Malena Stariolo, Priscilla Auilo Haikal
No dia 29 de janeiro de 2004 foi realizado, em Brasília, um ato nacional para o lançamento da campanha “Travesti e Respeito”, promovida pelo Programa Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde em colaboração com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais, a ANTRA. A ação foi vista como um marco na história nacional do movimento contra a transfobia e, desde então, a data foi escolhida para a celebração do Dia da Visibilidade Trans, quando é relembrado o orgulho, a existência e a resistência da comunidade trans e travesti no Brasil.
A situação dessa comunidade no Brasil é alarmante: desde 2009, o Brasil é o país que mais mata pessoas transexuais no mundo, segundo levantamento anual da Transgender Europe. Dados do Dossiê de assassinatos e violências contra pessoas trans, elaborado pela ANTRA, indicam que, em 2021, ocorreram 140 assassinatos de pessoas trans, sendo 135 de travestis e mulheres transexuais. Giovani Pagnano, mestrando no Programa de Psicologia da Unesp, no campus de Assis, relembra que, além do Brasil ser o país que mais mata pessoas trans, a sociedade brasileira é a que mais consome pornografia com pessoas trans no mundo. Segundo relatório anual do Pornhub, um dos maiores sites de pornografia, o Brasil é o país que mais busca pela categoria “transgender”, além disso, essa é a classificação mais assistida no país. “Eles querem os nossos corpos, mas eles querem os nossos corpos dentro dessa relação de poder”, expõe Giovani.
Apesar de ser importante o conhecimento das violências que a população trans sofre, tanto Giovani, como Erika Matheus, graduanda em Letras pela Unesp, campus Araraquara, reforçam a necessidade de se falar sobre a comunidade para além do enquadramento da violência e fora das datas de visibilidade. “Temos que ir além de falar sobre a população trans só dentro do âmbito de gênero e sexualidade e, também, ir além das mortes que assolam nossas vidas. A gente tem que dar evidência para as subjetividades que são produzidas pelas pessoas trans e sobre nossas vivências em geral”, comenta Erika. É igualmente relevante reforçar reivindicações da comunidade, como a garantia de utilização e validade legal do nome social; o acesso a tratamentos de saúde e acompanhamento dos processos de transição de gênero, além do desenvolvimento de políticas públicas para a inserção de transexuais e travestis no mercado de trabalho.
Erika, que pesquisa mulheridade transnegra no âmbito sociopolítico e socioafetivo, comenta que, nas universidades, a população trans é de 0,02% e reforça a necessidade de não apenas desenvolver políticas de cotas para inserção de estudantes trans, mas também a importância de promover treinamentos para os funcionários da universidade e a criação de projetos de acompanhamento e apoio para os estudantes, garantindo sua permanência nos espaços. Giovani reforça essa perspectiva, “é bonito e é político você dizer que está tendo cotas e inclusão sendo que, na verdade, os estudantes não estão tendo amparo suficiente”.
Na Unesp, desde 2017 o uso e registro do nome social é garantido por resolução, tanto para estudantes, como para funcionários da universidade. Apesar disso, iniciativas para abordar a questão da diversidade começaram a ganhar força com o projeto Educando para a Diversidade. O projeto foi criado em 2018, com o objetivo de desenvolver ações, espalhar informações e elaborar debates que transformem o ambiente estudantil em um espaço seguro para todas as pessoas.
Hoje, a Unesp conta com a Coordenadoria de Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade, a CAADI, que foi pensada a partir do projeto Educando para a Diversidade. A coordenadoria é responsável por produzir ações afirmativas e de inclusão na universidade, levantar informações sobre desigualdade no âmbito universitário e promover o enfrentamento dessas ações.
Em conjunto com a CAADI, a ouvidoria da Unesp criou uma comissão de acolhimento às situações de violência, acessível para pessoas que sofreram assédio e violência. “É sempre importante lembrar que a universidade tem a ouvidoria, inclusive ouvidorias locais em cada faculdade, responsável por receber denúncias e promover o enfrentamento à violência e assédio, incluindo questões relacionadas à transfobia, homofobia e racismo”, comenta Leonardo Lemos de Souza, coordenador da CAADI.
Souza, comenta que um próximo passo dentro da CAADI é a produção de ações de educação. Para isso, a coordenadoria desenvolveu cursos virtuais, que vão estar disponíveis para toda a comunidade unespiana a partir de março. Entre os cursos, um deles aborda especificamente o enfrentamento a LGBTQIAP+ fobia.
Quando questionados sobre sua vivência no ambiente universitário, as experiências são contrastantes. Erika, que já vinha de organizações de militância em prol de direitos LGBT, seguiu com as ações dentro da universidade, unindo-se a coletivos universitários. “Minha experiência tem sido bem interessante, no sentido de que eu tenho tido bastante acesso frente à militância trans do campus de Araraquara”, comenta a aluna, reforçando a importância de ela ocupar esse espaço, dado ao baixo número de pessoas trans em universidades, “quem dirá uma pessoa trans e negra”, finaliza.
Já para Giovani, a trajetória foi mais solitária. O mestrando, que é graduado em Ciências Sociais, também pela Unesp, campus Marília, comenta que, apesar de ter feito o pedido da inclusão do nome social, foi necessário recorrer ao pedido algumas vezes porque o nome não era alterado no portal dos estudantes. Giovani também comenta que, ainda que note uma necessidade da comunidade unespiana de aprender mais sobre questões trans, ele não se sente parte do processo. “Eu vejo que existe uma necessidade de saber mais sobre os assuntos trans e se inteirar sobre essas questões mas, ao mesmo tempo, eu não me sinto incluído nessas discussões”, expõe.
Apesar das vivências distintas, ambos concordam na falta de representatividade dentro da esfera acadêmica. “Nós temos que nos questionar, quantos professores trans nós encontramos ao longo da nossa formação?”, destaca Giovani. Os estudantes reforçam a importância de dar visibilidade para produções acadêmicas de pessoas trans, ampliando o acesso da sociedade a produções que, por vezes, são deixadas de lado. “Valorizar acadêmicos trans é muito importante porque mostra que também temos uma intelectualidade a fornecer”, completa Erika.
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