A vice-reitora da Unesp Maysa Furlan foi a escolhida para ser homenageada neste ano na 44ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química (SBQ), que termina nesta sexta-feira (26). A professora foi convidada para ministrar a conferência de abertura, realizada na segunda-feira, e recebeu a medalha Simão Mathias, outorgada anualmente ao químico conferencista por suas contribuições para o desenvolvimento dessa área do conhecimento e também da entidade.
Sob o tema “Ligações que Transformam”, Maysa Furlan valorizou as colaborações com pesquisadores de outras áreas e detalhou aos seus pares, ao longo da conferência, um pouco do trabalho que desenvolve em suas pesquisas, em especial o trabalho em torno da biossíntese dos triterpenos quinonametídeos, desenvolvido no âmbito dos estudos em química dos produtos naturais, aos quais se dedica desde os anos 1990. O grupo de pesquisa na área de biossíntese liderado pela docente da Unesp é referência nacional.
“Para mim é uma honra (a escolha como conferencista e o recebimento da medalha). Trabalhei muito para a Sociedade (Brasileira de Química) porque acredito muito nas instituições. Como a gente pode contribuir para que se tenha uma ciência forte no estado de São Paulo e em nível nacional? Trabalhando para tornar as instituições mais fortes. Não me nego a participar porque temos que contribuir”, diz a professora, que sempre colaborou com a SBQ, já foi do comitê de avaliação da Capes e hoje, mesmo com inúmeros compromissos na gestão da Unesp, como vice-reitora, integra o grupo de coordenação da área de química da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).
Graduada no Instituto de Química da Unesp, câmpus de Araraquara, Maysa Furlan mudou-se para São Paulo para iniciar na USP a carreira acadêmica, com orientadores que desenvolviam pesquisa no mesmo ambiente científico do professor Otto Gottlieb, precursor dos estudos em química dos produtos naturais no Brasil. No mestrado em química orgânica, orientada por Marden Antonio de Alvarenga, realizou um estudo químico da Maytenus evonymoides, planta da família Celastraceae, e se iniciou no universo dos triterpenos quinonametídeos, compostos químicos com muitas atividades farmacológicas e que hoje se tornaram alvos de grande interesse científico, principalmente em virtude do potencial uso pela indústria contra tumores cancerígenos.
“Digo sempre que recebi um presente do meu orientador de mestrado. Os triterpenos foram a primeira transformação na minha formação. Trabalho até hoje com eles e estão sempre abrindo caminho para avanço nas pesquisas”, diz a professora, que é membro titular da Academia Brasileira de Ciências.
Em Manaus, pesquisa para valorizar a biodiversidade brasileira
Em meados dos anos 1980, a docente seguiu para Manaus com uma bolsa de desenvolvimento cientifico regional do CNPq para trabalhar no Departamento de Fitoquímica do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), reduto privilegiado para quem explorava a química de produtos naturais. De maneira geral, os pesquisadores da área trabalham no sentido de conhecer as estruturas químicas de algumas espécies para disponibilizá-las com o objetivo de uma valoração da biodiversidade brasileira. “Já matriculada no doutorado no IQ/USP, foi lá que eu desenvolvi parte do meu doutorado. Aprendi muita química em Manaus e, principalmente, aprendi a trabalhar com a escassez (de recursos)”, diz Maysa, cuja tese de doutorado com enfoque também em triterpenos e orientada por Nidia Franca Roque foi aprovada com louvor na USP.
No retorno a São Paulo, ingressou como professora do Instituto de Química da Unesp e, no início dos anos 1990, viajou com a família –o então marido e os dois filhos pequenos—para um pós-doutorado na Washington State University (WSU), nos Estados Unidos, com bolsa da Fapesp. Lá, estudou a via biossintética do recém-aprovado paclitaxel (Taxol), fármaco antitumoral obtido a partir da Taxus brevifolia, uma espécie de árvore nativa da América do Norte. Na volta ao Brasil, em meados da década de 90, passou a orientar trabalhos para a biossíntese dos triterpenos quinonametídeos, área em que foi precursora no país.
No Instituto de Química da Unesp, em parceria com outros docentes da unidade, ajudou a criar e a estruturar o Núcleo de Bioensaios, Biossíntese e Ecofisiologia de Produtos Naturais (Nubbe), que atualmente abriga o seu laboratório de biossíntese. Na química de produtos naturais, a biossíntese é um processo por meio do qual são produzidos compostos químicos complexos nos organismos vivos. Com o conhecimento dos processos bioquímicos envolvidos na formação desses compostos, é possível obtê-los por engenharia metabólica em um sistema fora da planta (heterólogo). Nas últimas duas décadas, salienta Maysa, os avanços científicos em sua área foram acelerados, sobretudo, em razão de trabalhos interdisciplinares.
Como exemplo, cita colaborações que considera “importantíssimas” na implementação dos estudos de engenharia metabólica com os pesquisadores Cleslei Fernando Zanelli, então docente da Faculdade de Ciências Farmacêuticas do câmpus de Araraquara, e Tatiana Maria de Souza Moreira, da mesma unidade universitária. “Sem essa colaboração de alunos de iniciação científica, pós-graduação e pós-doutorandos, especialmente a doutora Tatiana, não teríamos avançado nessa fronteira do conhecimento”, diz Maysa. “Falei na conferência que a colaboração e a interdisciplinaridade são as atitudes transformadoras da ciência e da sua aplicação. Se não houver colaborações, você não sai do lugar”, afirma a docente, que atualmente possui colaborações nacionais e internacionais com pesquisadores das áreas da química e da biologia molecular, principalmente.
Fortalecer as instituições
O traço de liderança que possui como pesquisadora também é marcante ao longo de sua trajetória como gestora dentro da Unesp. Antes de ser escolhida vice-reitora na chapa mais votada nas eleições realizadas em 2020 na Universidade, Maysa Furlan já foi diretora do Instituto de Química e assessora, por dois mandatos, da Pró-Reitoria de Pesquisa, sempre empunhando a bandeira das mulheres na ciência e da excelência acadêmica.
“As pessoas têm que acreditar nas instituições científicas e na importância delas para ampliar o nosso conhecimento. Na pandemia, a ciência respondeu rápido porque tinha um conhecimento acumulado. Temos que acreditar nas instituições e fazer o possível para que se fortaleçam. É nessa premissa que fiz a minha carreira”, afirma a docente. “Estou sempre na luta pela equidade e pelo respeito à maternidade e à inserção da mulher tanto na sociedade civil quanto nas organizações. Você só se torna independente trazendo para si valores e conhecimento”, diz a vice-reitora, que fez parte de uma das primeiras turmas do IQ-Unesp.
Imagem: Roberto Rodrigues / ACI Unesp