“Eu tenho a natureza, a arte e a poesia, e se isso não for suficiente, o que é suficiente?” A frase eternizada pelo pintor holandês Vicent van Gogh representa o sentimento de liberdade que pode servir de inspiração para um artista. É comum, porém, que muitas vezes os artistas vejam sua liberdade ser limitada ou mesmo subtraída, em especial por questões relacionadas ao mercado profissional de arte. Raros são aqueles que conseguem resistir e se manter fiéis a sua essência durante toda a sua trajetória. Entre esses raros está a compositora, cantora e instrumentista Lucina.
Lucia Helena Carvalho e Silva, ou Lucina, nasceu em 25 de dezembro de 1950, na cidade de Cuiabá, Mato Grosso. Criada em uma família cuja avó exercia um papel relevante na cultura local, trouxe a relação com a música incrustada em sua personalidade. “Nasci em Mato Grosso, mas fui criada no Pará e depois vim para o Rio de Janeiro. Então minhas informações musicais são bem diversificadas e fortes. Incluem guarânias, carimbós, todo aquele som amazônico que tem a força dos ritmos e da região”, relembra Lucina. “Ainda criança, comecei a ouvir João Gilberto, pois tocava no rádio da época. Quando adolescente comecei a tocar de forma autodidata, justamente por influência da canção Chega de Saudade. Tocava nas festas de colégios e aos 16 anos já era profissional. Quando vi, estava ganhando o Festival da Canção em 1967 como integrante do grupo Manifesto com a música Margarida.”
No mesmo ano, o grupo protagonizava, na TV Continental-RJ, o programa musical “O Mundo é Nosso”, onde recebiam artistas como Elis Regina, MPB4 e Quarteto em Cy. Em 1968, o programa passou a ser exibido na TV Excelsior. Ainda no final dos anos sessenta, Lucina participou de diversos festivais da música brasileira.
Já no início dos anos setenta, formou a emblemática dupla Luli e Lucina, junto com a também cantora, compositora e instrumentista Heloísa Orosco Borges da Fonseca, que usava no nome artístico de Luli. Uma bela parceria de vida e trabalho que perdurou 25 anos e rendeu muitos frutos.
“Nossa parceria teve início quando a conheci em sua residência no Rio. Foi uma afinidade tão grande que, em um mês, já tínhamos composto vinte músicas”, conta. A parceria foi oficializada no VII Festival Internacional, na Rede Globo, com a música “Flor lilás”, arranjada pelo cantor e instrumentista Zé Rodrix. Com a boa classificação obtida pela música no festival, tiveram a oportunidade de gravar um compacto, cuja qualidade sonora, porém, não as deixou satisfeitas.
Durante os anos setenta, Luli e Lucina decidiram morar em um sítio na cidade de Mangaratiba, litoral fluminense. Lá tiveram a oportunidade de adotar um estilo de vida comunitário, que incluía plantar, criar e tocar. Tendo como companheiro o fotógrafo Luiz Fernando Borges da Fonseca, o trio desenvolveu num novo modelo de vida em família e de composição artística. Produziram, gravaram e distribuíram seu primeiro álbum “Luli e Lucina” lançado em 1979. “Somos consideradas pioneiras no que diz respeito à produção de música independente no cenário brasileiro. O Luiz adaptou uma Kombi que servia de transporte, casa e cenário de apresentações. Rodamos inúmeras cidades pelo país apresentando nosso trabalho e vendendo o disco. Posso dizer que tivemos um apoio muito bacana dos jornais e rádios da época, pois era um produto muito bom”, destaca.
Lucina e Luli compuseram aproximadamente mil músicas em parceria. Ney Matogrosso foi quem mais gravou material da dupla. Praticamente todos os discos de Ney do período trazem ao menos uma música delas, com destaque para “Bandoleiro”, “Coração Aprisionado”, “Êta Nóis” e “Bugre”. Mas suas canções também foram registradas por nomes do quilate de Nana Caymmi, Tetê e Alzira Espíndola, Joyce, Rolando Boldrin, Wanderléa e as Frenéticas.
Em carreira solo desde o final dos anos noventa, Lucina também encontrou tempo para trabalhar com novas parceiras. Uma delas é a cantora Zélia Duncan, com quem trabalhou em mais de oitenta canções.
Em julho, Lucina vai ministrar, ao lado do parceiro e multiartista, Bené Fonteles, uma oficina no 20° Festival Arte Serrinha em Bragança Paulista. “Trata-se de uma oficina conjunta que aborda os “sons curativos”, ou seja a importância da criatividade em nossas vidas. O ser humano precisa criar, caso contrário ele deprime. Você pode ser criativo em vários nichos, seja na música, no artesanato ou em outras artes. Pensar criativamente abre nosso leque pessoal para novas possibilidades na vida. É um presente para nós mesmos”.
Em entrevista exclusiva ao Podcast Unesp, Lucina conta sobre sua trajetória artística que atravessa e inspira gerações. Confira o bate-papo completo abaixo.
Foto acima: divulgação.