Sistema de tratamento de sementes que combina nanotecnologia e hormônios naturais abre novas possibilidades para agricultura mais sustentável

Em testes de campo, ganho de produtividade ocasionado pela tecnologia chegou a produção em 225%. Pesquisas agora miram sua utilização para reflorestamento.

Cada vez mais, temas como sustentabilidade, segurança alimentar e redução do uso de contaminantes permeiam as discussões sobre o desenvolvimento e o futuro da agricultura. Em busca de novas soluções para tornar a produção mais sustentável, pesquisadores da Unesp têm investigado o uso de diferentes formas de nanotecnologia para favorecer o crescimento e desenvolvimento de plantas e reduzir a necessidade de uso de insumos como defensivos e adubo na lavoura.

O professor Leonardo Fernandes Fraceto, do Departamento de Engenharia Ambiental, câmpus Sorocaba, começou a explorar esse campo há 16 anos, quando se tornou docente na Unesp. Até então,  havia conduzido suas pesquisas em nanotecnologia visando aplicações em projetos das áreas de saúde e química. Ao ingressar no campo de engenharia ambiental, buscou meios para aproveitar aos campos de interesse da nova área os conhecimentos que já havia consolidado. “Naquele momento, eu propus um projeto de associação de pesticidas com nanopartículas. Eu já fazia algo semelhante, mas ligado a pesquisa sobre temas de saúde”, diz.

Atualmente, Fraceto é coordenador do Laboratório de Nanotecnologia Ambiental da Unesp Sorocaba, no qual desenvolve e orienta pesquisas na área de utilização de nanotecnologia para aperfeiçoamento de processos agrícolas e de reflorestamento. Um dos projetos desenvolvidos pelo laboratório envolve utilizar nanotecnologia para encapsular hormônios de crescimento de plantas, e tratar as sementes com essas partículas antes do plantio. A pesquisa fez parte do doutorado em Biologia Funcional e Molecular, de Anderson do Espirito Santo Pereira, desenvolvido sob orientação de Fraceto. Segundo os pesquisadores, essa técnica pode ser útil não só para melhoria da produção, mas também para aumentar a resistência das plantas à condição de estresse no campo. “Nossa pesquisa se desenvolve em torno da questão de levar a produção agrícola a um patamar mais sustentável. Como é possível alcançar isso reduzindo todos os insumos que foram trazidos pela revolução verde, como esse emprego de de pesticidas e de fertilizantes, às vezes tão elevado que acaba causando danos ao meio ambiente”, explica Pereira.

Sistema promove desenvolvimento de raízes

A tecnologia desenvolvida por Fraceto e Pereira utiliza quitosana, um biopolímero obtido a partir da casca de crustáceos, para fazer a partícula que irá abrigar o hormônio ácido giberélico (GA3). O GA3 é um hormônio produzido pelas plantas durante a germinação e em momentos específicos do seu desenvolvimento, sendo responsável pelo crescimento da raiz principal e das raízes laterais, que melhoram a captação de água e de nutrientes.

O tratamento é feito por um processo conhecido como seed priming, ou preparação de sementes, que  consiste em aplicar tratamentos na semente no momento anterior ao plantio, visando proporcionar  melhorias no processo de germinação. “O benefício principal dessa tecnologia é contribuir para um melhor desenvolvimento da planta. Se isso acontece, a planta será potencialmente mais saudável e menos passível de ser infectada ou enfrentar problemas como doenças e de pragas”, explica Pereira. Por sua vez, este ganho de saúde e resistência por parte das plantas implicaria uma redução na utilização de inseticidas e herbicidas para cuidar da lavoura no futuro.

A tecnologia foi testada em 2019, quando os pesquisadores foram a campo e plantaram sementes de tomate tratadas com o sistema. O experimento monitorou o desenvolvimento de e 72 mudas ao longo de 120 dias, divididas em grupos de 12. Cada grupo recebeu diferentes tratamentos, exceto um que serviu de controle e base para as comparações do estudo.

A testagem de diferentes tratamentos permitiu determinar a concentração ideal do hormônio, necessária para um efeito positivo sobre o desenvolvimento das mudas. Em uma concentração muito baixa, o sistema corria o risco de não surtir nenhum efeito. Se fosse muito elevada, o perigo era que o hormônio inibisse o crescimento das plantas, gerando o efeito contrário ao desejado. Os pesquisadores também testaram formas de tratamento que empregavam o hormônio sem o encapsulamento por nanopartículas.

Desenvolvimento das plantas expostas a diferentes tratamentos. Da esquerda para direita, a primeira muda pertence ao grupo de controle, e não foi feito nenhum tipo de tratamento. Na segunda muda (GA3) foi aplicado o hormônio diretamente, sem a utilização de nanopartículas. Nas últimas duas, foi feito o tratamento do hormônio encapsulado em nanopartículas de quitosana (CS/TPP-GA3) e alginato + quitosana (ALG/CS- GA3), respectivamente. É possível perceber que, em comparação às outras mudas, aquelas que receberam o tratamento com nanopartículas apresentam a raiz mais desenvolvida, especialmente as raízes secundárias.

Os resultados do tratamento envolvendo apenas o hormônio GA3 já apresentaram melhoras: as plantas de tomate desse grupo produziram 100% a mais de frutos, em comparação ao grupo controle. Porém, ao combinar o hormônio com a nanopartícula de quitosana o crescimento da produtividade foi ainda maior, alcançando 225%. “Isso nos permitiu ver que o uso de  nanomateriais potencializa muito o efeito e o aumento na produção”, comenta Pereira.

As melhorias foram constatadas em concentrações de 0,5 mg/mL, considerada ideal pelos pesquisadores. Ao tentar reduzir essa concentração para 0,05 mg/mL a produção continuou maior, em comparação ao grupo controle, porém caiu para 72% e 49% respectivamente. Um caso que chamou atenção ocorreu ao combinar o hormônio GAcom nanopartículas de alginato e quitosana. Em concentrações de 0,5 mg/mL, o aumento na produção de frutos, em comparação ao grupo controle, foi de 178%, porém, ao reduzir essa concentração para 0,05 mg/mL a produção foi de 151% a mais, em relação ao grupo controle. Uma queda baixa, em comparação aos outros dois casos.

Esse é um resultado interessante, pois aponta para a possibilidade de reduzir a quantidade de produto necessária ao tratamento, o que permitiria diminuir custos sem gerar grandes quedas na produção de frutos. “Dessa forma, uso uma quantidade menor do ingrediente ativo, algo que às vezes pode ser caro, e obtenho uma produção melhor. Isso sugere que pode vir a ser um produto economicamente viável”, comenta Fraceto.

O professor também destacou a vantagem de encapsular o hormônio em nanopartículas, permitindo uma liberação mais gradativa da molécula, o que aumentaria o aproveitamento da planta. “Se eu tenho um sistema que pode liberar o hormônio de uma maneira mais controlada, essas moléculas passam a ser utilizadas de uma maneira adequada”, explica.

Jhones Oliveira, pesquisador que integra o grupo de Leonardo Fraceto, no laboratório de nanotecnologia ambiental da Unesp Sorocaba (Crédito: Divulgação)

O pesquisador ainda destaca que a utilização dessa tecnologia também pode favorecer o desenvolvimento de plantas em solos que apresentem fertilidade menor, ou que estejam passando por algum tipo de estresse. Essa característica ganha relevância quando se considera que a agricultura absorve cerca de 83% das perdas decorrentes de períodos de seca, ou de estresse hídrico. Esses dados são apontados pelo Diagnóstico sobre sistemas de dados agrícolas do Brasil, que também destaca que, de maneira geral, a agricultura é um dos setores que mais sofre com os impactos de eventos extremos.

Atualmente, o grupo de pesquisadores liderado por Fraceto iniciou estudos para investigar qual seria a resposta das sementes tratadas utilizando este sistema e plantadas em solos em condição de estresse por ausência de umidade ou excesso de salinidade. “Estamos considerando que esses sistemas poderiam ser usados não só para beneficiar a produtividade, mas também para melhorar a resposta em condições de estresse no campo”, afirma Fraceto.

Um desdobramento desse estudo é a utilização desse sistema para ações de reflorestamento em meios muito afetados por mudanças climáticas e ações antrópicas. Segundo Fraceto, as nanopartículas também teriam o potencial de “acordar” sementes (o termo técnico é quebra de dormência), diminuindo seu tempo de germinação. Um exemplo é o Jequitibá, árvore da mata atlântica e que existe apenas na região sudeste do Brasil: suas sementes demoram entre 60 e 90 dias para germinar. Fraceto porém acredita que esse tempo pode ser reduzido para 20 dias com o uso das nanopartículas associadas a hormônios vegetais. “Imagine fazer sementes de plantas nativas germinarem mais rapidamente para fazer mudas; essa capacidade pode ser empregada como uma estratégia para reflorestamento”, explica. A ideia vem sendo investigada no grupo de Fraceto, com a estudante Miriã dos Santos Pereira, bolsista de iniciação científica.

Raízes como casas para bactérias e fungos

Até agora, o avanço das pesquisas com o sistema de quitosana e GA3  gerou duas hipóteses entre os cientistas: a primeira é que o tratamento melhora a raiz da planta e o desenvolvimento das raízes laterais, o que leva a um aperfeiçoamento na absorção de nutrientes. A segunda hipótese estipula que os microrganismos que normalmente colonizam as raízes passam a realizar esse processo de uma maneira diferente.

Fraceto e Pereira destacam que nem sempre esses microrganismos são ruins para a planta. Pelo contrário, muitos desempenham um papel essencial para um desenvolvimento saudável. “Existem microrganismos que são muito benéficos. Eles produzem metabólitos e também melhoram a absorção de nutrientes pela planta”, explica Fraceto. Pereira se debruçou sobre essa questão em seu pós-doutorado, realizado na França, com a pesquisadora Catherine Santaella, no CEA-Cadarache, o maior centro de pesquisa e desenvolvimento tecnológico de energia da Europa. A pesquisa contou, também, com a colaboração do professor Fraceto e tem o financiamento do programa CAPES/COFECUB e da FAPESP. 

O objetivo foi observar como a microbiota, os microrganismos que vivem nas raízes, é afetada e investigar formas de combinar os benefícios que sua existência traz para as plantas com o tratamento de nanotecnologia. “Isso pode garantir que, no futuro, possamos associar uma formulação que seja de microrganismos com nanopartículas e com esse hormônio. Dessa forma, estaríamos fornecendo algo ainda mais favorável para o desenvolvimento da semente”, diz Fraceto. Atualmente, os dados coletados estão passando por análises de DNA, para identificar e quantificar todos os microrganismos presentes, porém, os pesquisadores já notaram um aumento na concentração de microrganismos fixadores de nitrogênio, o que, segundo Pereira, pode ser um dos fatores que leva a uma melhora tão grande do desenvolvimento das plantas.

Pereira, juntamente com outros dois membros da comunidade unespiana, Jhones de Oliveira e Estefânia Vangelie Ramos Campos, abriram a empresa B.nano, empresa filha da UNESP, visando a comercialização do sistema de nanopartículas desenvolvido. Embora o processo esteja em etapa inicial, a equipe já licenciou para a empresa três patentes de tecnologias desenvolvidas pelo grupo de pesquisa. Ao comentar sobre o público-alvo dos produtos, Pereira comenta que gostaria que o material chegasse aos pequenos produtores. “A ideia inicial, e o que nós gostaríamos, é que os produtos chegassem ao pessoal do hortifruti, aos pequenos agricultores, para melhorar a qualidade de vida deles”. Porém, o jovem empreendedor reconhece que o investimento está principalmente concentrado em grandes produções, como soja e milho, e não descarta a possibilidade de iniciar a comercialização dos produtos nesse mercado, como estratégia para angariar investimentos neste início de trajetória.

Foto acima: Deposit Photos