Docente da Unesp é o primeiro físico brasileiro a ganhar o prêmio por contribuições na área de dinâmica não linear

Desde 2006, grupo de pesquisa liderado por Edson Denis Leonel utiliza ferramentas da mecânica estatística para estudar transições de fase em sistemas caóticos. Cerimônia do prêmio V. Afraimovich acontece segunda-feira em Istambul.

Edson Denis Leonel, pesquisador do Departamento de Física da Unesp, campus Rio Claro, foi contemplado com o prêmio V. Afraimovich, concedido pela Conferência Internacional em Ciência Não Linear e Complexidade. Voltada para jovens pesquisadores que se destacam no campo de estudo, a premiação é um reconhecimento às contribuições do físico e do seu grupo de pesquisa aos estudos de transições de fase em sistemas não-lineares, um campo emergente da física que, entre outras coisas, descreve sistemas caóticos.

O conceito de sistema faz parte de nossa vida cotidiana, ainda que muitas vezes essa presença não seja tão óbvia para quem não é físico. Os exemplos de sistemas com que nos deparamos no dia a dia vão desde os mais simples, como a transição da água para o gelo, ou um copo que cai e se quebra, que são chamados de lineares, até fenômenos complexos, como a progressão de uma epidemia ou os eventos meteorológicos, que são classificados como sistemas não lineares.

A principal diferença entre um sistema linear e um não linear é que o primeiro apresenta um comportamento previsível. Por exemplo, se você colocar um copo de água no congelador, ele irá esfriar até atingir 0ºC e a água começará a congelar, passando do estado líquido para o sólido. Já os sistemas não lineares são caracterizados por comportamentos mais complexos e imprevisíveis. Além disso, o estado futuro desse tipo de sistema é suscetível a sofrer alterações radicais a partir de pequenas mudanças no seu estado atual. Essa propriedade faz com que a previsão do resultado final de um sistema complexo seja sempre um desafio. Um exemplo desse desafio seria pensar como uma pessoa com alguma enfermidade transmissível no interior de São Paulo pode impactar na evolução de uma epidemia ao viajar para outros destinos.

As contribuições de Leonel para esse campo envolvem a aplicação, de maneira inovadora, de ferramentas da mecânica estatística na análise de sistemas não lineares. A mecânica estatística é um campo antigo e já consolidado da física, que relaciona os níveis microscópicos e macroscópicos de um sistema. A partir dela, é possível estudar o comportamento de sistemas que são constituídos por grande quantidade de componentes microscópicos, como átomos ou moléculas, observá-los e mensurar as formas pelas quais irão impactar o comportamento macroscópico do sistema. Aliada à termodinâmica, a mecânica estatística permite uma compreensão aprofundada dos mecanismos envolvidos nas chamadas transições de fase, como a mudança do estado líquido para o sólido.

O grupo de pesquisadores de Rio Claro tem dedicado especial atenção à descrição desse ponto de transição entre um estado e outro nos últimos 18 anos, buscando maneiras de aplicar os conhecimentos obtidos em transições de fase de sistemas lineares para entender as transições naqueles que são não lineares. “Nós quisemos utilizar um conjunto de ferramentas muito bem estabelecido, que é o da física estatística, para descrever as transições da dinâmica não linear, como do caos para a regularidade, e vice-versa”, explica Leonel. Desde a criação do grupo, em 2006, os pesquisadores já publicaram mais de 160 artigos sobre o assunto, em revistas científicas como a Chaos, Solitons & Fractals e a Journal of Statistical Physics. “A utilização, bem-sucedida, dessas ferramentas estabeleceu uma ponte entre as duas áreas e eu diria que esse é o sucesso do nosso grupo de pesquisa”, completa o físico.

A busca pelo caos

Leonel conta que, para investigar transições de fase em sistemas não lineares, uma característica essencial é que o sistema tenha condições de apresentar caos. Caos, nesse caso, é um termo técnico, e implica que o sistema apresenta condições iniciais bem conhecidas, mas cujo comportamento irá evoluir de maneira imprevisível. Um exemplo clássico dessas condições é o chamado efeito borboleta. Neste exemplo, questiona-se a possibilidade de que uma pequena mudança nas condições iniciais de um sistema, como o impacto sobre a atmosfera do bater das asas de uma borboleta no meio da floresta, pode escalar e levar a resultados significativos e imprevisíveis, como um tufão em outra parte do mundo. Assim, o grupo deve identificar o momento exato em que o sistema passa da regularidade para o caos e determinar as características físicas daquela condição. “O que nós fazemos é buscar pelas condições que caracterizam a regularidade e diferenciar daquelas que levam à perda de previsibilidade. Quando o sistema passa de regular para caótico, há uma mudança de fases. É nesse ponto que aplicamos a teoria da física estatística e caracterizamos o tipo de transição”, explica Leonel.

O insight de aplicar ferramentas da mecânica estatística em dinâmicas não lineares surgiu enquanto o físico cursava o doutorado, e observava as pesquisas de um colega que estava trabalhando com transições de fase em sistemas lineares. “Eu notei que algumas das interfaces que ele estudava apresentavam padrões parecidos com os das minhas séries caóticas”, lembra. Com essa constatação, o físico enxergou a oportunidade de explorar as transições de fase dentro de dinâmicas não-lineares. “Eu olhava o sistema dele, que não tinha nada de caos, e olhava o meu, que era um sistema caótico, e via semelhanças. Ali se estabeleceu a conexão entre buscar as ferramentas que ele utilizava, na física estatística, para caracterizar os sistemas caóticos que eu trabalhava”, completa.

O pesquisador reforça que o trajeto entre o insight inicial e a premiação foi extenso e envolveu o aperfeiçoamento da aplicação da teoria, o aprendizado constante e cada vez mais aprofundado da matemática e, também, a colaboração de diversos pesquisadores, entre estudantes e colegas nacionais e internacionais. “Essa premiação é uma validação de mais de 20 anos de pesquisa. Para mim significa muito, é um reconhecimento ao meu trabalho, às horas de dedicação, às noites maldormidas nas quais fiquei pensando nos problemas”, comenta Leonel, que é também o primeiro brasileiro a ser indicado ao prêmio. E ressalta que, sozinho, não teria chegado a este ponto. “Esse reconhecimento deve ser estendido para todas as entidades que me apoiaram e ao meu grupo de pesquisa. A nossa Unesp querida, a Fapesp, o CNPq, todos devem ser igualmente reconhecidos. São parceiros de trajetória”, reconhece.

A premiação será realizada nesta segunda-feira (10), no primeiro dia da Conferência Internacional em Ciência Não Linear e Complexidade, em Istambul, na Turquia. Ao todo, foram distribuídos oito prêmios, entre pesquisadores internacionais, para diferentes categorias, abrangendo contribuições de pesquisadores seniors, descobertas extraordinárias e estudiosos destacados. Para marcar a ocasião, os oito laureados apresentarão seminários sobre sua pesquisa. Com viagem marcada para esta sexta, Leonel estará presencialmente no evento e apresentará a palestra “Caracterização de uma transição de fase contínua em um sistema caótico”.

Imagem acima: ilustração de um atrator de Lorenz, mapa que mostra a evolução de um sistema não linear.