Drones e inteligência artificial substituem seres humanos em nova metodologia que analisa maturação de lavoura de amendoim

Sistema desenvolvido em parceria por pesquisadores da Unesp e da Universidade da Georgia é capaz de fazer previsões com índice de acerto superior a 90%.

Uma colaboração internacional entre pesquisadores da Unesp e da Universidade da Georgia, nos EUA, desenvolveu um método que combina sensoriamento remoto e inteligência artificial para otimizar a colheita do amendoim. Este novo modelo permite que, através de imagens multiespectrais capturadas por drones em plantações, seja possível calcular índices para prever o ponto de maturação do amendoim e colhê-lo no momento mais adequado, evitando perdas.

Uma das grandes dificuldades em relação à colheita do amendoim é que, diferentemente de outras culturas como o milho e a soja, os frutos da planta ficam sob a terra. Isso impede que se possa estimar sua maturação apenas pelo olhar. O método mais usado pelos produtores envolve arrancar a planta do chão, destacar suas vagens e raspar seu exocarpo (uma espécie de ‘casca’), a fim de identificar se os grãos já estão escuros o suficiente, como indicação de maturidade.

Esse método demanda grande quantidade de trabalho manual e de tempo. E, embora seja o método consagrado, é comum que mesmo naquelas plantas avaliadas como prontas para colher haja alguns grãos que ainda não estão efetivamente maduros, e outros que até já se desprenderam da planta por excesso de maturidade. Ou seja, há um componente de desperdício nesse processo. Em busca de uma solução, na forma de um método mais eficiente,  os pesquisadores brasileiros e norte-americanos se reuniram e conduziram estudos em campos de plantação de amendoim no sul da Georgia.

Drones e redes neurais

O método desenvolvido emprega a observação via drone, cerca de 90 dias após o início da semeadura do amendoim. O drone sobrevoa a plantação e captura imagens multiespectrais a cada sete dias. As imagens multiespectrais capturam a refletância das plantas em diversas faixas do espectro eletromagnético, que incluem as cores vermelha e  verde, o infravermelho próximo (NIR) e a borda do vermelho (RE). A partir das fotos, as taxas de cada banda que integram a imagem são convertidas em diferentes índices matemáticos. Esses índices permitem aos pesquisadores obter diversas informações sobre a plantação, tais como o teor de clorofila nas plantas ou a atividade fotossintética que elas apresentam.

“Inserimos esSes índices no nosso modelo de inteligência artificial, para que ela pudesse aprender a partir dessas informações. A seguir, passamos a fazer múltiplas combinações entre os índices para ver se dessa forma seria possível aumentar a acurácia da predição da maturação do amendoim. E conseguimos”, diz o agrônomo Adão Felipe dos Santos, que desenvolveu esse trabalho como parte de seu doutorado e hoje é docente na Universidade Federal de Lavras.

As redes neurais artificiais também foram abastecidas com as informações sobre a própria colheita obtidas em solo. Isso permitiu a elas desenvolver parâmetros de correlação entre os cálculos feitos digitalmente, a partir de dados das fotografias, e a realidade concreta dos grãos coletados.

Se os resultados das análises feitas pelo sistema da IA coincidem com a proporção de amostras maduras colhidas, isso indica que o software foi bem-sucedido em estimar a maturação daquela plantação com precisão. O novo sistema conseguiu obter resultados com um nível de precisão superior a 90%, e erro abaixo de 10%.

A participação do clima na maturação

Mas usar apenas os índices de vegetação obtidos através das fotografias multiespectrais feitas por drones seria insuficiente. Se analisados fora de um contexto mais amplo, os índices derivados a partir das imagens não poderiam resultar em estimativas com a precisão desejada. Por isso, os pesquisadores também incluíram na equação uma outra categoria de índice, denominada ‘graus-dia acumulados (GDA)’, que leva em conta a temperatura da região da plantação durante todo o ciclo.

“Simplificadamente, o índice de GDA é uma quantidade determinada de calor que a planta precisa acumular durante o ciclo de crescimento para poder se desenvolver. A temperatura-base do amendoim é 13.3 ºC, e isso significa que, quando o dia está com uma temperatura acima disso, a planta vai acumular este ‘excesso de calor’ de forma a avançar seu processo de desenvolvimento. Então, à medida que se passam os dias, a planta vai acumulando graus-dia para poder se desenvolver”, explica Santos.

Esse índice representa uma evolução em relação ao método da contagem simples de “dias após a semeadura”, também muito utilizado nas plantações de amendoim, que apenas estima que a colheita deve ser feita após um número predeterminado de dias após o início da semeadura (110 dias, por exemplo). O índice de GDA, por sua vez, é obtido através de uma equação matemática que combina as temperaturas máxima e mínima de cada dia, a temperatura-base do amendoim, a evapotranspiração e a irrigação da plantação. Assim, quando o amendoim acumular um número determinado de graus-dia acumulados (2500 graus-dia, no caso específico deste estudo realizado nos EUA), significa que deve estar próximo da maturação ideal.

Vale ressaltar que, justamente pelo fato de cada local ter condições climáticas diferentes, o número de graus-dia acumulados necessário para determinar a maturação do amendoim varia em cada região.

Parceria internacional

A etapa da coleta de amostras nas plantações ocorreu durante o verão dos anos de 2018 e 2019, quando Santos estava fazendo doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Agronomia (Produção Vegetal) na Unesp Jaboticabal e passava por um período sanduíche na Universidade da Georgia. Estas são as melhores estações para o plantio do amendoim, dadas as condições de temperatura mais adequadas, sendo o solo arenoso dos campos do sul da Georgia também dentro dos padrões que favorecem o crescimento desta cultura.

A parceria com a Universidade da Georgia foi construída pelo então orientador de Adão, Rouverson Pereira Silva, que é vice-chefe do departamento de Engenharia  e Ciências Exatas da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias de Jaboticabal. Silva mantinha contato há tempos com George Vellidis, professor da Universidade da Georgia, sendo que esta parceria já havia proporcionado até mesmo aulas presenciais de docentes norte-americanos na Unesp Jaboticabal e o intercâmbio de alunos unespianos para a Georgia.

“Tive a oportunidade de fazer um pós-doutorado na Georgia em 2017. Na volta, encaminhei dois alunos para cursarem o doutorado sanduíche lá, e o Adão foi o terceiro. Só que antes de enviar o Adão, eu trouxe o professor Vellidis pra cá, juntamente com a professora Cristiane Pillon, que também é da mesma universidade, e criamos aqui uma disciplina de Produção Vegetal, voltada para a produção de amendoim, no nosso PPG. Porque são poucos professores que trabalham com a cultura do amendoim, embora ela seja importantíssima para a região”, diz Silva.

Foi nesse intercâmbio que surgiu a ideia da pesquisa envolvendo o uso de sensoriamento remoto e inteligência artificial para aprimorar a colheita do amendoim. “Conversando com o professor Vellidis, ele falou que queria trabalhar com a estimativa de maturação usando drones, e nós já estávamos fazendo pesquisas no Brasil usando imagens de satélite”, diz Silva. Coube a Santos liderar o estudo.

Adão Santos concluiu o doutorado em 2019, mas  mantém a parceria com Rouverson Silva. Juntos, desenham os próximos passos da nova metodologia. “Estamos trabalhando para aperfeiçoar estes modelos de IA, tanto para Minas Gerais quanto para São Paulo. Aqui no Brasil, não temos muitas estações meteorológicas ‘puras’, como as que são operadas por universidades ou pelo próprio Inmet (Instituto Natural de Meteorologia), que são acessíveis para os produtores utilizarem e acompanharem os dados meteorológicos. Então, usamos dados da Nasa Power, num projeto financiado pela Fapemig. O objetivo é desenvolver um modelo mais aplicável que possa se basear em imagens de satélites geradas aqui em nosso país.”