclusão como um dos 70 Mestres Brasileiros da Guitarra e do Violão, em lista elaborada pela revista Rolling Stones Brasil. Em 2021, ao lado do jornalista e pesquisador Nélio Rodrigues, lançou o livro “O Terço – 50 Anos”, pela Editora Ibrasa.

Confira a entrevista completa no Podcast MPB Unesp.