Coroação de Charles III faz o mundo voltar os olhos para a Grã-Bretanha

Incorporando pautas inclusivas e ambientais, coroação de Charles III realça tanto continuidade como modernização da monarquia no Reino Unido.



Toda a pompa, simbolismo e tradição da realeza britânica, temperados por vários aspectos curiosos, vão estar na mira dos olhos do planeta neste sábado, quando ocorre a coroação do Rei Charles III. O ato, que ocorrerá na Abadia de Westminster, em Londres, entroniza publicamente o novo monarca como líder do império britânico quase oito meses após a morte da rainha Elizabeth II. É a primeira coroação de um monarca britânico no século 21 e a 40.ª a ser realizada na Abadia de Westminster desde 1066.

Sua esposa, a rainha consorte, Camilla também será coroada, pois a tradição atribui o título à esposa do rei vigente. Em linhas gerais, uma rainha consorte tem a mesma posição social e o status do esposo. Porém, historicamente, não possui os mesmos poderes políticos.

De acordo com a mídia britânica, a cerimônia deverá ser mais curta, mais inclusiva no que diz respeito a religiões e comunidades, e também mais barata do que coroações anteriores.  Além disso, pautas ambientais defendidas por Charles, o risco de recessão econômica que aflige os britânicos e as mudanças no modo como a sociedade enxerga a monarquia também parecem ter influenciado na estrutura do evento.

O evento, cuja operação de segurança pelas ruas de Londres recebeu a denominação de Operação Orbe Dourada, seguirá no domingo e na segunda-feira, com celebrações no Reino Unido e em 14 países onde o rei Charles III é considerado chefe de Estado. Outros eventos também são esperados nos 56 países da Commonnwealth (Comunidade das Nações), um conjunto de antigas colônias britânicas.

Atualmente, Charles III é reconhecido como chefe de Estado pelos seguintes países: Antígua e Barbuda, Austrália, Bahamas, Belize, Canadá, Granada, Jamaica, Nova Zelândia, Papua Nova Guiné, Ilhas Salomão, Santa Lúcia, São Cristóvão e Névis, São Vicente e Granadinas e Tuvalu.

Apesar do histórico de imbróglios familiares, os principais integrantes da família real britânica foram convidados para a coroação de Charles III e Camilla. Entre os que confirmaram presença na cerimônia está o príncipe Andrew, irmão do rei, e o príncipe Harry, filho do rei. No entanto, sua esposa, Meghan Markle, e seus filhos, Archie e Lilibet, não comparecerão à cerimônia. A presença do casal era uma dúvida, pois eles se desvincularam dos deveres oficiais da realeza em 2020 e, desde então, estão no centro de diversas polêmicas envolvendo a família real.

A coroação terá cerca de 2 mil convidados. Entre eles estão 850 representantes da comunidade e voluntários, dos quais 450 são pessoas que ajudaram o Reino Unido durante a pandemia de Covid-19. Membros da realeza e chefes de Estado de outros países também foram convidados, assim como celebridades e integrantes da aristocracia britânica.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva confirmou presença na cerimônia. Ele será acompanhado da primeira-dama, Janja. Já em relação às outras lideranças mundiais, confirmaram presença Emmanuel Macron, presidente da França, Frank-Walter Steinmeier, presidente da Alemanha, Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, entre outros. Não está claro se os presidentes Vladimir Putin, da Rússia, Xi Jinping, da China, e Volodymyr Zelensky, da Ucrânia, foram convidados para o evento. Até o momento, eles não confirmaram presença. O presidente Joe Biden disse que não irá à celebração, mas confirmou a presença da esposa, Jill. Até hoje, nenhum líder norte-americano em exercício compareceu a uma coroação britânica.

Angélica Saraiva Szucko, pesquisadora do Observatório de Regionalismo ligado ao Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp, mestre e doutora em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília, acredita que a coroação de Rei Charles III realça continuidade e modernidade da monarquia no Reino Unido.

“Este evento é um momento único na história do Reino Unido. Afinal, a última coroação ocorreu em 1953, quando Elizabeth II assumia o trono. Era um momento histórico e político do pós Segunda Guerra Mundial. O Reino Unido ainda se entendia como uma grande potência mundial e estava se posicionando no mundo. Agora, o Charles ascende ao trono já no século 21, num cenário muito diferente “. “A coroação é um momento marcado por um uma grande simbologia de unidade nacional e representa a manutenção de todos os ritos, de toda essa tradição que é a monarquia britânica. E que para além desse efeito de ser um fator de coesão dentro do Reino Unido, também é um grande atrativo para o país. Há também todo o apelo turístico que a monarquia exerce. “

Segundo a pesquisadora, de modo geral, por mais que Charles seja o rei mais velho a assumir essa posição, a coroação é relevante para continuidade e novos tempos para a monarquia. “Existe uma grande expectativa de atualização, porque o Charles sempre defendeu uma maior modernização dentro do Reino Unido. Também procurou reconstruir a sua imagem dentro do país após a morte da Lady Di, daí a oficialização do seu relacionamento com a Camila Parker. Inclusive, Camilla recebeu a concessão da rainha Elizabeth para que quando viesse ser coroada pudesse ser chamada de rainha consorte também.

Ainda que o rei seja um chefe de Estado e tenha uma função muito mais protocolar e cerimonial e que, no caso do Reino Unido, o primeiro-ministro, atualmente Rishi Sunak, seja o chefe de governo e é quem dirige a política oficialmente do país, espera-se que o rei Charles III tenha um maior envolvimento ao menos em duas áreas que a ele são muito caras: a primeira é a área ambiental. Ele sempre foi um ativista ambiental e climático e esse é um ponto que acaba sendo bem alinhado com as prioridades do século 21 e que traz um pouco de modernidade às ações que essa monarquia deverá tomar. Outro tema muito importante para o rei é a defesa de maiores oportunidades para os jovens, tanto oportunidade de estudo como de trabalho. “Ele criou uma organização para incentivar esses trabalhos da juventude. Então, em um momento que o Reino Unido também passa por uma crise econômica, essa é uma área que com certeza o rei Charles deve atuar”, explica a pesquisadora.

Ainda de acordo com a pesquisadora, atualmente, o Reino Unido vive um momento bem diferenciado. O primeiro-ministro britânico Rishi Sunak é de origem indiana e segue a religião hindu. Na Escócia, há também um novo primeiro-ministro que é de origem paquistanesa e é muçulmano. Ou seja, nenhum deles é cristão, nem está vinculado à igreja anglicana, algo inédito na história do país. “Existem alguns elementos nesses ritos que vão ocorrer durante a coroação que vão tentar refletir um pouco mais essa ideia de se aproximar da população e de que vive-se agora em  uma monarquia do século 21. Haverá uma tentativa de apresentar maior diversidade entre os convidados, mostrar que os custos devem ser mais enxutos, pois o Reino Unido também passa por um momento de crise econômica e precisa buscar soluções, além de elementos ambientais, presença de bispas para além de bispos… São elementos de modernidade na cerimônia de coroação que sinalizam novos tempos da monarquia.”

Ouça no link abaixo a íntegra da entrevista.

https://podcast.unesp.br/17290/com-pautas-inclusivas-e-ambientais-coroacao-de-rei-charles-iii-realca-continuidade-e-modernidade-da-monarquia-no-reino-unido

Foco acima: Charles em Jersey, em 2012. Crédito: Wikkimedia Commons