Quem acompanha o noticiário sobre meio ambiente no Brasil infelizmente já se acostumou a ler títulos como:
“Brasil está perdendo superfície de água; pantanal é o bioma mais afetado.”
“Amazônia perdeu área de floresta maior do que o Espírito Santo em cinco anos.”
“Desmatamento do Cerrado na Bahia e no Piauí aumentou 88% em janeiro, em comparação ao mesmo mês no ano passado.”
“Pampa gaúcho registrou queda de 1,7% na superfície de água em 2022; em relação à média, a pior da série histórica.”
“Mata Atlântica perdeu 6.850 hectares em três meses. É como se, no período, uma área equivalente a 75 campos de futebol fosse desmatada todos os dias.”
“MapBiomas alerta que 70% da superfície de água do Brasil secou entre 1985 e 2022.”
O breve levantamento apresentado acima traz apenas artigos publicados nos últimos seis meses, mas isso basta para pelo menos esboçar o quadro do impacto, cada vez mais virulento, da sociedade brasileira sobre o território e os biomas naturais do país.
É um processo em escala continental e com ramificações internacionais, que inclui a expansão da fronteira agrícola, a abertura de estradas, a construção de hidrelétricas de todos os tamanhos, a implementação dos gigantescos projetos de mineração, o comércio ilegal de madeira, o garimpo legal e ilegal, a abertura de novos pastos para a pecuária, a fundação de novas cidades, o avanço da urbanização… E some-se a essa rede os efeitos cada vez mais palpáveis e intensos das mudanças climáticas. O resultado é um processo de transformação e de perda que vem se desenhando ao longo do século 21, mas que está se acelerando diante dos nossos olhos. Segundo a pesquisa Contas Econômicas Ambientais da Terra: Contabilidade Física, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o Brasil perdeu 513 mil km² de área verde em duas décadas. Isso equivalente a nada menos do que 6% do território nacional.
Essa intensas transformações são acompanhadas por estudiosos e grupos de pesquisa que cruzam todos os quadrantes do país, atentos em desvendar os desafios e perigos que estão sendo ensejados para todas as espécies vivas que compartilham esse território chamado Brasil. O trabalho desses homens e mulheres é o objeto desta série de reportagens intitulada Biomas do Brasil, que o Jornal da Unesp começa a publicar.
Embora a opção por organizar a série em cinco artigos, abordando Pantanal, Mata Atlântica, Caatinga, Cerrado e Amazônia, tenha se dado em busca de uma abordagem mais didática, este formato permite tecer algumas comparações. E, talvez, sugerir que há algo a aprender com experiências anteriores. O caso mais emblemático, como aprendemos na escola, é o da Mata Atlântica, que ocupava uma faixa de extensão superior a 1 milhão de km2 ao longo da costa brasileira quando os primeiros navegadores portugueses aqui chegaram, no século 16. Hoje, restaram apenas 24% da vegetação original de Mata Atlântica, que estão em sua maioria preservados na forma de fragmentos florestais dispersos. No lugar onde antes existia tanta floresta, vivem 72% da população do país, e se produz nada menos do que 80% do PIB nacional.
A derrubada maciça da Mata Atlântica levou cinco séculos. Uma eternidade, em comparação com o que está acontecendo em outras regiões do nosso país. Veja-se o caso do Cerrado, por exemplo. O Cerrado ocupa cerca de 20% do território nacional, principalmente na região do Planalto Central. Pois este bioma já perdeu mais de 20% de sua cobertura original desde 1985. Neste caso, a ação humana está ligada principalmente à atividade agropecuária, cuja área cresceu mais de seis vezes no período, resultando num quadro onde os esforços para conservação do bioma tem disputado espaço com interesses econômicos de produtores rurais.
Mas há motivos para preocupação também com a Caatinga, um bioma exclusivamente brasileiro, situado majoritariamente na região Nordeste. Nas últimas três décadas, houve perda superior a 10% na cobertura de vegetação nativa. No mesmo período, o Pantanal, área úmida no oeste, que se espalha pela fronteira com o Paraguai e Bolívia, também registrou perdas crescentes na fauna e flora local.
Com certeza, quando os outros países questionam as escolhas que os brasileiros fazem na hora de manejar seus recursos naturais, é na Amazônia que estão pensando em primeiro lugar. Além de ser reconhecidamente um hotspot de biodiversidade, a floresta é responsável pela formação do que os cientistas chamam de “rios voadores”, massas de vapor de água que viajam pela atmosfera em direção ao sul do continente, influenciando diretamente o regime de chuvas do país.
Pois, apesar dos muitos serviços ambientais desempenhados pelo maior bioma do país, o desmatamento causado pelo avanço das fronteiras agrícolas, a mineração ou a exploração ilegal de madeira já resultou na perda de quase 20% da vegetação nativa. O cenário futuro é que a continuidade do ritmo de devastação ultrapasse a capacidade de a floresta se regenerar, o que os cientistas chamam de “ponto de não retorno”, acarretando a perda de importantes recursos naturais e culturais, bem como afetando drasticamente o regime de chuvas, a produção de alimentos, e a resiliência do país diante das mudanças climáticas.
Boa leitura!