Nos últimos meses, Brasil e Peru viveram episódios que testaram seus respectivos regimes democráticos. Enquanto no país andino, em dezembro de 2022, o ex-presidente Pedro Castillo, na iminência da terceira votação de um pedido de impeachment, dissolveu o Congresso e declarou estado de exceção, em Brasília, no dia 8 de Janeiro de 2023, grupos terroristas invadiram e vandalizaram as sedes dos Três Poderes em uma ação sem precedentes na história brasileira.
Para o professor e especialista em relações internacionais da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp, câmpus de Araraquara, Enrique Amayo Zevallos, entre as várias diferenças que separam os dois episódios, uma merece especial atenção: o papel das forças de segurança e policiais em cada país.
O docente nascido no Peru explica que no episódio ocorrido no país andino, policiais interceptaram o veículo do presidente golpista quando esse se deslocava à embaixada do México para buscar asilo. “Os policiais que estavam dentro do veículo receberam, pelo celular de seus chefes, a ordem de detê-lo, o que fizeram, já que, como contariam depois, caso não o tivesse feito, eles teriam sido penalizados”, explica o professor. Horas depois, o Congresso derrubou Castillo da presidência do país.
“É importante destacar que, como se viu, os policiais em nenhum momento deixaram de respeitar o que a Constituição manda. Ainda que ela, a Constituição, seja ruim e precise mudar”, destaca, em referência à Carta Magna colocada em vigor durante o governo ditatorial de Alberto Fujimori, em 1993.
O que se viu nas semanas seguintes foi uma opção do governo substituto de Dina Boluarte pela repressão aos protestos que pedem a sua renúncia, novas eleições e uma nova Constituição. Até o momento, mais de 50 peruanos morreram nos conflitos. “Isso tudo é feito por forças policiais e militares que aceitam a Constituição. Forças que em nenhum momento mostraram interesse em participar de um golpe de estado”, aponta.
Zevallos destaca que esse tem sido o comportamento desde que o ex-presidente Alberto Fujimori fugiu do país para o Japão, em 2000, colocando fim a um governo autoritário e que, na época, reprimiu duramente grandes mobilizações de oposição. “Caída a sua ditadura, ficou evidente que ela só foi possível graças à colaboração dos comandos das Forças Armadas, muitos dos quais estão na prisão até hoje”, afirma o professor.
No caso do golpe de estado frustrado do Brasil, compara Zevallos, o ex-presidente Jair Bolsonaro viajou com parte de sua família para a Flórida, nos Estados Unidos, onde está a residência oficial do ex-presidente dos Estados Unidos e líder da extrema-direita, Donald Trump, mentor do brasileiro, e que também estimulou um ataque à ordem democrática, na invasão ao Capitólio, em janeiro de 2021.
“Bolsonaro investiu muito na politização das Forças Armadas, vendendo a elas a ideia inconstitucional que são as guardiãs da Constituição”, lembra o professor, destacando ainda que na tentativa de golpe ocorrida em Brasília, no dia 8 de janeiro, a entrada ao Palácio do Planalto foi facilitada, muito provavelmente por forças que deveriam protegê-lo. “Também foi possível ver nesse dia, na televisão, que os invasores muitas vezes foram até protegidos pela polícia. E hoje está claro que os acampamentos feitos em frente aos quartéis país afora, alguns dos quais que tiveram à frente bolsonaristas por meses, não teriam existido sem o apoio direto de muitos militares”, aponta o professor, ao lembrar que integrantes das Forças Armadas e policiais estão inclusive respondendo a processos, atualmente.
“Os três casos [Brasil, Peru e Estados Unidos] mostram que com muita dificuldade, que às vezes significa infelizmente mortos, a democracia se defende, e com as diferenças que correspondem às realidades históricas de cada um desses três países, luta essa democracia por se impor e avançar”, finaliza.
Para ouvir na íntegra a reflexão do professor Enrique Amayo Zevallos no Podcast Unesp, clique no player abaixo:
Foto acima: manifestantes peruanos protestam no centro de Lima, em dezembro de 2022. Mayimbú/Wikipedia.