Indicadores de sustentabilidade desenvolvidos por pesquisas da Unesp são recomendados pela Comissão Europeia

Resultados de estudos em aquicultura fazem parte de relatório da CE para atividades econômicas ligadas a oceanos

Um relatório divulgado em março passado pela Comissão Europeia, o braço executivo da União Europeia, adotou indicadores desenvolvidos pela Unesp para avaliar a sustentabilidade de atividades econômicas do continente relacionadas à blue economy (que envolvem os oceanos). O conjunto de parâmetros é produto de 20 anos de pesquisa desenvolvidos pelo professor Wagner Valenti e sua equipe no Centro de Aquicultura da Universidade (CAunesp). 

Para elaborar o documento Sustainable criteria for the blue economy, a Comissão levantou uma série de ferramentas de avaliação de sustentabilidade disponíveis na literatura científica e selecionou quatro delas. O modelo publicado pela equipe do Caunesp em artigo de 2018 publicado na revista Ecological Indicators foi um dos escolhidos. 

O relatório europeu explica que as atividades econômicas desenvolvidas a partir do oceano, designadas sob o termo blue economy, representam hoje U$1,5 trilhão globalmente, e que existe potencial para que esse valor possa ser dobrado até 2030. Daí a possibilidade de que a aquicultura desempenhe um papel central na diminuição do consumo mundial de recursos naturais terrestres, utilizados para alimentar uma população que continua a crescer, e na mitigação dos efeitos da mudança climática. “Neste sentido, torna-se crítica a necessidade de desenvolver e promover atividades voltadas à blue economy”, afirma o documento, que tem como objetivo oferecer um conjunto preliminar de critérios e indicadores de sustentabilidade que possam ser aplicados a vários setores econômicos. 

Os indicadores

A incorporação do conceito de sustentabilidade à atuação do Caunesp surgiu no início dos anos 2000 a partir da Agenda 21, o principal documento produzido pela conferência ECO-92 e que colaborou para despertar em todo o mundo a necessidade de se encontrar soluções para os problemas socioambientais. “Naquele momento, estava claro para nós que os recursos naturais eram finitos e era necessário desenvolver sistemas de produção que usem o mínimo de recursos e que tragam benefícios sociais e ganhos econômicos”, lembra. 

A consolidação destes indicadores foi um trabalho de anos que envolveu desde pesquisas para definição dos critérios sociais e ambientais até reuniões com os principais stakeholders da cadeia produtiva, num esforço que colocou a atividade científica em contato com o “mundo real” e foi alimentado por feedbacks valiosos vindos dos atores envolvidos no processo.  

No processo, a equipe utilizou referências já consolidadas da economia neoclássica, como lucro ou taxa interna de retorno. Já no aspecto social, a metodologia procura saber, por exemplo, se o projeto é capaz de gerar empregos, qual a faixa etária dos trabalhadores, se ele pode promover inclusão racial ou de que forma a renda gerada é distribuída. 

A avaliação da sustentabilidade ambiental exigiu aprofundamento de pesquisas sobre o impacto ambiental da produção. Entram nesse aspecto, por exemplo, a quantidade de nitrogênio ou de fósforo necessárias para produzir um quilo de peixe. “Ao longo dos anos, aperfeiçoamos tecnologias capazes de medir o volume de gases como o metano ou o CO2, ambos responsáveis pelo efeito estufa, em uma produção aquícola. Dessa forma, podemos apontar o volume desses gases que determinada produção lança no ambiente”, explica a professora Patrícia Moraes Valenti, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Aquicultura da Unesp. 

Uma vez finalizado, o modelo de indicadores foi aplicado aos diferentes sistemas de produção no Brasil, abarcando um total de 40 fazendas. A iniciativa ajudou a aperfeiçoar o modelo, eliminando alguns indicadores que se mostraram de difícil obtenção por parte do produtor e corrigindo outros. “É importante para o nosso modelo que esses indicadores sejam medidos com uma metodologia que seja cientificamente adequada e fácil de entender e de interpretar”, diz Wagner Valenti.  

O relatório divulgado pela Comissão Europeia está inserido no contexto de retomada verde, nome dado à iniciativa para pautar a recuperação econômica pós pandemia de Covid-19 por atividades sustentáveis que colaborem no combate à mudança climática e na proteção dos ecossistemas. O tema está sendo bastante debatido por todo o continente. “Essa é uma contribuição que extrapola a área da produção da aquicultura e vai embasar uma ferramenta de avaliação que deve ser aplicada a toda a economia do mar do continente europeu, que é o mais avançado do mundo na área de sustentabilidade”, diz o pesquisador. 


Embora a metodologia desenvolvida no Caunesp esteja consolidada e ganhando outros mares, uma das ressalvas levantadas pelo relatório da Comissão Europeia é a ausência de indicadores de governança, que tem sido mais recentemente apontado como uma quarta dimensão da sustentabilidade. “Nós já temos um trabalho bem avançado para ser publicado em breve que inclui indicadores de governança na aquicultura”, adianta Wagner. “Dessa forma, nossa metodologia vai conseguir em breve contemplar as quatro dimensões da sustentabilidade”. 

Imagem acima: fazenda de produção de salmão na cidade de Bergen, na Noruega. Crédito: MariusiLtu/Istock