Hoje, já está bem sedimentado no Brasil o papel das universidades como polos geradores de tecnologia. É dos seus laboratórios e institutos de pesquisa que advém grande parte das patentes que são registradas anualmente em nosso país, como mostram os levantamentos do INPI. Porém, são poucas as patentes que efetivamente terminam sendo licenciadas por empresas e se metamorfoseiam em produtos concretos, alcançando o consumidor. O mais comum é que a perspectiva dos pesquisadores que atuam na universidade difira bastante dos interesses e necessidades dos gestores que estão à frente das empresas. “Está bem clara a necessidade de pessoas que possam atuar no meio do caminho entre as duas esferas, entendo as necessidades do setor privado e que possam saber buscar as tecnologias e inovações dentro da academia. Há quem chame esta figura de pesquisador translacional”, diz Rui Seabra Ferreira Júnior, professor e pesquisador do Centro de Estudos de Venenos e Animais Peçonhentos (CEVAP) da Unesp, em Botucatu. Ele explica que a característica deste pesquisador translacional é acessar, da forma mais eficiente, os recursos e ferramentas da universidade. “Ele pode, por exemplo, montar um time que será capaz de encontrar as soluções para algum problema que interesse a esta ou àquela empresa”, explica.
Em julho, Seabra Júnior foi selecionado para ser um dos participantes da oitava edição do “Academia and Industry Training” (AIT), um treinamento binacional que acontece no Brasil e na Suíça organizado pela Swissnex no Brasil, em colaboração com a Universidade de St. Gallen (CLS HSG), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). O treinamento acontecerá ao longo deste ano e no próximo, com etapas virtuais e presenciais que ocorrerão em cidades do Brasil e da Suíça. Foram selecionados dez participantes brasileiros e dez suíços, todos pesquisadores cujos trabalhos foram considerados inovadores e comercialmente promissores.
No caso do pesquisador da Unesp, ele apresentou ao comitê selecionador duas pesquisas desenvolvidas na universidade que já passaram por testes clínicos de segurança fase II e que foram patenteadas pela AUIN. Uma é uma substância selante feita de um biopolímero chamado fibrina. A outra é um soro Antiapílico contra picada de abelhas. Ambos os produtos são extremamente inovadores e com grande potencial comercial. “O soro antiapílico não é como um soro contra picada de cobras ou escorpião, que é fabricado de forma específica para cada espécie. Por isso, pode ser exportado para qualquer lugar do mundo onde haja a abelhas Apis melifera“, explica.
O AIT é organizado pela Swissnex, um órgão ligado ao governo suíço com escritórios internacionais, no Brasil inclusive, destinado a fomentar inovação e parcerias. A Suíça é um dos polos mundiais na área de desenvolvimento de medicamentos. Apesar de sua pequena área, abriga unidades de P&D de quase todas as grandes empresas farmacêuticas. É lá que são gerados os negócios inovadores e a novas moléculas que posteriormente serão distribuídas para as fábricas nos outros países. Mas também estão atuando ali grande número de start-ups e spin-offs, que desenvolvem projetos em parceria com as grandes companhias, num cenário que lembra o do famoso Vale do Silício na Califórnia, meca da inovação digital no planeta. “A Suíça permite conhecer tanto as iniciativas que já tiveram muito de sucesso quanto aquelas que ainda estão na prancheta ou em desenvolvimento”, diz Rui.
A comercialização dos dois produtos tem avançado. Já houve manifestações de interesse por parte empresas da Índia em produzir o soro contra picadas de abelhas em seu país, ao invés de importá-lo. No caso do selante de fibrina, já há uma startup, a R4D Biotech, fundada por um ex-aluno da FMVZ-Unesp, que licenciou a patente junto à AUIN, recebeu R$ 200 mil reais de apoio do PIPE-FAPESP e está agora aguardando um financiamento de modalidade PIPE 2 no valor de R$ 1 milhão de reais para investir na empresa. “A ideia é que, por meio deste programa de capacitação direcionada à cientistas empreendedores, possamos aumentar nossa network a fim de beneficiar também estas startups que estão nascendo da Unesp, para que futuramente encontrem um caminho para conversar com as grandes empresas farmacêuticas” diz o pesquisador. “Neste modelo, a startup absorve nossos alunos, gera tecnologia e empregos, recolhe impostos ao país, e ainda continua a atuar em parceria com a universidade.”
Seabra Júnior está participando de um novo projeto da Fapesp, intitulado Centros de Desenvolvimento, que está na fase de elaboração de edital. Estes centros serão ligados a todas as Secretarias de Estado de São Paulo. O objetivo é que nestes centros sejam desenvolvidos produtos ou protótipos que possam ser absorvidos pelo setor produtivo. Neste modelo, toda a etapa de testes ocorre na Universidade, o que minimiza os riscos da empresa. Esta recebe um produto já validado, o que aumenta muito o valor agregado à tecnologia. “É exatamente o que fizemos aqui no CEVAP com estes produtos: nós geramos os protótipos e os testamos, que futuramente contará com uma Fábrica de Biomedicamentos do Complexo Industrial da Saúde brasileiro. Isso nos deu o know-how e experiência para seguir adiante”, conta.
Foto acima: CEVAP