Postura de Lula no G7 pode projetar Brasil como referência de país não alinhado, avalia docente da Unesp

Professor de Relações Internacionais, Hector Saint-Pierre diz que opção brasileira de defender solução negociada para guerra na Ucrânia, denunciar crescente tensão entre blocos internacionais e criticar a ONU cria espaço para que país atue de maneira pragmática em defesa dos seus interesses e pode sinalizar possibilidade de neutralidade também a outras nações.

A postura de contestação e crítica ao poder das nações mais industrializadas do mundo adotada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante sua participação na 49ª reunião do G7, que terminou  em 21/5, no Japão, ganhou a atenção da mídia mundial e levantou muitos questionamentos. No encerramento do encontro, Lula criticou o modo como as potências lidam com as crises geopolíticas e afirmou que é “preciso romper com a lógica de alianças excludentes e de falsos conflitos entre civilizações”. 

O G7, ou grupo dos Sete, é o agrupamento dos países com as maiores economias do planeta de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Este fórum representa metade da economia mundial e reúne-se  periodicamente para debater questões relacionadas à economia. O evento ocorreu em Hiroshima e teve início em 19/5.  Participaram líderes e representantes de Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido. O Brasil integrou a reunião da cúpula  na condição de convidado.


Em suas intervenções, Lula disse que a multipolaridade que o Brasil almeja é baseada na primazia do direito internacional e na promoção do multilateralismo. Reeditar a Guerra Fria, enfatizou, seria uma insensatez, e dividir o mundo entre Leste e Oeste ou Norte e Sul seria tão anacrônico quanto inócuo. Também defendeu a superação da lógica geopolítica que leva à criação de alianças excludentes e de falsos conflitos entre civilizações. “O mundo já não é o mesmo. Guerras nos moldes tradicionais continuam eclodindo, e vemos retrocessos preocupantes no regime de não-proliferação nuclear, que necessariamente terá que incluir a dimensão do desarmamento. As armas nucleares não são fonte de segurança, mas instrumento de extermínio em massa que nega nossa humanidade e ameaça a continuidade da vida na Terra”, disse.

Ao tratar da guerra na Ucrânia, Lula declarou que “nenhuma solução será duradoura se não for baseada no diálogo” e que é necessário “trabalhar para criar o espaço para negociações”. “Repudiamos veementemente o uso da força como meio de resolver disputas. Condenamos a violação da integridade territorial da Ucrânia. Ao mesmo tempo, a cada dia em que os combates prosseguem, aumentam o sofrimento humano, a perda de vidas e a destruição de lares.”

O posicionamento contestador de Lula chamou a atenção de especialistas em política externa e de parte da mídia nacional e internacional. 

Héctor Luis Saint-Pierre, professor especialista em segurança internacional e coordenador-executivo do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp, vê o posicionamento de Lula como firme e coerente, e avalia que contribuiu para fortalecer a internacionalização do Brasil.

“De forma geral, a agenda do G7, que deve ser pautada em sua grande parte sobre questões econômicas, não se cumpriu por conta da pressão norte-americana para discutir a guerra na Ucrânia. A posição do Brasil foi clara e boa. Em seu discurso, Lula criticou a ONU, e a ONU é criticável pelo posicionamento que adotou nos últimos conflitos. Eu acho que a posição de Lula foi coerente, firme e extremamente plausível”, diz. “Obviamente que isso pode ferir interesses, pode ferir a imprensa corporativa que têm outros interesses. Mas para o Brasil, neste momento, manter uma neutralidade não é apenas favorável para que possa eventualmente  entrar na discussão como mediador, mas também permite uma posição de não alinhamento com nenhum bloco. Isso dá a possibilidade de atuar em função dos seus interesses de maneira pragmática e não alinhada com nenhum dos polos. Eu destaco que foi um resultado muito positivo para o Brasil. Este posicionamento irá atrair posições de outros países que queiram se  alinhar com essa terceira posição de neutralidade, e pode fortalecer internacionalmente o país como liderança internacional.”

Saint-Pierre relata que a diplomacia brasileira sempre teve um brilho próprio no mundo, mas que estava em vias de perder este destaque. Com o governo Lula o país está começando a se recuperar esse status. “Lula sempre teve um bom reconhecimento internacional. Ele é percebido como um grande líder. O tamanho do Brasil e a sua importância para a América do Sul, a América Latina e para o  mundo fazem do país um parceiro relevante. O seu posicionamento, portanto, é significativo, e por isso há tanta expectativa “, diz.

Dentre os acontecimentos que mais ganharam destaque durante a cúpula esteve o encontro frustrado entre Lula e o  presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky. O presidente brasileiro disse que o líder ucraniano se atrasou para a reunião bilateral e depois não apareceu para o encontro. Já segundo o vice-chefe de gabinete da Presidência da Ucrânia, Ihor Zhovkva, o desencontro ocorreu devido ao “conflito de agendas”. Saint-Pierre comenta a reverberação midiática do episódio.

“O Brasil é uma potência média, e a Ucrânia é uma potência que está em guerra e que precisa do apoio político do Brasil. Insisto que o apoio político brasileiro não é só do Brasil, pois pode trazer junto outros posicionamentos. Então, é o Zelensky que tem que se movimentar para chegar ao encontro com o Lula e não vice-versa. Lula foi muito gentil em dar três oportunidades de encontro em três horários e o Zelensky não atendeu. Possivelmente não atendeu por pressões externas. Não há interesse na negociação , especificamente por parte do atual presidente dos Estados Unidos, porque isso seria um fracasso político frente às próximas eleições internas. Houve muito investimento econômico dos Estados Unidos para que se conduza agora alguma negociação.”

O professor da Unesp diz que não cabe ao Brasil apontar os termos da paz, e nem a ninguém, porque deverão ser resultado de negociações. “O que importa agora é as duas partes sentarem para começar a negociar. Na medida que as duas partes começarem a negociar significa que não há guerra e sim uma trégua. Uma trégua não é paz, um armistício não é paz. Mas, nessa situação encontram-se vários países, a Ucrânia não é a única nação em guerra. Lula está correto em defender que não haja condições prévias para negociar. Não há resolução de conflito colocando outras precondições além do lugar onde as negociações vão ocorrer e quem vai negociar. Esta guerra está sendo levada de maneira a gerar desgaste. A solução é pararem de se matar e negociarem”, diz.

Ouça abaixo a íntegra de análise de Héctor Luis Saint-Pierre.