Nova tecnologia permite reciclar materiais componentes de baterias elétricas de celulares, notebooks e veículos elétricos

Processo desenvolvido por pesquisadores do Centro de Tecnologias Avançadas e Sustentáveis permite reuso de todos os componentes e já foi licenciado por empresa

Um grupo de pesquisadores da Unesp desenvolveu uma tecnologia para reciclagem de baterias de lítio-íon capaz de recuperar os componentes com um alto grau de aproveitamento e pureza dos metais usados no dispositivo. A técnica, que permite a reutilização desses componentes em novas baterias, envolve ainda baixo impacto ambiental, custo reduzido e segurança no processo. A patente, desenvolvida em parceria com a empresa Energy Source, foi licenciada com o apoio da Agência Unesp de Inovação (AUIN) e deverá render à Universidade os royalties decorrentes de sua comercialização.

As baterias de lítio-íon são leves, recarregáveis e amplamente usadas em dispositivos eletrônicos como telefones celulares ou notebooks. Além disso, seu uso e importância devem crescer ainda mais nos próximos anos, uma vez que elas também estão presentes na grande maioria dos veículos elétricos, que devem ganhar espaço na frota global diante da necessidade de descarbonização da economia, e nos sistemas de energia solar e eólica. Tais aplicações foram determinantes para que, em 2019, o prêmio Nobel de Química fosse dado aos pesquisadores que desenvolveram essa tecnologia de bateria.

A perspectiva de que o uso deste tipo de bateria aumente ainda mais nos próximos anos deve aumentar a demanda por alguns dos metais que a compõem, Alguns deles inclusive já têm registrado altas significativas nos últimos meses: desde o início de 2021, o preço do cobalto subiu 65%, o do alumínio 48% e o lítio alcançou 254%, de acordo com dados do site Trading Economics de 30 de setembro. Cabe incluir nesse custo de fabricação, o impacto ambiental causado pela extração desses minerais na natureza.

José Augusto de Oliveira é o coordenador do Centro de Tecnologias Avançadas e Sustentáveis (CAST, na sigla em inglês), localizado no câmpus de São João da Boa Vista. Ele explica que, neste contexto, a reciclagem surge como forma de reduzir os custos econômicos e ambientais da fabricação das baterias. O processo desenvolvido pelos pesquisadores permite o reuso de todos os seus componentes. Atualmente, explica o pesquisador da Unesp, as principais estratégias para o reuso desses componentes envolve a combustão ou a moagem das baterias. Em ambos os casos, os metais de maior valor até são separados, mas ao custo da emissão de gases tóxicos para a atmosfera (pelo processo de combustão), ou descarte de resíduos sólidos (no caso da moagem). Em ambos os casos, apenas os materiais de maior valor são reaproveitados, especialmente os metais. “Isso não pode ser definido como reciclagem. Trata-se de uma destinação paliativa, que se dá quando não existe uma opção melhor”, afirma.

De perfil multidisciplinar, o grupo é composto por pesquisadores das áreas de Química, Física, e as engenharias de Produção, Química, Ambiental, e de Telecomunicações. Suas atividades estão orientadas para o desenvolvimento de produtos que tenham como foco a sustentabilidade ambiental e agreguem valor tecnológico e econômico. Neste sentido, a metodologia elaborada pelos pesquisadores está alinhada aos preceitos do grupo ao reutilizar por completo os componentes das baterias e gerar o menor impacto ambiental possível.

Reagentes amigáveis para com o ambiente

Para desenvolver essa forma de reciclagem, os pesquisadores fizeram uso da hidrometalurgia, processo que promove a separação dos metais em diferentes etapas com o uso de soluções. Antes de mergulhar os componentes no líquido, contudo, a bateria é totalmente descarregada por motivos de segurança, e seus componentes separados manualmente.

Mirian Paula dos Santos, uma das pesquisadoras responsáveis pelo desenvolvimento da tecnologia, explica que dentro das células que formam as baterias existe uma série de camadas formadas por folhas de cobre recobertas com grafite, plástico e uma folha de alumínio recoberta com óxido metálico. “Quando abrimos essas células temos uma espécie de rocambole com essas camadas enroladas. Entre os componentes que formam a bateria, o óxido metálico é o material mais valioso”, explica a pesquisadora com formação na área de química inorgânica e com estudos voltados para a engenharia do ciclo de vida de equipamentos eletrônicos.

Cada folha é então mergulhada em uma solução com reagentes que vão separar os elementos individualmente. “Nossa tecnologia permite que após a separação, esses elementos internos sejam recuperados de forma independente, obtendo um óxido muito puro. Um dos diferenciais deste processo está no fato de usarmos reagentes que sejam amigáveis ambientalmente, um dos focos do nosso grupo de pesquisa”, explica a pesquisadora. O óxido obtido do processo tem valor comercial para indústrias cerâmica, automotiva e de eletroeletrônicos.

Parte deste processo foi descrito em artigo publicado na revista científica Resources, Conservation and Recycling, em que os pesquisadores destacam uma taxa de recuperação dos materiais entre 80 e 90% e de pureza entre 85 e 98%, dependendo do tipo do elemento que compõe as baterias.

Tecnologia já foi licenciada

A metodologia foi patenteada e licenciada juntamente com a empresa Energy Source, localizada em São João da Boa Vista e que, entre suas áreas de atuação, comercializa baterias de lítio-íon fabricadas a partir de componentes reutilizados. O licenciamento deve dar escala industrial à metodologia desenvolvida nos laboratórios do câmpus e irá beneficiar a Unesp com royalties gerados a partir da comercialização do produto. A relação da empresa com os pesquisadores começou em 2017, quando alunas egressas do curso de Engenharia Eletrônica e de Telecomunicações que trabalham na Energy Source apresentaram o trabalho do grupo de pesquisa e as duas partes passaram a trabalhar juntas em busca de soluções para a reciclagem de baterias de lítio-íon.

Para a gerente de transferência de tecnologia da Agência Unesp de Inovação (AUIN) Rita Costoya, a parceria estabelecida entre o CAST e a Energy Source é uma tendência na relação entre universidades e empresas. Rita explica que neste formato, a empresa mitiga o risco porque está investindo em um projeto que ela acompanhou de perto, e o pesquisador terá maior chances de que a tecnologia desenvolvida poderá ser transferida para a sociedade e render recursos extras para a universidade. “Esse é o tipo de fluxo que a Universidade busca, porque o investimento feito nas patentes traz um retorno para a instituição e para a sociedade”, afirma.

A patente é o primeiro produto resultante do projeto de pesquisa que o grupo de São João da Boa Vista aprovou junto à Fapesp, sob a linha de fomento Parceria para Inovação Tecnológica ( PITE). A iniciativa espera desenvolver melhorias em diversas etapas do processo da reciclagem de baterias, o que inclui a triagem das baterias por inteligência artificial, a melhoria no processo de descarga e a separação completa dos metais presentes em seus componentes, incluindo a avaliação de sua viabilidade econômica e o ganho ambiental com o processo. “Atualmente, nossa tecnologia consegue a obtenção do óxido, que já possui um valor de mercado para diversas indústrias. Mas a ideia é continuar pesquisando até fazer a separação também deste óxido em metais de interesse”, afirma José Augusto.

Ivan Aritz Aldaya Garde é um dos pesquisadores que integram o CAST. O professor destaca que, mesmo com os avanços no desenvolvimento de tecnologia para a reciclagem, é fundamental que os fabricantes considerem esta questão desde o planejamento do produto, de forma que sua fabricação considere, por exemplo, facilitar a desmontagem e o descarregamento da bateria. A demanda está ligada àquilo que os pesquisadores chamam de estratégia de fim de vida para o produto, facilitando a reciclagem e enquadrando sua produção no conceito de economia circular. “Desmontar uma bateria, por exemplo, ainda é um problema. É necessário facilitar a sua desmontagem já pensando na logística reversa, de forma que o custo da reciclagem seja incluído no custo de produção. Acredito que chegaremos a isso em algum momento”, afirma.

Imagem acima: Andrey Deryabin