Índia se torna nação mais populosa do planeta ao mesmo tempo que experimenta boa fase na economia

ONU estima que país ultrapassou a China por três milhões de indivíduos, e contaria com 1,428 bilhão de habitantes. Em 2022, já havia tomado da Inglaterra o posto de quinta maior economia. Mas crescimento combinado não é garantia de solução para novos e antigos desafios.

De acordo com projeções da Organização das Nações Unidas (ONU), a Índia se tornou oficialmente a nação mais populosa do planeta, ao ultrapassar a China, que até então liderava o ranking, em algum momento no fim do mês de abril. É a primeira vez que a China deixou de ocupar a primeira posição, desde que o ranking de população começou a ser elaborado pela ONU, na década de 1950. A data precisa em que esta mudança ocorreu não foi informada.

De acordo com os dados da ONU, a população da Índia bateu em 1,428 bilhão de habitantes, tornando-se ligeiramente superior à da China, que é estimada em 1,425 bilhão. O país ocidental mais bem classificado são os EUA, que com sua população de 340 milhões fica em terceiro lugar do ranking. O Brasil ocupa o 7º lugar, com 216 milhões, atrás de Indonésia, Paquistão e Nigéria.

Embora na prática China e Índia apresentem hoje populações equivalentes, há importantes diferenças em suas demografias. No gigante comunista, a  população está mais envelhecida, e o crescimento vegetativo parece ter estagnado. Esse perfil demográfico é o resultado de decisões tomadas pelas lideranças chinesas ainda nos anos 1980, quando se instaurou a política estatal do filho único. Essa política impedia casais de gerarem mais de um rebento. Embora tenha sido formalmente encerrada em 2015, seus impactos permanecem, e projeções demográficas indicam que, em 2050, a população chinesa será 8% inferior à atual.

Já na Índia, o cenário é de um percentual bem maior de jovens na população total, uma taxa de fertilidade mais alta e uma queda acentuada na mortalidade infantil nas últimas três décadas. A ONU projeta uma continuidade do crescimento da população indiana pelas próximas décadas, que deve alcançar um pico em 2064, com 1,7 bilhão de pessoas.

A Índia também tem ganhado destaque por seu crescimento em outras áreas. Em 2022, segundo os últimos números do Fundo Monetário Internacional, o país asiático se tornou a quinta maior economia mundial, ultrapassando o Reino Unido. O crescimento populacional contribuiu para o crescimento no PIB indiano. Já a Inglaterra experimentou uma queda no seu PIB devido a fatores como o Brexit e a possibilidade de uma recessão.

João Paulo Nicolini, mestre pelo programa de Pós-Graduação San Thiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP) e doutorando em Ciência Política pelo regime de cotutela entre a UFMG e Universidade Católica de Louvain (Bélgica), analisa os efeitos cruzados entre os crescimentos populacional e econômico da Índia, e os possíveis impactos que podem acarretar sobre o futuro.

“Existe um amplo debate na economia sobre o crescimento populacional. Algumas partes pensam que quando um país vive um crescimento nas faixas da população em idade para adentrar o mercado de trabalho, o resultado será o crescimento da riqueza e a promoção do crescimento econômico. Hoje, a média de idade dos indianos é de 28 anos, e cerca de 45% a 50% da população possui até 25 anos. É uma sociedade relativamente jovem, na qual existe uma pressão sobre o mercado de trabalho por novas vagas de emprego.”

Nicolini alerta que a movimentação resultante da combinação de crescimento econômico e populacional resulta em grandes desafios para a economia indiana. Ele diz que uma das grandes dificuldades do governo Narendra Modi, que empreendeu campanhas para reduzir a burocracia, facilitar o comércio e fomentar o empreendedorismo no país, é conseguir promover alguma reforma trabalhista de alcance nacional. Segundo dados do governo e de agências internacionais, 80% das pessoas no mercado de trabalho estão na informalidade, o que afeta a capacidade de criação de riqueza. Daí as várias medidas adotadas para atacar os problemas suscitados pela informalidade, que incluem a criação de novas formas de contas bancárias, a fim de bancarizar a população, reduzir a utilização de papel-moeda e facilitar o comércio por vias eletrônicas. “A Índia é um país em que o mercado de trabalho experimenta grandes dificuldades. Entre elas, a de criar vagas para absorver os mais jovens. E nesse sentido, o crescimento populacional da Índia é um grande desafio”, explica.

Segundo o pesquisador, hoje, os países emergentes que crescem economicamente têm lutado com desafios parecidos. “A Indonésia sempre teve esse problema, e a Nigéria agora também enfrenta algo semelhante”, diz .

Ele diz que o crescimento populacional  traz vantagens e problemas. Por um lado, a introdução de mais pessoas no mercado de trabalho poderá resultar fortalecer a pujança que a economia indiana tem mostrado dentro do cenário internacional, principalmente no setor de serviços. Mas, a nação segue com dificuldades, por exemplo, no setor industrial. “É um setor da economia que ainda não alcançou a dinâmica que o governo gostaria que tivesse. É preciso lembrar que mais de 60% da população indiana ainda é rural. Isso, atrela muitas pessoas a uma economia de menor valor agregado, principalmente nas regiões mais pobres, que estão configuradas mais ao norte do território”, diz.

Já em relação ao prestígio da Índia junto à comunidade internacional, Nicolini diz que essa pauta sempre foi relevante para história do país, que tem procurado se mostrar um player ativo e relevante desde a sua independência, em 1947.

“Existem fatores como a questão geopolítica,e a forma como a Índia é “cortejada” pelas grandes potências, que impulsionam essa visão de crescimento. Temos um país cuja posição internacional é construída por seu investimento em Big Science e nas ciências duras”, diz. Isso inclui áreas como as indústrias de tecnologia nuclear e a medicina. Esse política de fomento, ensejada pelo governo indiano, buscava projetar uma imagem de modernidade e de capacidade de superar eventuais desafios propostos dentro da ordem internacional, na qual o país sente que ainda ocupa uma posição subjugada.

“Além disso, vale destacar a presença da diáspora indiana, principalmente em potências internacionais como os Estados Unidos e Inglaterra. Há um amplo fluxo de pessoas e comércios e serviços que faz com que a Índia seja muito influente em questões domésticas dessas grandes potências”, diz. 


Ouça a entrevista completa no Podcast Unesp.

Foto acima: Multidão em ritual religioso na cidade de Amravati, Índia, em 2013. Crédito: Deposit Photos.