Resultado de eleições na Argentina surpreendeu observadores e deu novo impulso a candidatura do governista Sergio Massa

Especialista em relações internacionais da Unesp analisa os resultados do primeiro turno do pleito presidencial no país vizinho, e especula se o candidato então apontado como favorito, Javier Milei, pode ter batido no teto de seu eleitorado. “Mas eleições seguem em aberto”, diz pesquisador.

Com praticamente 100% das urnas apuradas, o Diretório Nacional Eleitoral Argentino divulgou, na noite de 22/10, os resultados do primeiro turno das eleições presidenciais no país. Em primeiro lugar ficou Sergio Massa, peronista e atual ministro da Economia, com 36,68% dos votos. Javier Gerardo Milei, candidato ultraliberal, amealhou  29,98% dos votos, e disputará o segundo turno com Massa. Em terceiro lugar ficou a conservadora Patricia Bullrich, com 23,83% do total. Menos votados foram os candidatos Juan Schareti, com 6,78%, e Myriam Teresa Bregman, com 2,70%. De acordo com o site do governo argentino, os dados ainda serão confirmados pela Justiça Eleitoral Nacional, até 48 horas após a eleição, quando ocorre o chamado “escrutínio final”.

A votação presidencial teve início às 8h de domingo. No sistema argentino, os eleitores depositam cédulas de papel com seu voto em urnas espalhadas por todo o país.  Segundo a Câmara Nacional Eleitoral da Argentina, o pleito foi marcado por uma abstenção expressiva, registrando o mais baixo índice de comparecimento nos últimos 40 anos.

Durante o processo de votação, a imprensa argentina noticiou uma ameaça de bomba na Casa Rosada, por volta das 17h30 do domingo.  A Polícia Federal e o esquadrão antibombas estiveram no local para inspeção, mas não encontraram artefatos explosivos.

Após a divulgação das primeiras parciais dos resultados, o secretário-geral da Presidência, Julio Vitobello, afirmou que graças ao trabalho de mais de 1.800 digitadores, foi possível chegar ao resultado mais rapidamente do que o esperado.

O resultado da eleição surpreendeu observadores e eleitores. Na etapa das chamadas eleições primárias, que ocorreu em agosto, a chapa de Milei havia conquistado o primeiro lugar. E antes de domingo, boa parte das pesquisas eleitorais apontava a liderança do candidato ultraliberal no primeiro turno.

O desempenho de Massa foi puxado principalmente pelo eleitorado da Província de Buenos Aires. Porém, mesmo assim, ele recebeu a pior votação presidencial do peronismo em quatro décadas.

Matheus de Oliveira Pereira, doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas e membro do GEDES (Grupo de Estudo de Defesa e Segurança Internacional) ligado ao Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp, diz que é possível encontrar algumas pistas para iluminar os resultados do fim de semana.

“Chamo a atenção para a diferença entre o número de votos obtidos por Milei no primeiro turno e os votos que ele recebeu nas primárias. Essa comparação mostra que MileI teve um crescimento de aproximadamente 500 mil votos em relação à etapa anterior. Ou seja, logrou um avanço muito tímido sobre o eleitorado ao longo da campanha do primeiro turno. À primeira vista, isso sugere que esse discurso radical parece ter esbarrado em um teto junto à sociedade argentina. Porém, é claro que muitas pessoas terminaram votando em Patricia Bullrich, outra alternativa à direita”, diz Pereira. “É muito possível, inclusive, que parte do eleitorado de Bullrich acabe migrando para Milei. Mas, de todo modo, acho uma  sinalização interessante o baixo crescimento dele em relação às primárias”, diz.

A observação dos resultados obtidos por Massa nas duas etapas pinta um quadro bem diferente. De agosto para o pleito de ontem, o ministro logrou um crescimento de 3 milhões de votos. Pereira atribui essa ótima performance a dois fatores. “O primeiro deles é a força do peronismo. O movimento possui capacidade de mobilização, de articulação, militância muito forte, estrutura partidária muito relevante. Tudo isso fez muita diferença. Seja porque permitiu mobilizar mais as bases tradicionais do peronismo, seja também para diminuir a abstenção “, que ainda assim foi alta, analisa.

Ele ressalta que os resultados finais surpreenderam analistas políticos, em especial a performance de Massa. “Como o atual ministro da Economia conseguiu mais votos diante do atual cenário econômico da Argentina? Ele foi muito hábil em se desvincular da administração. Por mais que isso não pareça factualmente possível, ele conseguiu, optando por uma campanha que foi mais propositiva do que explicativa. Ele falou mais sobre propostas, sobre ideias, em vez de tentar justificar a situação do país”, diz.

Outro fator importante é que a campanha de Massa evitou o apoio explícito de nomes como o do presidente Alberto Fernandez e da vice-presidente Cristina Kirchner. Ambos evitaram aparecer junto ministro, para impedir que a rejeição à administração se transferisse para o candidato governista.

Por fim, o pesquisador elogia a capacidade que o peronismo demonstrou de alertar muitos segmentos da sociedade quanto ao risco que Milei representa. “Acho que muita gente que não necessariamente teria no peronismo sua primeira escolha terminou fazendo esta opção devido ao receio daquilo que Milei representa. E também por ser um eleitorado de inclinação mais progressista, que igualmente não se vê representado na Patricia Bullrich. É uma espécie de voto no menos pior, mas que nesse caso serviu bastante a campanha do Sergio Massa.”

O alto índice de abstenção nas eleições, em torno de 25%, é sinal de que os mecanismos de representatividade enfrentam sérios problemas. “Embora a abstenção tenha diminuído em relação às primárias, permanece uma das mais altas, senão a mais alta do período democrático. Isso traduz principalmente um certo desencanto de uma parcela expressiva da sociedade argentina. Estamos falando de pouco mais de um quarto da sociedade. Parece um desgaste em relação ao sistema político, em relação às alternativas que estão colocadas”, diz. 

Essa é uma questão a ser pensada e melhor  elaborada tanto pelos analistas, quanto pelos próprios políticos argentinos, “que, de alguma forma, precisam repensar estratégias para se reconectar com uma parcela grande da população que não reconheceu, em nenhuma das alternativas, motivo suficiente para sair de casa e votar”, diz.

O pesquisador ressalta que nada está definido. “Me parece que o jogo está aberto. Sem dúvida, o resultado foi um revés para a campanha de Milei, que, embora falasse em ganhar no primeiro turno, sabia que seria muito difícil. Mas, havia a expectativa de que ele alcançasse um resultado melhor e que terminasse em primeiro lugar. Esse resultado deu um fôlego adicional para a campanha de Sérgio Massa”, diz. “Acho que uma questão a ser observada nos próximos dias é em que medida os dois candidatos irão atingir seus tetos de popularidade. Será que o Massa consegue avançar sobre parcelas importantes de eleitorado? Será que o Milei consegue ampliar seu eleitorado?”, questiona.  

Outro ponto importante é o futuro posicionamento da candidata Patrícia Bullrich, da coalizão Juntos pela Mudança. Ela já deu algumas sinalizações de que não endossaria, de modo algum, a candidatura de Massa, e inclusive que não reconheceria uma eventual vitória dele. “A coalizão Juntos pela Mudança envolve mais de um partido e nem todos dirigentes já se manifestaram sobre um eventual apoio. O cenário está muito aberto, e não será uma eleição fácil”, diz.

Ouça abaixo a íntegra da entrevista ao Podcast Unesp.

Imagem acima: zona eleitoral na Argentina recebendo eleitores. Crédito: Câmara Nacional Eleitoral da Argentina. Reprodução do Instagram.