Reconstrução diplomática e retomada do prestígio na arena das relações internacionais dão tom de visita de Lula à China

Especialista em relações internacionais analisa viagem do presidente ao país asiático a partir da próxima semana. Tamanho da comitiva e grande número de acordos na agenda sinalizam retorno de proximidade na relação entre países, abalada nos últimos quatro anos.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), estará na China entre os dias 26 e 31 de março, a convite do presidente chinês Xi Jinping, para tratar temas da ampla pauta bilateral, incluindo comércio, investimentos, reindustrialização, transição energética, mudança climática, paz e segurança mundial.

A visita ganha importância global em meio às incertezas sobre o fim da guerra entre Rússia e Ucrânia, que completou um ano em fevereiro, mas a expectativa de analistas é que a pauta econômica e comercial esteja mais em evidência durante a viagem oficial do petista às cidades de Pequim e Xangai.

A informação foi confirmada pela ministra adjunta dos Negócios Estrangeiros da China e porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do país, Hua Chunying, e pelo próprio governo brasileiro em nota. De acordo com a  ministra-adjunta do país asiático, Brasil e China são grandes nações em desenvolvimento e importantes mercados emergentes. Segundo Chunying, os países são “parceiros estratégicos globais” e têm formado um exemplo de solidariedade, cooperação e desenvolvimento comum entre os grandes países em desenvolvimento. A ministra-adjunta declarou também que a ida de Lula à China levará a parceria a um novo patamar.

Durante esta viagem, centenas de empresários e políticos devem acompanhar Lula, entre eles lideranças como o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Entre os integrantes do governo que participarão da comitiva estão previstos os nomes de Mauro Vieira, ministro das Relações Exteriores; Fernando Haddad, ministro da Fazenda; Carlos Fávaro, ministro da Agricultura; Nísia Trindade, ministra da Saúde; Luciana Santos, ministra da Ciência e Tecnologia; e Celso Amorim, chefe da assessoria especial de Lula entre outros. O Planalto trabalha com a expectativa de fechar mais de 30 acordos em diversas áreas. Porém, os chineses sinalizaram entre 15 e 20 acordos.

Marcos Cordeiro Pires, professor especialista em economia e política internacional do câmpus da Unesp em Marília e vice-coordenador do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais “San Tiago Dantas” (Unesp, Unicamp e PUC-SP), considera que a viagem de Lula será de suma importância para a reconstrução diplomática entre as nações, e ampliação na visibilidade do Brasil na arena das relações internacionais.

“Em primeiro lugar, a gente tem que chamar atenção para o tamanho da delegação organizada pelo Brasil para a visita. É um contingente enorme, que conta com a participação de políticos de partidos da base do governo e da oposição. Conta também com a presença do empresariado e de líderes do Congresso Nacional. Isso representa a volta do Brasil para o grande palco das relações internacionais. Merece destaque a participação do agronegócio porque há uma grande concentração de empresários e de associações ligadas à produção ou processamento de carne bovina, suína e de frango. Nesse aspecto a gente pode considerar que um dos grandes objetivos da visita é a ampliação do comércio e abertura do mercado chinês para essa produção brasileira. O Brasil é concorrente dos Estados Unidos e da Austrália, principalmente no mercado chinês de carne. Isso seria uma boa notícia para um segmento em que o presidente Lula não tem muito apoio e aprovação”.

Segundo o professor da Unesp, outro tema importante que pode marcar essa visita é a questão da reindustrialização do Brasil. Desde os anos 1990, a participação no PIB deste segmento só tem feito diminuir. “Nesse aspecto seria importante incentivar a entrada de empresas brasileiras nas cadeias produtivas das empresas chinesas. Não apenas por conta da transladação de empresas chinesas para o Brasil, mas também da integração, do desenvolvimento e da pesquisa dessas cadeias produtivas. O Brasil é ávido por investimentos em infraestrutura, energia renovável e economia verde. E vale mencionar que a empresa chinesa BYD anunciou a compra das instalações da antiga Ford na Bahia e prometeu investimentos de vinte bilhões de reais. A China tem uma participação grande no setor de geração de energia elétrica, distribuição de energia elétrica e na própria produção de petróleo. Acredito que a delegação de Lula vai buscar uma participação maior”.

Ainda de acordo com Cordeiro, mediante aos pontos centrais, seria importante ampliar parcerias ou criar novas ações para frear a mudança climática. “Há dois meses, um estudo da revista Science mostrou que existe uma correlação muito positiva entre o aquecimento das temperaturas na região amazônica e a produção de gelo no alto do Himalaia. Quanto mais complicada estiver a situação climática no Amazonas, piores as circunstâncias para a produção de água no Himalaia. Esse é um tema muito sério, que acredito que pode trazer Brasil e China para uma colaboração principalmente no âmbito do fundo Amazônia”.

O professor da Unesp destaca o potencial da visita de Lula para recolocar nos trilhos a relação entre o Brasil e a China, bastante prejudicada durante o governo de Jair Bolsonaro. “Acredito que é um momento de retomada e reconstrução do grande ativo que a diplomacia brasileira acumulou desde a época do Barão do Rio Branco. Nosso país possui um grande território, uma grande população, uma boa capacidade produtiva. Não podemos ter o chamado “complexo de vira-latas” como a outrora mencionou o escritor e jornalista Nelson Rodrigues. Temos que olhar o mundo de cabeça erguida e olhar para frente. Inclusive pensando em medidas para a paz mundial”, diz. 

Ouça abaixo a íntegra da entrevista com Marcos Cordeiro Pires.

Imagem acima: Lula recebe o embaixador chinês em audiência preparatória para a vista ao país. Crédito: Ricardo Stuckert.