O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentou a nova regra fiscal do governo em entrevista a jornalistas nesta quinta-feira (30), em Brasília. O novo arcabouço fiscal deve ter como base regras para gasto e superávit primário.
Após a apresentação, a proposta segue para debate no Congresso Nacional. De acordo com Haddad, o texto deve ser enviado ao legislativo na próxima semana.
Fernando Haddad já havia informado, durante a semana, que o governo do presidente Lula encaminhará ao longo de 2023 ao Congresso Nacional propostas para que quem atualmente não paga impostos no Brasil passe a pagá-los. Haddad disse que existem setores da economia que, ao longo dos anos, foram excessivamente beneficiados com incentivos tributários sem em troca gerar o resultado esperado para a economia.
“Nós temos que fazer quem não paga imposto pagar. Temos muitos setores que estão demasiadamente favorecidos com regras que foram sendo estabelecidas ao longo das décadas e que não foram revistas por nenhum controle de resultado”, disse o ministro. “Vamos ter que enfrentar a agenda contra o patrimonialismo e acabar com uma série de abusos que foram cometidos contra o Estado brasileiro, contra a base fiscal do Estado brasileiro ao longo dos anos”, afirmou.
De acordo com Haddad, essas “medidas saneadoras” devem gerar entre 100 bilhões e 150 bilhões de reais até o final deste ano e servirão para cobrir o que chamou de “buraco” que ele apontou que o governo Lula herdou da gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Antes do pronunciamento, o ministro da Fazenda apresentou a proposta ao presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e a líderes partidários da Casa. Na noite da quarta-feira (29), o ministro havia se reunido com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e líderes da Casa Baixa — logo após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) bater o martelo sobre a proposta. O quórum para aprovação de projeto de lei complementar é maioria nas duas Casas do Congresso (41 senadores e 257 deputados). A votação no Senado é feita em turno único, mas na Câmara realiza-se em dois turnos.
A proposta do governo com “essa maratona” de contatos era garantir que os parlamentares conhecessem detalhes da regra por meio da Fazenda e não de possíveis vazamentos.
Álvaro Martim Guedes, professor e especialista em administração pública da Unesp em Araraquara, acredita que a proposta de regra fiscal apresentada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad é flexível e pertinente para o Brasil.
“A proposta apresentada ontem pelo ministro da fazenda Haddad tem uma diferença substantiva em relação ao modelo que havia anteriormente, que era o de teto de gastos, no aspecto que é o mais pertinente, eu diria, que é não ser rígida. É mais flexível. A intenção do teto de gastos era impor uma disciplina fiscal por uma restrição absoluta. Agora o que se pretende é impor uma disciplina fiscal, não por uma restrição absoluta, mas decorrente da variação do que interessa. O comportamento da receita é que vai passar a condicionar o volume de despesa. Isso é bastante inteligente. É mais oportuno assim fazer”.
De acordo com o professor da Unesp, outra questão importante é que a proposta resguarda duas áreas estratégicas, educação e da saúde. Isso é importante não só por sua relevância mas pela natureza dos dois setores como fundos que se administram em separado das contas públicas. É o que acontece na prática. No âmbito do município, por exemplo, maneja-se um conjunto de gastos mas que não inclui a educação e a saúde, que são sempre tratados em separado, pois o amparo constitucional de obrigatoriedade dessas despesas é muito forte.
“Nesse sentido, a proposta do ministro Haddad, de consagrar essa separação de qualquer disciplina fiscal, além de constitucionalmente mais condizente, é também naturalmente algo importante. Não se pode colocar esse tipo de despesa no mesmo nível de outras de menor importância relativas ao setor público. Porque elas têm efeitos estratégicos muito relevantes. E em que pese a tecnicidade, os detalhamentos da proposta que será necessário observar com calma, a proposta soa inteligente. Tem uma só questão que é a questão dos investimentos. Condicionar os valores da receita num piso dá para fazer investimentos”, explica.
Segundo Guedes, a possibilidade de que o setor público possa fazer investimentos é sempre um dilema complexo. Porque naturalmente esse setor experimenta oscilações cíclicas de arrecadação de receita, e por outro lado tem que lidar com a rigidez para suas despesas. A criação de uma poupança do setor público para garantir investimentos vai ficar condicionado a ciclos. Mesmo que se estabeleça um piso, não vai ser o suficiente. O que seria mais interessante, e é o que parece que está na alça de mira para ser debatido, é a criação de um marco legal um pouco mais substantivo, um pouco mais aprimorado para as chamadas parcerias público-privadas.
“No Brasil, diferentemente do que acontece no resto do mundo, as chamadas PPPs clássicas, por assim dizer, que são mais substantivas, não alcançaram a escala que poderiam ter obtido. O que isso quer dizer? Nós temos uma série de defasagens de investimento em vários setores: ferrovias, aeroportos, estradas e portos”, diz. “Então, ao meu entender, a única questão que é passível de uma discussão um pouco mais detalhada é justamente esse piso para investimentos. Mas no resto não. É uma proposta bastante interessante e que vai ter uma é uma praticidade. Não vejo grandes dificuldades em compreendê-la ou aceitá-la. E aponta numa direção de estabilidade, e, naturalmente, de pacificação de ânimos, para a gente pensar o que interessa, que é desenvolver o nosso país, o que é muito importante para todos. “
Ouça a seguir a entrevista no Podcast Unesp.
Foto acima: Haddad e a ministra do Planejamento, Simone Tebet, durante coletiva de imprensa. José Cruz/Agência Brasil