Com o início da campanha para aplicação da vacina bivalente contra a Covid-19, desinformação volta a circular nas redes sociais

Para estudioso da comunicação de temas de saúde em tempos de crise, credibilidade do SUS pode ajudar a minimizar adesão a onda de fake news que está atacando o novo imunizante. Danilo Rothberg explica que crença em notícias falsas muitas vezes está ligada a opção por reforçar opiniões pessoais, ao invés de busca dos fatos.

Desde o dia 15, o Congresso Nacional passou a contar com uma nova frente parlamentar organizada. Trata-se da Frente Parlamentar em Defesa da Vacina, que já nasceu com 200 integrantes e com a missão de apoiar as iniciativas do Ministério da Saúde no âmbito da vacinação da população contra diversas doenças, entre elas a covid-19. No requerimento enviado à Câmara dos Deputados solicitando a instalação da comissão, o texto ressaltou os impactos do negacionismo científico sobre o cenário da vacinação do país, que há alguns anos vem registrando queda na cobertura de diversas vacinas. “Um dos grandes desafios que temos é o combate às fake news”, diz o deputado federal Dorinaldo Malafaia (PDT/AP), que é o presidente da nova frente. “Precisamos reeducar nossa sociedade para que volte a ter segurança nas nossas vacinas e que o Brasil volte a ser referência mundial em vacinação”, disse.

Outros esforços nesse sentido estão em andamento. Um exemplo foi o início da campanha de vacinação contra a covid-19, ocorrida em 27 de fevereiro. Este ano começou a ser empregada no Brasil uma nova geração de imunizantes destinada a proteger a população contra a covid-19, as chamadas vacinas bivalentes. Durante a solenidade que marcou o evento, que também serviu para lançar o Movimento Nacional pela Vacinação, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tornou-se a primeira pessoa a receber uma dose de vacina bivalente, inoculada pelo vice-presidente da República, o médico Geraldo Alckmin, na presença da ministra da Saúde, Nísia Verônica Trindade, e do personagem Zé Gotinha.

O esforço de publicidade dá uma medida da preocupação das autoridades com a campanha de fake news que vem circulando pelo mundo digital buscando desacreditar e difamar as vacinas bivalentes. Entre outras falsas informações relacionadas ao novo imunizante que circularam nas últimas semanas estão a de que ele seria capaz de causar problemas cardíacos, de que seu uso teria sido suspenso nos Estados Unidos pela Suprema Corte americana e até de que o presidente Lula não teria efetivamente recebido a inoculação, tendo participado apenas de uma simulação. Porém, docentes da Unesp especializados na área de imunizações explicam que as vacinas bivalentes são tão seguras quanto as que foram utilizadas para combater a covid-19 em anos anteriores. E, para pesquisador da unespiano que investiga a comunicação de crises de saúde no contexto dos governos populistas, consumidores de fake news valorizam mais a confirmação de crenças preexistentes do que a certeza de que o conteúdo que estão consumindo seja real. E parte da mídia comercial do país também algumas vezes tem colaborado com propagação de notícias falsas, ao comentá-las de forma acrítica. “Com frequência, os principais propagadores da desinformação são os próprios jornalistas”, diz.

O que é a vacina bivalente?

Desde o início da pandemia, o vírus da Covid-19 sofre mutações. Hoje, a variante mais presente é a ômicron, que tem algumas características diferentes da cepa original do coronavírus, como um maior grau de transmissão. Por conta disso, a vacina bivalente é uma atualização, desenvolvida para aumentar a proteção contra essa variante de preocupação. “Ela se chama bivalente porque contém antígenos que geram anticorpos para as duas cepas, tanto para a original, quanto para a ômicron. É por isso que elas são mais efetivas”, comenta o infectologista Alexandre Naime Barbosa, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e professor na Faculdade de Medicina da Unesp, campus Botucatu.

De acordo com o Alerta Monitoramento do Horizonte Tecnológico (MHT) sobre vacinas Covid-19 bivalentes, que apresenta estudos clínicos realizados em humanos com as vacinas das farmacêuticas Moderna e Pfizer, a vacina bivalente é, de fato, mais eficaz contra a ômicron e mantém o nível de proteção contra a cepa original do vírus. Além disso, ao analisar os efeitos colaterais das vacinas, foi visto que estas apresentam os mesmos sintomas das anteriores (como dor e inchaço no local de injeção, fadiga, febre e dores de cabeça e nas articulações), sem haver ocorrências mais graves.

Os imunizantes, produzidos pela farmacêutica Pfizer, começaram a ser distribuídos no começo do segundo semestre de 2022, em países como Reino Unido e Canadá. No Brasil, a farmacêutica realizou um pedido de autorização de uso emergencial em agosto de 2022, sendo aprovado em novembro de 2022. A campanha, porém, só teve início neste ano, no dia 27 de fevereiro.

Na primeira etapa, serão vacinados os seguintes grupos:

  • Fase 1: Pessoas com 70 anos ou mais, moradores de instituições de longa permanência (ILP), imunocomprometidas, comunidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas;
  • Fase 2: 60 a 69 anos;
  • Fase 3: Gestantes e puérperas;
  • Fase 4: Profissionais da saúde.

O imunizante é indicado como dose única de reforço para crianças e adultos, após dois meses da conclusão do esquema vacinal primário, ou como última dose de reforço da vacina monovalente contra a Covid-19. As vacinas do ciclo básico são chamadas monovalentes, pois contam apenas com a cepa original; elas ainda são necessárias para garantir uma proteção completa, porém são menos eficazes contra a ômicron.

Uma epidemia de desinformação

Segundo a Organização Mundial da Saúde, a sociedade está passando por uma infodemia, ou epidemia de informações, na qual há um excesso de informações, nem sempre verdadeiras, o que dificulta a busca por orientações confiáveis. Danilo Rothberg, docente da Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design da Unesp, campus Bauru, comenta que muitos dos portais que produzem desinformação são esteticamente similares a veículos jornalísticos, e incluídos nesta categoria por seus seguidores. Essa semelhança engana pessoas com pouca educação midiática, fazendo com que elas pensem que se trate de uma fonte confiável.

Rothberg coordena o projeto Fapesp “Comunicação pandêmica em tempos de populismo”, com o objetivo de estudar a comunicação de crises de saúde no contexto de governos populistas, como o de Bolsonaro e o de Trump, para desenvolver recomendações que irão auxiliar na construção de mídias mais capazes de enfrentar os desafios de futuras pandemias em sociedades divididas.

O pesquisador destaca que o compartilhamento é um ponto-chave da desinformação. “Os emissores, por si sós, não têm tanto poder de disseminação. Eles contam com pessoas que compartilham a desinformação nas suas redes, às vezes até de forma ingênua”, afirma. A desinformação, por sua vez, apresenta riscos que podem agravar uma situação epidemiológica. Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde, o perigo da desinformação está na velocidade com que ela circula e é absorvida pelas pessoas, podendo afetar ou alterar seu comportamento e aumentar sua tendência a se expor a riscos.

A crença na desinformação também não é algo lógico. Segundo Rothberg, pesquisas indicam que o indivíduo estabelece conexões afetivas com aquela esfera de circulação de fake news, num processo que irá resultar em sua crença sobre a legitimidade quanto ao conteúdo que está recebendo. “A desinformação vai ao encontro das próprias crenças. Isso gera uma espécie de conforto e de reafirmação dos pensamentos e o indivíduo se sente destacado socialmente”, explica o professor. Devido à sensação de reafirmação, o indivíduo não se preocupa se a informação que está consumindo é verdadeira ou não, porque ela serve para reforçar atitudes já preexistentes.

O sociólogo também alerta que, globalmente, afinidades ideológicas acabam levando a consequências epidemiológicas, como o aumento de infecções e mortes por Covid-19, por exemplo. Um estudo publicado pela Lancet analisou o perfil de voto de 5.570 cidades brasileiras nas eleições de 2018 e conseguiu identificar que, naquelas onde Bolsonaro obteve a maioria dos votos, foi registrada uma taxa maior de mortalidade por Covid-19. De acordo com os autores da pesquisa, o número de mortes mais elevado se deu pela falta de apoio, por parte do Governo Federal, às recomendações de distanciamento social e uso de máscaras, combinado com o incentivo a tratamentos precoces com medicamentos que se mostraram ineficientes.

Outra frente de batalha travada pelo ex-presidente era a luta contra as vacinas. Em mais de uma oportunidade o ex-presidente fez declarações, muitas vezes falsas, contra a compra e a aplicação de vacinas, o que pode ter impactado a aplicação dos imunizantes. O país já foi considerado referência mundial em cobertura vacinal: segundo informações do Ministério da Saúde, em 2015, 95% do público-alvo de cada vacina estava imunizado. O número caiu para 60,8% em 2021. Ao olhar para a taxa de vacinação contra a Covid-19, a tendência segue baixa: dados do portal Vacinômetro Covid-19 indicam que, apesar de cerca de 85% da população ter tomado a primeira dose da vacina, apenas 19% foi imunizada com a quarta dose, necessária para completar o esquema vacinal.

Apesar disso, Rothberg é otimista. “Embora haja uma desconfiança das instituições democráticas em geral, o SUS detinha uma grande credibilidade e foi graças a ela que nós no passado atingimos taxas de vacinação que às vezes se mostravam mais altas do que as de países europeus”, diz. Por conta da credibilidade do SUS, Rothberg acredita que a desinformação sobre a vacina bivalente não será tão bem-sucedida em atrapalhar a procura pelo imunizante, como ocorreu no passado.

Ele destaca também a necessidade de que a mídia profissional se mostre crítica com o que compartilha. “Com frequência, os principais propagadores da desinformação são os próprios jornalistas, integrantes do jornalismo comercial, porque eles simplesmente repercutem declarações que são falsas”, destaca. Para o pesquisador, entre as melhores estratégias para combater o problema está a de pontuar claramente os casos de declarações falsas, mais do que deixar de noticiar as falas de certas figuras de prestígio. E defende a necessidade de desenvolver não apenas o jornalismo de saúde como também o noticiário político, a fim de fortalecer a comunicação especialmente em tempos de crise de saúde.

Ou seja, o combate à desinformação precisa ser empreendido em muitas frentes para que seja efetivo. “Algumas recomendações para controlar o ecossistema de desinformação vão no sentido da educação científica e dos esforços para compreensão pública da ciência e tecnologia. Isso pode incluir a educação formal nas escolas, mas também a educação informal, e passa pelas mídias jornalísticas”, diz.

Imagem acima: Fábio Rodrigues Pozzebon/Agência Brasil.